Na última quinta-feira, 18, o ministro do STJ, Sebastião Reis Junior, esteve em Araraquara/SP, acompanhado pelo prefeito da cidade e por desembargadores, para visitar o sistema penitenciário local e cooperativas formadas por egressos do sistema prisional.
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As impressões do ministro após a visita foram consolidadas em artigo escrito por Sebastião Reis ao Migalhas.
Trazendo dados preocupantes acerca do sistema carcerário brasileiro, no qual, dos aproximadamente 852 mil presos, 208 mil ainda aguardam julgamento, e apenas 19,7% trabalham, o ministro destacou que a política de punir e prender não é efetiva.
Sebastião Reis nega que defenda a impunidade dos que cometem crimes, mas observou que existem políticas diversas, muitas vezes esquecidas, que podem ser alternativas eficazes, já que um dia o preso será solto. Ressaltou que a função do Estado é ressocializá-lo.
Lembrou a existência das APACs - Associação de Proteção e Assistência aos Condenados, que auxiliam na execução da pena e são vantajosas quando comparadas ao sistema ordinário, já que inexiste guarda armada, há exigência de estudo e trabalho por parte dos presos e eles próprios controlam as celas.
Segundo o ministro, nesses locais o número de reincidência é muito menor, já que os detentos são tratados com mais dignidade e respeito, além de terem diversas oportunidades de trabalho.
O ministro vê tais alternativas como uma verdadeira “luz no fim do túnel”. Essa mesma esperança Sebastião Reis conseguiu visualizar em sua visita à Araraquara.
Penitenciárias
O ministro visitou a penitenciária “Dr. Sebastião Martins Silveira” e afirmou que, apesar da superlotação, o ambiente encontrado era limpo e organizado.
Sebastião também esteve no Centro de Ressocialização Feminino, com pouco mais de 80 presas. Relatou que não viu guardas armados, que a lotação era respeitada e o local era limpo e organizado, onde todas as presas trabalham e/ou estudam.
Projeto Horta Parceira
O ministro ainda visitou o projeto "Horta Parceira Comunitária: Cultivando um futuro sustentável", implementado em 2023 por iniciativa da secretaria da Administração Penitenciária do Governo do Estado de São Paulo.
O local promove o cultivo de alimentos saudáveis e frescos em viveiros para mudas de hortaliças e leguminosas, e também objetiva a reintegração social e educação ambiental.
Os produtos cultivados são manuseados por detentos em regime fechado e semiaberto, com 70% da produção destinada ao Banco Municipal de Alimentos, que atende pessoas em situação de vulnerabilidade social. Os 30% restantes são consumidos pela própria comunidade carcerária.
Sol Nascente
Ao final, Sebastião Reis visitou a cooperativa Sol Nascente, fundada e formalizada em 2020, que realiza uma série de atividades, incluindo formação profissional para manutenção de horta orgânica, compostagem e guarda de equipamentos.
Além disso, a cooperativa recebe novos egressos da unidade penitenciária, oferecendo orientação e suporte após o cumprimento da pena, visando sua reintegração na sociedade.
O ministro destacou que em quatro anos de existência nenhum cooperado reincidiu e concluiu que há espaço para políticas públicas que, sem afastar a punição, preocupam-se em evitar a reincidência e promover o retorno à sociedade e à família de forma digna.
Defendeu que o país se preocupe com a prevenção e ressocialização, pois a punição dura e cruel não é a única forma de combater a criminalidade.
Veja o artigo na íntegra:
Há um Sol (nascente) no fim do túnel
Nos dias que passaram, a imprensa repercutiu dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, publicado em julho/2024 .
O UOL chama a atenção para o número total de presos (852.010, com um aumento de 2,4% em relação a 2022), sendo que desse total, 208.882 são pessoas que ainda aguardam o julgamento de seus processos.
Destaca o UOL, também, que apenas 19,7% dos presos trabalham, sendo que desse percentual, 76,8% só conseguiram atuar nas próprias unidades prisionais.
Já o G1 alerta que a insegurança pública é um dos problemas mais graves do Brasil, que ainda continua sendo um dos países mais violentos do mundo. Ano passado, 2023, foram 46.328 assassinatos, o maior (ou um dos maiores) número absoluto desse tipo de crime no Planeta.
Destaca ainda o G1 outro dado importante que consta do Anuário: os crimes contra as mulheres (estupros, assédio e assassinatos cresceram no País – quase 84 mil estupros e 1.647 feminicídios registrados).
A reportagem cita, ao final, Renato Sérgio de Lima, diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública:
O resumo disso tudo: a população não tem motivo para se sentir mais segura e não à toa, violência é o tema que mais tem provocado preocupação em qualquer pesquisa de opinião recente que nós tenhamos divulgado, publicado e presenciado. Então, a sensação de insegurança não é injustificada. Muito pelo contrário. A gente nota que o problema da violência é gravíssimo e o Brasil está longe de poder comemorar uma notícia boa - como a redução das mortes violentas intencionais, mas muito insuficiente para dizer que vive em um país seguro.
Há tempos tenho dito que nossa política de só punir e prender não tem dado resultado. Desde muito, nosso legislador tem se preocupado em fazer leis que aumentam o rigor não só da pena, mas de seu cumprimento também, esquecendo-se de que a solução para a criminalidade não se resume a punir.
Temos que prevenir e ressocializar aqueles que erraram.
Na verdade, o nosso Legislativo dá eco à sociedade e a uma boa parte do Poder Judiciário e do Poder Executivo que também pensa que apenas a punição dura e rigorosa é o único caminho para se acabar com a criminalidade.
Enganam-se todos eles.
Os números mostram que a criminalidade não recrudesceu nos últimos anos, pelo contrário.
Chegou a hora de repensarmos nossas políticas públicas para o enfrentamento dessa criminalidade crescente.
Não defendo ou sustento que o criminoso não deva ser punido. Não. Que isso fique bem claro. O que sustento é que existem outras políticas que são esquecidas e que podem ajudar no embate desse problema.
O preso um dia vai sair. Não há, no Brasil, prisão perpétua ou pena de morte. E cabe ao Estado preparar o preso para quando sair, dando condições para que ele ocupe o seu lugar na sociedade e não retorne à criminalidade.
Gostem ou não gostem, essa é uma obrigação do Estado – ressocializar o preso.
E não podemos deixar de lembrar que boa parte de nossos presos, futuras pessoas em liberdade, é oriunda de classes menos favorecidas, com baixa instrução e sem condições financeiras, o que certamente dificulta ainda mais o seu reingresso na sociedade.
Já falei em outras oportunidades sobre as APACs (Associação de Proteção e Assistência aos Condenados - uma entidade jurídica sem fins lucrativos, com o objetivo de auxiliar à Justiça na execução da pena, recuperando o preso, protegendo a sociedade, socorrendo as vítimas e promovendo a Justiça restaurativa) e suas vantagens, se comparadas com o sistema tradicional:
- Das 55 APACs existentes no Brasil, 32% são consideradas excelentes pelo DEPEN, enquanto das convencionais, apenas 3,1%; 37% são boas contra 20,8%; 26% são regulares contra 42,5%; e apenas 3% são péssimas contra 24,5%;
- Apenas 7% funcionam com superlotação contra 57% das penitenciárias tradicionais, que têm uma taxa de ocupação de 188%;
- Nos anos de 2023 e 2024, não foram registradas mortes ou rebeliões nas APACs, com a anotação de apenas 6 fugas;
- A reincidência no sistema tradicional chega a 85%, enquanto nas APACs é de 14,27% (nas femininas, a reincidência não chega a 3%);
- O custo do preso nas APACs é de R$ 1.300,00, enquanto no sistema convencional é de R$ 2.500,00 e nas PPPs de R$ 4.000,00; e, por fim;
- O custo de construção de uma APAC é de R$ 40.000,00 por vaga, enquanto a de uma penitenciária tradicional é de R$ 120.000,00 por vaga.
Mas a maior diferença encontramos no tratamento do preso. Nas APACs, não há guarda armada; TODOS os presos são obrigados a estudar e a trabalhar; eles são tratados pelo nome próprio e usam roupas próprias; os presos são os responsáveis pelo controle das celas; não existem muros duplos e torres de controle; e não existe cela castigo.
Conheci 4 (São João del-Rei, masculina e feminina; Santa Luzia, masculina; e Belo Horizonte, feminina) e, em todas, o traço comum era a organização, a limpeza e o quase sucesso na ressocialização, com um número de reincidência muito abaixo do sistema tradicional, a custo menor.
Ali, os presos são tratados com dignidade e respeito, como gente que são.
São muitas as oportunidades de trabalho tanto interna quanto externamente: fábricas de tijolos e cimento; de hóstia; de sandálias; piscicultura; cozinha, horta etc.
O Estado conseguia, finalmente, com as APACs, cumprir com a obrigação de garantir a reinserção do preso à sociedade.
Ao falar das APACs, dizia que há sim uma luz no fim do túnel.
Mas essa luz ainda é fraca, já que elas são, no Brasil, apenas 55 e abrigam somente 5.120 presos dos mais de 800.000 que existem no País. E, principalmente, são uma exceção à regra – nosso sistema penitenciário, em sua grande maioria, não consegue atingir esse objetivo.
Na última semana, fui a Araraquara, interior de São Paulo, e tenho uma nova oportunidade de dizer que há sim uma luz no fim do túnel, agora um pouco mais forte.
Lá conheci, primeiro, a Penitenciária “Dr. Sebastião Martins Silveira”, onde, apesar da superlotação, encontrei um ambiente limpo e organizado.
Encontrei também um projeto realizado com o apoio do Município chamado de “Horta Parceria Comunitária: Cultivando um futuro sustentável”, em que a mão de obra é dos presos e a orientação técnica e os insumos são fornecidos pelo Município, com 70% da produção destinada a cestas básicas distribuídas às famílias carentes da cidade (muitas delas dos próprios presos), e o restante, ao consumo interno do presídio.
Encontrei ainda um projeto que faz circular nas salas de aula cerca de mil presos por dia, em cursos básicos e técnicos.
Vi ali um presídio tradicional, com celas, muros altos e guarda armada, mas vi também uma preocupação real com os presos; um lugar onde certamente há um cuidado sincero de dar a eles condição de seguir com sua vida ao fim da pena.
Saindo dali, conheci o Centro de Ressocialização Feminino, um pequeno centro de detenção de mulheres com ocupação de pouco mais de 80 presas.
Ali, como nas APACs, não vi guardas armados. Vi celas fechadas com cortinas e não grades; vi a lotação respeitada; vi um lugar limpo e organizado e ouvi que todas as presas trabalham e/ou estudam, sendo que das pouco mais de 40 em regime semiaberto, 35 trabalham com remuneração na prefeitura.
Não é definitivamente um presídio tradicional. Pelo contrário. É clara a intenção em reincluir a presa na sociedade após o cumprimento de sua pena. A prisão ali cumpre com a sua dupla função – punir e ressocializar.
E, finalmente, tive o prazer de conhecer a Cooperativa Sol Nascente. Uma cooperativa que surgiu pela iniciativa de egressos do sistema prisional de Araraquara e que trabalha na reinserção do ex-presidiário no mercado de trabalho.
Trabalham em hortas urbanas, compostagem, educação ambiental e jardinagem.
A cooperativa fica logo na saída do Presídio local e conta hoje com cerca de 90 egressos, com a possibilidade de aumentar o número de atendidos em pouco tempo. Tem 4 anos de vida e NENHUM dos cooperados reincidiu.
Existe, ao contrário do que muitos pensam e até eu pensava muito recentemente, uma luz, um sol (nascente) no fim do túnel.
Há espaço para políticas públicas que, sem renunciar à punição do criminoso, se preocupam em dar condições para que ele não reincida, para que ele não seja novamente punido com o cárcere e para que ele retorne à sociedade e à sua família de cabeça erguida, podendo olhar nos olhos de quem o encara, com um espaço para trabalhar e viver dignamente.
Isso sim é combater a criminalidade e evitar que ela cresça e que o prisioneiro de hoje, em breve, retorne à prisão.
Não. A punição não é o único caminho de se combater a criminalidade. Existem outros negligenciados. Temos que nos preocupar com a prevenção e a ressocialização; temos que dar condições àquele que errou de não voltar a errar, e é preciso parar de achar que a punição dura e, muitas vezes, cruel é o único caminho possível para se enfrentar a criminalidade.