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Obrigado a seguir o Supremo, STJ valida relatórios do Coaf sem autorização judicial

Reanálise de recurso pela 6ª turma se deu por ordem do ministro Cristiano Zanin, do STF.

7/5/2024

Após determinação do STF de rejulgamento de um processo, a 6ª turma do STJ negou provimento a um recurso em que se buscava a declaração de ilicitude de relatórios de inteligência financeiras que foram solicitados pela autoridade policial diretamente ao Coaf, sem autorização judicial.

O caso é de investigação de suposta prática de lavagem de dinheiro por parte de uma fabricante de bebidas sediada em Belém, no Pará. O recurso em HC havia sido julgado pela turma em 2023, quando o colegiado atendeu ao pedido e declarou ilícitos os relatórios juntados ao inquérito.

Mas, após o MPF recorrer ao STF, o ministro Cristiano Zanin cassou o acórdão da 6ª turma (Rcl 61.944) e determinou novo julgamento. Para Zanin, o Superior Tribunal não seguiu a decisão vinculante da Suprema Corte no Tema 990 de repercussão geral. Assim, determinou a realização de novo julgamento, de acordo com o precedente.

O caso voltou à pauta na Corte da Cidadania nesta terça-feira, 7.

Ao rejulgar caso de relatoria do ministro Saldanha Palheiro, STJ valida relatórios do Coaf sem autorização judicial.(Imagem: Gustavo Lima/STJ)

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No primeiro julgamento do caso, o ministro Saldanha Palheiro, relator, entendia haver uma distinção entre a situação analisada no RHC e o caso julgado no STF. Isto porque, em sua análise, o Extraordinário julgado no Supremo tratava da possibilidade de compartilhamento dos relatórios de inteligência do Coaf com os órgãos de persecução penal, se identificados indícios de ilegalidades; diversa era a situação do caso no STJ, no qual constatou-se que o órgão policial requisitou ao Coaf os relatórios sem autorização judicial.

No novo julgamento, seguindo a ordem de Zanin, o relator negou provimento ao recurso, no que foi acompanhado pelo colegiado. "Quando um tribunal Superior determina, a gente cumpre.”

Veja trecho da manifestação do ministro:  

Ministro Saldanha destacou que, ao julgar a matéria, estudou as mais de 570 páginas do processo do STF."Parece um livro do Dostoiévski, mas tivemos que ler."  Para ele, "o tema é ingrato", porque não detalha em que circunstâncias podem ser requeridos esses RIFs e que tipo de salvaguarda deve ser observada.

Ele explicou que a primeira decisão do STJ neste caso foi justamente para se evitar que ocorresse “fishing expedition”, e para que evitar que autoridades policiais pudessem se valer dessa autoridade para eventual perseguição de desafetos pessoais.

Mas, diante da ordem de Zanin, afirmou que o precedente deve ser aplicado. Saldanha lembrou que o STJ sempre se ressente quando as instâncias ordinárias não seguem os precedentes, o que prejudica todo o sistema. 

Julgamento anterior

No caso em julgamento, os relatórios produzidos pelo Coaf foram usados pela polícia para fundamentar pedido de autorização judicial para busca e apreensão contra a empresária.

O recurso julgado pela 6ª turma foi interposto contra decisão do TJ/PA que negou HC com o qual a defesa pretendia ver declaradas a ilicitude dos relatórios e a nulidade das provas obtidas na busca e apreensão. Para o Tribunal, a solicitação de compartilhamento de informações ao Coaf por parte da autoridade policial é constitucional se feita por comunicação formal.

Ao julgar o RHC pela primeira vez, em agosto do ano passado, a 6ª turma estabeleceu, por maioria de votos, que a autoridade policial não pode solicitar relatórios de inteligência financeira diretamente ao órgão sem autorização da Justiça.

O relator, ministro Saldanha Palheiro, entendia que o caso julgado não se confundia com a posição adotada pelo STF ao julgar o RE 1.055.941. Na ocasião, S. Exa. observou que o caso se assemelha ao que já decidido pela 3ª seção no RHC 83.233, em que o MP requisitou à Receita o envio de declaração de imposto de renda de determinadas pessoas, o que foi considerado ilícito. Assim, o ministro havia concluído pelo provimento do recurso, declarando a ilicitude dos relatórios solicitados diretamente pela autoridade policial ao Coaf.

Mas, após o julgamento de hoje, o desfecho foi oposto: o STJ negou o recurso, mantendo hígidos os relatórios, assim como decidiu o TJ.

Acompanha, mas reitera posição

Na sessão desta terça-feira, ministro Sebastião Reis Jr. acompanhou o relator, mas fez ressalvas pessoais. Ele reforçou que não entende como a decisão anterior da turma entrou em conflito com a decisão do STF.

“Naquela ocasião, se discutia o envio de informações da Receita aos órgãos de investigação. Não se tratava do inverso – a autoridade solicitar informações.”

O ministro pontuou que, nas poucas manifestações dos ministros da Suprema Corte que cuidavam da situação inversa, ao seu ver o Tribunal deixou claro que careceria de autorização judicial.

Ele citou trecho em que Toffoli manifestou-se no sentido de que o órgão não é obrigado a gerar ou disseminar relatórios por solicitação das autoridades investigativas competentes – MP ou autoridade policial. E mais: salientou que as autoridades investigativas não podem acessar diretamente a base de dados da UIF – Unidade de Inteligência Financeira brasileira.

Sebastião Reis também citou manifestação do ministro Barroso no sentido de que, se o MP quiser acesso direto a informações bancárias, precisa de autorização judicial.

Por fim, citou o ministro Gilmar, que, no julgamento do HC 201.965, teria destacado que não cabe ao Coaf obter e compartilhar extratos bancários ou realizar diligências perante instituições financeiras, sob pena de ilegalidade das informações produzidas em virtude da quebra disfarçada de sigilo bancário e fiscal dos investigados, que é submetida a reserva de jurisdição.

Sebastião Reis anotou, portanto, demonstrações, no STF, de preocupações com eventuais abusos persecutórios que decorrem da ausência de formalização de atos investigativos e da produção de relatórios de informação, tendo em vista a impossibilidade de se exercer a ampla defesa ou de se possibilitar o controle judicial em sua plenitude contra tais atos secretos, ainda que a posteriori.

Ressaltando que não viu confronto entre as decisões, seguiu o relator, afirmando que cabe ao Tribunal respeitar os precedentes fixados pela Suprema Corte.

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