Nesta quinta-feira, 15, o plenário do STF, por maioria, entendeu válida lei de MS que obriga empresas de internet a apresentarem, na fatura, a entrega diária da velocidade de envio e recebimento de dados.
A ação movida pela Abrint – Associação Brasileira de Provedores de Internet e Telecomunicações, de relatoria do ministro Alexandre de Moraes, foi levada ao plenário físico após pedido de destaque do ministro Gilmar Mendes.
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A maioria dos ministros acompanhou o relator no sentido da constitucionalidade da lei, declarando improcedente a ação movida pela Abrint. Ficaram vencidos os ministros Rosa Weber (hoje aposentada, mas que proferira voto no plenário virtual), Gilmar Mendes e André Mendonça.
Veja o placar:
O caso
A Abrint questiona a validade da lei Estadual 5.885/22 que obriga as prestadoras de serviços de internet móvel e de banda larga pós-paga a registrarem, nas faturas mensais, dados da entrega diária de velocidade de recebimento e de envio de dados.
Segundo a entidade, a exigência pode gerar desigualdade no tratamento de usuários pelo país. Ademais, afirma que é de competência privativa da União legislar acerca de telecomunicações e que cabe à Anatel – agência nacional de telecomunicações avaliar se a prestação do serviço está de acordo com metas estabelecidas na concessão, além de criar obrigações e regulamentar o setor.
Confusão aos consumidores
O advogado Alan Silva Faria, representando a Abrint, argumentou que as novas exigências previstas em lei podem causar confusão entre os consumidores, especialmente em relação às informações nas faturas.
Segundo ele, termos como "download" e "upload" não se referem à velocidade contratada nem à franquia de consumo, o que pode induzir o consumidor a erro, considerando que a maioria dos contratos no setor não inclui uma franquia de dados.
Faria destacou que o setor de telecomunicações brasileiro, reconhecido como referência mundial, é composto por mais de 15.600 pequenas empresas. Ele apontou que a confusão no mercado tem origem na própria legislação, que exige das empresas a apresentação de informações complexas nas faturas, gerando um custo estimado de R$ 1,5 bilhão para adaptação dos sistemas de análise de dados e emissão de faturas detalhadas.
Além disso, o advogado ressaltou que a Anatel já regula o que deve constar nas faturas por meio da resolução 765, que não exige a inclusão da média diária de download e upload.
O advogado alertou que permitir que leis estaduais regulamentem aspectos do setor de telecomunicações pode enfraquecer o ente regulador nacional, criando o que ele chamou de "ilhas regulatórias" que podem divergir do que é previsto em âmbito Federal.
Proteção aos consumidores
O procurador Ulisses Schwarz Viana, representando o Estado de Mato Grosso do Sul, defendeu a importância do federalismo no Brasil, destacando a participação dos Estados na construção de uma rede de proteção aos consumidores.
Ele enfatizou que a lei em questão, composta por apenas três artigos, foi elaborada com simplicidade para não interferir em aspectos técnicos de concessão, mas sim para abordar a assimetria informacional entre consumidores e prestadoras de serviços.
Argumentou que a lei não se trata apenas de uma questão de competência concorrente, mas também de uma obrigação constitucional do Estado em proteger o consumidor, conforme previsto no art. 5º, XXII da CF.
Ele questionou as alegações de prejuízos e custos apresentados pelas empresas, afirmando que não é evidente como essas exigências interfeririam negativamente na prestação de serviços. Pelo contrário, ele sugeriu que a transparência proporcionada pela lei permitiria ao consumidor compreender melhor o que está sendo oferecido.
O procurador defendeu que a superação das assimetrias informacionais é o objetivo central da norma estadual, ressaltando que o Estado teve o cuidado de redigir os dispositivos para preservar a competência exclusiva da União.
Afirmou que a lei contribui para o federalismo, trazendo diferentes perspectivas e soluções para problemas comuns, sem invadir o espaço das normas gerais da União.
Concluiu afirmando que o consumidor, sendo a parte mais vulnerável na relação de consumo, tem direito à transparência, conforme assegurado pelo CDC. Nesse sentido, reforçou que a lei estadual não violou a competência da União, mas sim contribuiu para um federalismo saudável, promovendo uma democracia consumerista mais transparente e garantindo ao consumidor o direito de saber o que está pagando.
Voto do relator
No plenário virtual, ministro Alexandre de Moraes, relator da ação, havia votado pela constitucionalidade da legislação de MS.
S. Exa. reconheceu que a CF estabeleceu competências específicas para cada ente federativo. No caso das telecomunicações, a competência legislativa é privativa da União.
No entanto, afirmou que a lei estadual não interferiu nos aspectos técnicos ou operacionais do serviço de telecomunicações, mas na transparência das informações prestadas ao consumidor.
Dessa forma, considerou que a norma tem caráter consumerista, sendo possível a atuação concorrente dos Estados na proteção do consumidor.
O ministro reafirmou que a livre iniciativa é um princípio fundamental, mas não absoluto e que o Estado tem a prerrogativa de regular a atividade econômica para garantir objetivos de interesse público, desde que haja proporcionalidade.
Assim, a lei estadual visando assegurar a transparência e a proteção dos consumidores, conta com objetivos alinhados aos princípios constitucionais da defesa do consumidor e da ordem econômica.
Ademais, Moraes ressaltou que a obrigatoriedade de informar a velocidade de internet não compromete a equação econômico-financeira dos contratos, nem prejudica a competitividade das empresas. Ao contrário, segundo o relator, a transparência nas informações fortalece a relação de consumo sem impor um ônus desproporcional às prestadoras de serviço.
Obrigação contratual
Ministro Luís Roberto Barroso, ao votar, apontou que a exigência de apresentar, na fatura mensal, a velocidade de recebimento e envio de dados pela internet não constitui uma nova obrigação contratual para os prestadores de serviço.
Para o presidente da Corte, contratos firmados entre as empresas e clientes, que são regulados por normas Federais, já estabelecem serviços a serem prestados e a velocidade que deve ser disponibilizada.
Afirmou, portanto, que a legislação estadual não interfere em aspectos contratuais, mas apenas impõe uma exigência de transparência quanto à qualidade do serviço efetivamente entregue ao usuário.
Barroso destacou que essa exigência está relacionada ao direito à informação do consumidor, uma proteção que também é de responsabilidade dos Estados membros. Assim, entendeu que a lei estadual não cria novas obrigações contratuais, mas reforça o direito do consumidor à transparência, princípio já previsto na legislação Federal.
Ao final, propôs a seguinte tese de julgamento:
“É constitucional lei estadual que obriga as empresas prestadoras de serviço de internet a apresentarem na fatura mensal informações sobre a entrega diária de velocidade de recebimento e envio de dados pela rede mundial de computadores.”
Divergência
Inaugurando divergência, a ministra Rosa Weber (atualmente aposentada) entendeu que a competência privativa para legislar sobre telecomunicações é exclusiva da União, conforme os arts. 21, XI, e 22, IV, da CF.
Ademais, que a exploração dos serviços de telecomunicações, incluindo a definição das obrigações das prestadoras, cabe exclusivamente à União, mesmo que a execução desses serviços seja delegada a particulares por meio de autorização, concessão ou permissão.
Ressaltou que a lei estadual, ao exigir a divulgação da velocidade diária de internet nas faturas, interfere nos contratos administrativos firmados no âmbito Federal. Para a ministra, a interferência vai além da relação de consumo entre o usuário e a empresa prestadora, afetando a relação jurídica trilateral que inclui também o Poder concedente, titular do serviço público de telecomunicações.
Em seu voto mencionou precedentes do STF que reafirmam a competência exclusiva da União para legislar sobre telecomunicações e a inconstitucionalidade de leis estaduais que estabelecem obrigações adicionais às empresas prestadoras de serviços de telefonia e internet.
Entre eles a ADIn 5.569, que trata de obrigação semelhante de apresentação de velocidade de internet, e a ADIn 4.478, que abordou a proibição de cobrança de assinatura básica nos serviços de telefonia fixa e móvel.
Invasão de competência
Ministro Gilmar Mendes, nesta quinta-feira, 15, ao proferir voto, destacou que cabe à União legislar acerca de normas gerais, enquanto os Estados têm a função de suplementá-las e, em alguns casos, exercer competência legislativa plena na ausência de legislação Federal específica sobre o tema.
Ressaltou a importância de se realizar uma análise cuidadosa da constitucionalidade da lei em questão, com base nos arts. 22, 23 e 24 da CF, utilizando critérios interpretativos para determinar a intensidade da relação entre a estrutura fática normatizada e a competência analisada.
Apontou que a União delegou à Anatel a responsabilidade de adotar medidas regulatórias para monitorar e avaliar a qualidade dos serviços de comunicação móvel, incluindo a criação do Índice Brasileiro de Conectividade, que mede a qualidade das conexões nos estados e municípios e classifica-os em um ranking.
Diante dessa regulamentação, o ministro argumentou que qualquer interferência por parte dos Estados violaria a competência exclusiva da União, conforme previsto no art.21, XI, da CF.
S. Exa. também observou que o STF tem mostrado inconsistência em sua jurisprudência, ora rejeitando, ora aceitando legislações estaduais semelhantes, o que gera insegurança jurídica.
Gilmar Mendes destacou que o Estado de Mato Grosso do Sul editou nova lei, similar a outra já declarada inconstitucional pelo STF em 2017. Afirmou que o simples ato de calcular a velocidade da internet, conforme exigido pela nova lei, interferiria em programas recentemente criados pelo ministério das Comunicações, sob a responsabilidade da Anatel.
Por fim, o ministro concluiu que não é possível superar a inconstitucionalidade formal, uma vez que a competência concorrente dos Estados para legislar sobre direitos do consumidor não pode frustrar o objetivo das normas que estabelecem as competências legislativa e administrativa exclusivas da União em matéria de telecomunicações.
Com isso, Gilmar Mendes votou pela procedência do pedido para declarar a inconstitucionalidade da lei de Mato Grosso do Sul, acompanhando a divergência da ministra Rosa Weber.
- Processo: ADin 7.416