Na última sexta-feira, 26, o STF voltou a analisar, em plenário virtual, se entes públicos podem contratar serviços jurídicos sem licitação, e em que casos essa contratação configura ato de improbidade administrativa.
Até o momento, o relator, ministro Dias Toffoli, votou por admitir a contratação sem licitação, sendo seguido pelos ministros Flávio Dino e Alexandre de Moraes.
Após pedido de vista, o ministro Luís Roberto Barroso divergiu quanto a validade dos atos de improbidade culposos e sobre o adendo de normas municipais impeditivas.
O julgamento vai até dia 28, sexta-feira.
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Entenda o caso
O caso concreto teve origem em ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público de São Paulo contra escritório de advogados e a Prefeitura de Itatiba/SP, apontando ocorrência de improbidade administrativa em contratação de serviços jurídicos pelo município.
Em 1ª instância, a ação foi julgada improcedente sob o fundamento de não ter havido qualquer ilegalidade, imoralidade ou lesão ao erário público.
O TJ/SP, ao julgar apelação, manteve esse entendimento. No entanto, o STJ, ao dar parcial provimento ao recurso especial do MP/SP, concluiu que a improbidade na hipótese independe de dolo ou culpa, pois se trata de forma de contratação irregular, e determinou a aplicação de multa.
Para questionar o acórdão do STJ, a sociedade de advogados interpôs o RE 656.558. Já o RE 610.523, também em julgamento, foi interposto pelo MP/SP para questionar o acórdão do tribunal paulista.
Voto do relator
Em seu voto, o ministro Dias Toffoli admitiu a possibilidade de ocorrer a prática de improbidade administrativa em tal forma de contratação, porém, desde que fique evidenciado dolo ou culpa dos agentes envolvidos no ato.
No caso concreto, no entanto, entendeu que isso não foi verificado, uma vez que o serviço foi totalmente prestado e não houve superfaturamento.
Segundo o relator, é constitucional a regra da lei de licitações (lei 8.666/93) relativa à inexigibilidade de licitação para serviços técnicos especializados, entre os quais o texto inclui expressamente os serviços jurídicos.
Mas seu voto incluiu ressalvas, observando que o serviço deve possuir natureza singular e ser prestado por profissional ou empresa de notória especialização. Destaca ainda que, para a configuração de improbidade administrativa, deve haver a caracterização de ação ou omissão em relação ao ato praticado.
Para fim de fixação de tese de repercussão geral, propôs o seguinte texto:
"Sabe-se que há serviços de natureza comum cuja prestação exige conhecimento técnico generalizado, o qual pode perfeitamente ser comparado objetivamente numa licitação pública. Há, contudo, determinados serviços que demandam primor técnico diferenciado, detido por pequena ou individualizada parcela de pessoas, as quais imprimem neles características diferenciadas e pessoais."
O ministro sugere a fixação da seguinte tese:
a) O dolo é necessário para a configuração de qualquer ato de improbidade administrativa (art. 37, § 4º, da Constituição Federal), de modo que é inconstitucional a modalidade culposa de ato de improbidade administrativa prevista nos arts. 5º e 10 da Lei nº 8.429/92, em sua redação originária.
b) São constitucionais os arts. 13, V, e 25, II, da Lei nº 8.666/1993, desde de que interpretados no sentido de que a contratação direta de serviços advocatícios pela Administração Pública, por inexigibilidade de licitação, além dos critérios já previstos expressamente (necessidade de procedimento administrativo formal; notória especialização profissional; natureza singular do serviço), deve observar: (i) inadequação da prestação do serviço pelos integrantes do Poder Público; e (ii) cobrança de preço compatível com o praticado pelo mercado;
Assim, o ministro votou pelo provimento do RE 656.558 para reformar acórdão do STJ e restabelecer a decisão que julgou improcedente a ação. Já no caso do RE 610.523, seu voto foi pelo desprovimento, mantendo o acórdão do TJ paulista.
Leia o voto do relator.
Até o momento, os ministros Flávio Dino e Alexandre de Moraes seguiram o relator.
Voto divergente
O ministro Barroso acompanhou o relator parcialmente quanto aos parâmetros para a validade das contratações dos serviços, mas afastou a caracterização de ato de improbidade administrativa e a multa civil aplicada pelo STJ.
Barroso ressaltou que o STF manteve a validade da redação da lei 14.230/21, que exige a presença de dolo para a caracterização de qualquer ato de improbidade administrativa.
"Esse raciocínio deve ser aplicado ao caso concreto em análise: como a condenação ainda não se tornou definitiva e não se comprovou a presença de dolo, a norma benéfica prevista na lei 14.230/21 deve incidir, o que exclui a caracterização de ato de improbidade administrativa. Deve ser afastada, portanto, a multa civil aplicada pelo STJ."
O ministro sugeriu corrigir a tese de Toffoli e não declarar inconstitucional a modalidade culposa de improbidade administrativa, pois isso não foi decidido na ação. Propôs também destacar que o dolo é necessário para atos antes da nova lei, desde que não haja condenação definitiva.
Por fim, o ministro também divergiu com relação à validade de contratações sem licitação quando há norma municipal que a impeça.
Para Barroso, “se estão presentes os requisitos que autorizam a contratação de serviços de advocacia por inexigibilidade de licitação”, uma lei local não pode exigir tal procedimento.
Isso ocorre, segundo o ministro, porque, nesses casos, é "impossível a competição entre potenciais interessados na execução do objeto", já que não há muitos prestadores que possam executar o serviço de maneira satisfatória.
Até o momento, nenhum ministro seguiu este entendimento.
Leia o voto de Barroso.
Três processos
O tema da necessidade de licitação para contratação de serviços jurídicos é discutido no STF em três processos. Além dos dois REs que foram pautados em plenário virtual, aguarda julgamento a ADC 45.
A ação começou a ser julgada em plenário virtual, e chegou a ter maioria pelo provimento parcial ao pedido da OAB, pela validade da contratação de advogados sem licitação, desde que respeitados alguns critérios.
O relator, Barroso, e outros seis ministros, votaram neste sentido. Mas o caso foi levado ao plenário físico após pedido de destaque do ministro Gilmar Mendes, em 2020. Desde então, o tema aguardava julgamento e foi
- Processos: RE 656.558 e RE 610.523.