Nesta quinta-feira, 6, o STF decidiu que não julgará caso de mulher trans impedida de usar banheiro correspondente à sua identidade de gênero. Maioria dos ministros entendeu que o recurso não apresentava uma questão constitucional, portanto, que não cabia ao STF analisá-lo.
408802
Em 2015, o STF havia reconhecido o caso como de repercussão geral, no plenário virtual. Isso ocorre quando os ministros entendem que o recurso veicula uma questão relevante do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que vai além do interesse particular das partes do processo.
À época, dois ministros, Barroso e Fachin, já tinham votado a favor de permitir que pessoas trans usassem banheiros conforme sua identidade de gênero e, assim, fossem tratadas, socialmente, segundo o mesmo parâmetro.
No entanto, hipótese levantada pelo ministro Luiz Fux, na tarde desta quinta-feira, mudou a direção do julgamento. Seguiram Fux os ministros Cristiano Zanin, Flávio Dino, Nunes Marques, Alexandre de Moraes, Dias Toffoli e Gilmar Mendes.
Desafetação e incompetência
Ministro Luiz Fux, utilizando de disposição do regimento interno do STF (art. 323-B), que permite o cancelamento de repercussão geral, votou por não receber o recurso, alegando que, admiti-lo seria ultrapassar os limites de competência do STF.
Explicou que, embora reconheça a legitimidade das demandas de comunidades vulneráveis, a relevância social do tema não justifica desrespeitar os limites processuais do tribunal.
O ministro afirmou que o acórdão apenas mencionou a falta de provas de danos morais à mulher trans, sem levantar questão constitucional, de direito, que pudesse ser analisada pelo Supremo.
Inequivocamente constitucional
Ministro Luís Roberto Barroso discordou, afirmando que a questão de "saber se uma pessoa trans tem o direito de usar o banheiro público de acordo com sua identidade de gênero" é inequivocamente constitucional. S. Exa. destacou a importância de proteger grupos vulneráveis, como a comunidade trans, que enfrenta violência transfóbica.
O ministro também argumentou que o caso não envolvia discussão acerca de fatos, considerando incontroverso que a pessoa trans foi impedida de usar o banheiro feminino no shopping, o que foi confirmado por uma testemunha do próprio estabelecimento. Ressaltou que a questão central era o direito de usar o banheiro conforme a identidade de gênero.
Testemunhas
Barroso ressaltou que, ao ler o depoimento da testemunha do shopping, a ocorrência dos fatos ficou evidente. Por outro lado, Fux leu o depoimento da testemunha da mulher trans, que, por não estar presente no momento do incidente, não conseguiu confirmar o ocorrido.
Os ministros debateram a credibilidade dos depoimentos para fundamentar suas posições. Barroso destacou que a testemunha da mulher trans não estava presente no momento do fato e, portanto, seu depoimento foi considerado como "ouvir dizer", dando mais peso ao testemunho da vigilante, que confirmou os eventos.
Testemunho de ouvir dizer
Refere-se ao testemunho de segunda mão ou testemunho indireto. É quando uma testemunha relata informações que não presenciou diretamente, mas que ouviu de outra pessoa.
"A testemunha da ré, a vigilante, afirmou o seguinte: trabalhava como vigilante na época dos fatos e, após a autora entrar no banheiro feminino, a abordou e solicitou que utilizasse o banheiro masculino. Esse fato é incontroverso. [...] Portanto, estamos discutindo aqui o enquadramento jurídico de um fato", disse Barroso.
Juízo de valor
Ministro Edson Fachin concordou com Barroso, enfatizando que o Supremo pode fazer um juízo de valor acerca da conduta. Defendeu que a proteção da dignidade humana é um valor constitucional.
“Conduta reprovável não é um juízo de realidade, é um juízo de valor. E, portanto, quando sustentamos uma incidência de uma principiologia axiológica de âmbito constitucional, a tutelar a dignidade humana, nós estamos falando de valores insculpidos na Constituição.”
Coerência jurisprudencial
Por outro lado, ministro Flávio Dino apoiou Fux, destacando a necessidade de coerência na jurisprudência do Supremo e reconhecendo os limites dos poderes do tribunal. “O Supremo pode muito, mas não pode tudo, porque existem outros tribunais”, disse.
Afirmou que a sentença e o acórdão não tinham base constitucional, apenas fundamentos no CDC.
"Eu li a sentença, página por página. Ela aplica o art. 17, a inversão do ano da prova do CDC, o acordo da apelação também. A questão constitucional não foi ventilada, não houve prequestionamento”, concluiu.
Veja os debates: