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"Cidade Limpa" - Íntegra da decisão judicial do caso Publitas

15/6/2007


"Cidade Limpa"

Íntegra da decisão judicial do caso Publitas

Em decisão pioneira, o Juiz da 2º Vara da Fazenda Pública da Justiça de SP, Marcelo Sergio, julgou procedente no dia 19/3 a ação da empresa Publitas Mídia Exterior. A decisão garantiu à empresa o direito de dar continuidade às suas atividades e obrigou a Prefeitura a reinstalar todos os anúncios da Publitas que foram retirados. O advogado José Roberto Opice Blum (Opice Blum Advogados Associados) foi o responsável pela ação. 

Veja abaixo a decisão na íntegra.

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2ª Vara da Fazenda Pública

PROCESSO Nº 1681/06 – 583.53.2006.136160-1

Vistos.

Publitas Mídia Exterior Ltda., qualificada na inicial, ingressou com ação declaratória contra a Municipalidade de São Paulo, com o objetivo de impedir a retirada de seus anúncios publicitários, garantindo a continuidade de sua atividade, tachando de inconstitucional a Lei nº 14.223, de 26 de setembro de 2006. Disse, em resumo, que é empresa regularmente constituída e tem por atividade a veiculação de publicidade por meio de anúncios na paisagem urbana, entretanto, a referida lei municipal estaria vedando a continuidade da atividade.

Argumentou que a lei municipal estaria a conflitar com o disposto no art. 5º, inc. XIII (livre atividade econômica), art. 170, art. 22, inc. XXIX (competência legislativa privativa da União), da Constituição, como também com princípios da Livre Concorrência, da Propriedade, do Direito Adquirido e do Ato Jurídico Perfeito.

Pediu, assim, a tutela liminar para impedir a retirada dos anúncios publicitários, e, ao final, a procedência da pretensão para reconhecer o abuso de poder da Administração e a inconstitucionalidade do comando legal, possibilitando a continuidade de suas atividades. Subsidiariamente, caso reconhecida a constitucionalidade da legislação municipal, postulou fosse a Ré condenada a indenizar a Autora pelos prejuízos sofridos com a cessação da atividade econômica e dano emergente, conforme apuração em sede de liquidação. Deferida a tutela, nos termos da decisão de fls. 503/504, a Municipalidade de São Paulo interpôs agravo de instrumento, ao qual foi dado provimento pelo Eg. Tribunal de Justiça de São Paulo, revogando a decisão.

A Municipalidade de São Paulo, em contestação, sustentou a regularidade da atividade da Administração e a constitucionalidade da legislação municipal. Basicamente, discorre a defesa sobre a competência legislativa municipal para tratar da paisagem urbana, sobre a possibilidade de continuidade da atividade de publicidade por outros meios, sobre a possibilidade de restrições ao direito de propriedade, sobre a natureza precária das autorizações até então concedidas e sobre a proporcionalidade e razoabilidade da lei impugnada.

Houve réplica.

É o relatório.

Decido.

1. A considerar que a preliminar trazida pela Ré imbrica-se com o mérito, resta questão exclusivamente de direito que comporta julgamento antecipado, nos termos do artigo 330, I, do Código de Processo Civil, dispensando a abertura de oportunidade para réplica (art. 301, do Código de Processo Civil).

2. A Constituição da República, no que tange ao controle jurisdicional da constitucionalidade das leis, adota o critério do controle difuso — por via de exceção — e o controle concentrado — por via de ação direta. No primeiro, é o interessado quem deve argüir a inconstitucionalidade da lei que lhe atinge concretamente e qualquer juiz pode conhecer a matéria, em qualquer via processual. Já no controle concentrado, a Constituição da República determina que somente alguns órgãos jurisdicionais podem conhecer a matéria, tais sejam os Tribunais de Justiça, em alguns casos, e, em última instância, o Supremo Tribunal Federal, desde que provocados por alguém especificamente legitimado (art. 103 da Constituição da República).

No presente caso, não estamos diante de pretensão que ataca lei em tese — que seria tema a ser apreciado pela via de ação direita, pelo controle concentrado — mas sim de pretensão que visa à proteção, para uma parte específica, de direito que concretamente teria sido afetado pela nova lei.

Sobre o tema, já se decidiu:

COMPETÊNCIA - Declaração de inconstitucionalidade de lei municipal - Juízo de Primeiro Grau competente para julgamento - Método difuso de controle da constitucionalidade - Atração da competência pela forma incidental - Sistema concentrado - Preliminar rejeitada - Recurso não provido.

Nenhum poder é ilimitado e o da Municipalidade não poderia fugir a essa regra, pelo que submetem-se as leis locais ao controle da constitucionalidade, pelo método difuso que permite exame do vício, incidenter tantum, em todos os níveis, como requisito de solução da lide e pelo sistema concentrado, executado por um único órgão. (Apelação Cível n°. 228.133-1 - Taquarituba - 3ª Câmara Civil - Relator: Ênio Zuliani - 27.06.95 - vu).

Controle de constitucionalidade.

Temos o controle direto mediante ação de inconstitucionalidade intentada perante o Colendo Supremo Tribunal Federal, e o controle incidental (sistema difuso), cabendo a qualquer órgão do Poder Judiciário exercê-lo. Pode, pois, o Juízo do primeiro grau declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público, ao conhecer incidente e prejudicialmente a questão. (TRF da 1a. R., 3a. T., AC n°. 90.01.12415, rel. Juiz Tourinho Neto, j. 27.8.90, vu, DJU de 17.9.90, p. 21196).

2. O controle da constitucionalidade das normas, adotado pelo constituinte de 1988, foi o difuso, quando em análise de lesão concreta de direito. Logo, não se pode negar a qualquer um dos membros do Judiciário, seja qual for a instância, a competência para analisar, incidenter tantum, a constitucionalidade das normas. (TRF da 5a. R., 2a. T., AMS n°. 96.05.55655, rel. Juiz Petrúcio Ferreira, j. 5.11.96, vu, DJU de 20.12.96, p. 99100).

Ou seja, então, a pretensão não visa obstaculizar a atividade fiscalizatória da Administração, mas sim verificar a pertinência constitucional da lei que dá suporte à referida fiscalização.

3. No mérito, a procedência se impõe.

3.1. Para Hely Lopes Meirelles, o objeto do poder de polícia administrativa é todo bem, direito ou atividade individual que possa afetar a coletividade ou pôr em risco a segurança nacional, exigindo, por isso mesmo, regulamentação, controle e contenção pelo Poder Público. Com esse propósito, a Administração pode condicionar o exercício de direitos individuais, pode delimitar a execução de atividades, como pode condicionar o uso de bens que afetem a coletividade em geral, ou contrariem a ordem jurídica estabelecida ... Desde que a conduta do indivíduo ou da empresa tenha repercussões prejudiciais à comunidade ou ao Estado, sujeita-se ao poder de polícia preventivo ou repressivo, pois ... ninguém adquire direito contra o interesse público. A finalidade do poder de polícia ... é a proteção do interesse público no seu sentido mais amplo (Direito Administrativo Brasileiro, 17a ed., Malheiros, p. 117/118).

Destaquei. Ou seja, embora legítima a Atividade de Polícia da Administração, a lei municipal ora questionada, e que dá suporte a essa atividade, extrapola para a inconstitucionalidade.

3.2. Uns dos meios de exercício do Poder de Polícia é a concessão de alvará para determinadas atividades. Hely dizia que o alvará é o instrumento da licença ou da autorização para a prática de ato, realização de atividade ou exercício de direito dependente de policiamento administrativo. O alvará expressa o consentimento formal da Administração à pretensão do administrado, requerida <_st13a_personname productid="em termos. O" w:st="on">em termos. O alvará pode ser definitivo ou precário:... será precário e discricionário quando a Administração o concede a seu juízo ou por liberalidade, desde que não haja impedimento legal para sua expedição, como é o alvará para instalar uma banca de jornais numa praça pública, ou para um baile aberto ao público... o alvará precário expressa uma autorização. Ambos são meios de atuação do poder de polícia, mas com efeitos fundamentalmente diversos, porque o alvará pode ser negado ou revogado, sumariamente a qualquer tempo, sem indenização alguma...” (Direito Municipal Brasileiro, 6º ed., pp. 346/347.1.993, Ed. Malheiros).

Destaquei. Conduto, os alvarás concedidos com base na Lei Municipal nº 13.525/03 não eram títulos precários, não eram meras autorizações. Eram, na verdade, licenças, porque, preenchidos os requisitos legais lá previstos, a Administração era obrigada a aceitar a atividade. Como se sabe, o ato pelo qual a Administração faculta ao administrado o exercício de uma atividade chama-se licença.

No dizer de Celso Antônio Bandeira de Mello, licença é o ato vinculado, unilateral, pelo qual a Administração faculta a alguém o exercício de uma atividade, uma vez demonstrado pelo interessado o preenchimento dos requisitos legais exigidos. (...) Uma vez cumpridas as exigências legais, a Administração não pode negá-la. Daí seu caráter vinculado, distinguindo-se, assim, da autorização (“Curso de Direito Administrativo”, 8a ed., Malheiros, pp. 256/257). Destaque do autor.

Sendo, então, a licença, ato administrativo vinculado, somente quando do não-cumprimento das exigências legais é que poderia a Administração deixar de concedê-la. Caso não concedida a licença, até mesmo o Poder Judiciário poderia, por óbvio, determinar a sua expedição. A natureza de ato vinculado, portanto, de licença, está evidente na Lei Municipal nº 13.525/03, em razão de ausência de previsão de possibilidade de indeferimento do pedido por mera discricionariedade da Administração, diante da obrigação de renovação automática em caso de manutenção da situação fática e pela inexistência de previsão de extinção por ato discricionário da Administração.

Destaco da lei de 2003: Art. 35 - A utilização da paisagem visando à veiculação de anúncios publicitários por pessoa física ou jurídica, pública ou privada e o imóvel, público ou privado ou bem público no qual tenham instalado, os meios e instrumentos utilizados para a sua veiculação e os usos e finalidades visadas, dependem de prévia autorização onerosa de uso da paisagem concedida pelo Poder Público.

Art. 61 - A renovação da licença do anúncio será feita mediante simples declaração do interessado de que não houve alteração nas características constantes da autorização original e apresentação dos termos de responsabilidade na forma constante dos artigos 51 e 52, e do contrato de manutenção e apólice de seguro devidamente atualizados, quando for o caso.

Art. 63 - A licença do anúncio será automaticamente extinta nos seguintes casos: I - por solicitação do interessado, mediante requerimento padronizado; II - na data de vencimento do prazo de sua validade, caso não haja pedido de renovação; III - quando ocorrer alteração nas características do anúncio; IV - quando ocorrer mudança de local de instalação de anúncio; V - quando ocorrer alteração nas características do imóvel; VI - quando ocorrer alteração no número do contribuinte do Imposto Predial e Territorial Urbano - IPTU, desde que por solicitação do contribuinte; VII - quando ocorrer alteração no Cadastro de Contribuintes Mobiliários - CCM; VIII - quando ocorrer o cancelamento da inscrição da empresa de manutenção no Cadastro de Empresas de Publicidade Exterior - CADEPEX, no caso de anúncio complexo ou de anúncio especial; IX - quando o proprietário não apresentar contrato com nova empresa de manutenção, quando for solicitado; X - por infringência a qualquer disposição desta lei ou de seu decreto regulamentar, caso não sejam sanadas as irregularidades dentro dos prazos previstos; XI - pelo não-atendimento a eventuais exigências dos órgãos competentes; XII - pela ocorrência do disposto nos incisos IX e X do artigo 10.

Ou seja, concedida regularmente a licença nos termos da legislação anterior, e não ocorrendo fato superveniente, lei posterior não pode aniquilar a situação jurídica constituída, sob pena de grave ofensa ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito.

Trata-se de verdadeiro ato expropriatório, que impõe prévia e justa indenização (art. 5º, inc. XXIV, da Constituição). Flagrante, portanto, a inconstitucionalidade do termo “privados” mencionado nos arts. 17 e 18 e da referência “com... (licença) expedida a qualquer tempo” do art. 44, todos da Lei Municipal nº 14.233/2006. 3.3.

Há, ainda, ofensa aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Sobre o tema, ensina Celso Antonio: o fato de a lei conferir ao administrador certa liberdade (margem de discrição) significa que lhe deferiu o encargo de adotar, ante a diversidade de situações a serem enfrentadas, a providência mais adequada a cada qual delas. Não significa, como é evidente, que lhe haja outorgado o poder de agir ao sabor exclusivo de seu líbito, de seus humores, paixões pessoais, excentricidades ou critérios personalíssimos e muito menos significa que liberou a Administração para manipular a regra de direito de maneira a sacar dela efeitos não pretendidos nem assumidos pela lei aplicanda.... o excesso acaso existente, não milita em benefício de ninguém. Representa, portanto, apenas um agravo inútil aos direitos de cada qual.

Percebe-se, então, que as medidas desproporcionais ao resultado legitimamente alvejável são, desde logo, condutas ilógicas, incongruentes. Ressentindo-se desde defeito, além de demonstrarem menoscabo pela situação jurídica do administrado, traindo a persistência da velha concepção de uma relação soberano-súdito (ao invés de Estado-cidadão), exibem, ao mesmo tempo, sua inadequação ao escopo legal. Ora, já se viu que inadequação à finalidade da lei é inadequação à própria lei. Donde, atos desproporcionais são ilegais e por isso fulmináveis pelo Poder Judiciário, que, em sendo provocado, deverá invalidá-los quando impossível anular unicamente a demasia, o excesso detectado (Curso de Direito Administrativo, Malheiros, 8ª ed., pp. 63/66).

O Princípio da Proporcionalidade deve ser respeitado até mesmo quando do exercício do Poder de Polícia, conforme oriente Hely Lopes: As condições de validade do ato de polícia são as mesmas do ato administrativo comum, ou seja, a competência, a finalidade e a forma, acrescidas da proporcionalidade da sanção e da legalidade dos meios empregados pela Administração... A proporcionalidade entre a restrição imposta pela Administração e o benefício social que se tem em vista, sim, constitui requisito específico para a validade de ato de polícia, como também a correspondência entre a infração cometida e a sanção aplicada, quando se tratar de medida punitiva. Sacrificar um direito ou uma liberdade do indivíduo sem vantagem para a coletividade invalida o fundamento social do ato de polícia, pela desproporcionalidade da medida.

Desproporcionado é também o ato de polícia que aniquila a propriedade ou a atividade, a pretexto de condicionar o uso de bem ou regular a profissão... A desproporcionalidade de um ato de polícia ou o seu excesso, equivale a abuso de poder, e, como tal, tipifica ilegalidade nulificadora da ordem ou da sanção.” (op. cit., pp. 348/349).

Evidente que a lei tem em mira finalidade social relevante, pertinente à poluição visual. Contudo, a desproporcionalidade é gritante, em razão de a lei anterior, de 2003, já ser suficiente para o cumprimento desse desiderato, não sendo necessária aniquilar o livre exercício da atividade comercial. Ora, a Lei nº 13.525, do ano de 2003, já estabelecia parâmetros que tinham por objetivo a restrição à poluição visual, de modo que transparece duvidoso, que, em apenas três anos, referida lei fosse absolutamente inoperante quanto ao seu desiderato.

Estabelecia a lei de 2003:

Art. 3° - Sem prejuízo das demais normas relativas ao uso da paisagem, a ordenação de anúncios far-se-á nos termos desta lei e compreenderá a fixação de diretrizes para a veiculação, preservando concomitantemente a paisagem e, quanto à sua gestão, estabelecerá um padrão de visibilidade que garanta a segurança dos pedestres e de veículos e também a preservação dos padrões estéticos, paisagísticos, culturais, históricos e geográficos da cidade.

Art. 4° - Todos têm direito à boa qualidade estética e referencial da paisagem municipal, sendo dever do Poder Público Municipal e da coletividade protegê-la e promovê-la para as atuais e futuras gerações. Parágrafo único - A paisagem municipal constitui direito difuso de todos.

Art. 5° - Considera-se paisagem, para fins de aplicação desta lei, o espaço aéreo e a superfície externa de qualquer elemento natural ou construído, tais como água, fauna, flora, construções, edifícios, anteparos, superfícies aparentes de equipamentos de infra-estrutura, de segurança e de veículos automotores, anúncios de qualquer natureza, os elementos de sinalização urbana, equipamentos de informação e comodidade pública, logradouros públicos, visíveis por qualquer observador situado em áreas de uso comum do povo.

Art. 6° - Constituem objetivos da ordenação da paisagem do Município de São Paulo a realização do interesse público em compatibilidade com os direitos fundamentais da pessoa humana e as necessidades de conforto ambiental, com melhoria da qualidade de vida urbana, e assegurando, dentre outros, os seguintes: I - o bem-estar estético, cultural e ambiental da população; II - a segurança das edificações e da população; III - a valorização do ambiente natural e construído; IV - a segurança, a fluidez e o conforto nos deslocamentos de veículos e pedestres; V - a percepção e a compreensão dos elementos referenciais da paisagem; VI - a preservação da memória cultural; VII - a preservação e visualização das características peculiares dos logradouros e das fachadas; VIII - a preservação e a visualização dos elementos naturais tomados em seu conjunto e em suas peculiaridades ambientais nativas; IX - fácil acesso e utilização das funções e serviços de interesse coletivo nas vias e logradouros; X - fácil e rápido acesso aos serviços de emergência, tais como, bombeiros, ambulâncias e polícia; XI - o equilíbrio de interesses dos diversos agentes atuantes na cidade para a promoção da melhoria da paisagem do Município.

Art. 7° - Constituem diretrizes a serem observadas na colocação de anúncios na paisagem municipal: I - livre acesso de pessoas e bens à infra-estrutura urbana; II - priorização da sinalização de interesse público com vistas a não confundir motoristas na condução de veículos e garantir a livre e segura locomoção de pedestres; III - combate à poluição visual bem como à degradação ambiental; IV - proteção, preservação e recuperação do patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico, de consagração popular, bem como do meio-ambiente natural ou construído da cidade; V - compatibilização entre as modalidades de anúncios com os locais onde possam ser veiculados, nos termos desta lei; VI - agilidade nos procedimentos de autorização da veiculação de anúncios, bem como de fiscalização e de licenciamento, observados os princípios da prevalência do interesse público, imparcialidade, legalidade, publicidade e moralidade; VII - responsabilização solidária do proprietário do anúncio, do proprietário do imóvel ou seu possuidor e do anunciante, pelas infrações e ações lesivas que praticarem; VIII - implantação de sistema de fiscalização efetiva, ágil, moderna, planejada e permanente; IX - proposição pelo Executivo da criação do Fundo de Recuperação e Manutenção da Paisagem Urbana. Vale lembrar que o Secretário das Subprefeituras de São Paulo, em entrevista concedida ao jornal Diário de São Paulo, afirmou que 70% dos outdoors da Capital seriam irregulares.

A nova legislação, então, acabou por impor pena capital apenas aos anúncios regulares, porque os que estão na irregularidade permanecerão irregulares, diante dessa legislação ou da de 2003. Puniram-se os empresários e funcionários que agiram na legalidade, acreditando que suas licenças seriam respeitadas pelo Poder Público.

Lucia Figueiredo, em parecer concedido ao Sindicato das Empresas de Publicidade Exterior do Estado de São Paulo – SEPEX – reconheceu que é claro que o interesse público, não como palavra oca utilizada, porém dentro de seu exato sentido, o interesse primário da coletividade enquanto tal pode e deve ser atendido. Mas, não à custa de apenas alguns que, legalmente, têm sua situação estabelecida.

O princípio da igualdade postula tratamento igualitário entre os iguais. Assim, os que obedeceram a Lei vigente (refere-se à lei de 2003) têm de receber tratamento diferenciado daqueles que poluem visualmente a cidade, sem o menor respeito à legislação existente.

Na verdade, então, o que ocorreu foi que a Administração, ao invés de aprimorar suas equipes de fiscalização, procurou a solução fácil – e desproporcional – de proibir tudo, confessando sua absoluta inoperância quanto à possibilidade de proceder à adequada, efetiva e desinteressada fiscalização da mídia externa, preferindo simplesmente coibir toda atividade lícita até então autorizada pela própria Municipalidade.

Embora a Municipalidade alegue que fiscalização há, não é o que se percebe no dia-a-dia e também não é o que afirmou a Administração até a vigência da nova lei (quando se chegou a afirmar que, dos cerca de vinte mil anúncios, haveria quase quinze mil irregulares – cf. Folha de São Paulo de 26.9.2006), valendo lembrar que o ilustre Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Desembargador Celso Limongi, ao acolher o pedido de suspensão das liminares deferidas em primeiro grau, consignou como razão de decidir: a repetição de decisões neste sentido... representa perigo de lesão à ordem e à economia públicas, pela impossibilidade material de fiscalização da publicidade externa, resultante do exercício do poder de polícia, agravada pela divergência de decisões conflitantes Processo nº 145.132-0).

Sobre a questão da proporcionalidade da lei impugnada, Lucia Figueiredo, no parecer referido, asseverou: somente se sacrificam interesses individuais em função de interesses coletivos, de interesses primários, na medida da estrita necessidade, não se desbordando do que seja realmente indispensável para a implementação da necessidade pública... Portanto, há de se questionar, e fortemente, a razoabilidade da mudança pretendida que, a pretexto de tornar São Paulo metrópole de Primeiro Mundo e de a arrecadação ser maior (interesse secundário), irá sacrificar toda uma atividade com supressão de 15.000 empregos... a impossibilidade de fiscalização para quem tem o dever de fiscalizar, não serve de sustentáculo a um projeto de lei que, praticamente, elimina atividade lícita. Não é motivação adequada... é por veio da motivação que será possível verificar a razoabilidade, a congruência lógica entre ato emanado e seu motivo (pressuposto de fato), a boa-fé do legislador e da Administração.

Destaques do original.

3.4. Considerando que as licenças concedidas pela Administração, com base na legislação de 2003, acarretaram situação jurídica consolidada, a pretensão da nova lei de aniquilar o direito da Autora provoca ofensa à segurança jurídica. J.J. Gomes Canotilho averba: os princípios da proteção da confiança e da segurança jurídica podem formular-se assim: o cidadão deve poder confiar em que aos actos ou as decisões públicas incidentes sobre os seus direitos, posições jurídicas e relações, praticados ou tomadas de acordo com as normas jurídicas vigentes, se ligam os efeitos jurídicos duradouros, previstos ou calculados com base nessas mesmas normas. Estes princípios apontam basicamente para : (1) a proibição de leis retroactivas; (2) a inalterabilidade do caso julgado; (3) a tendencial irrevogabilidade de actos administrativos constitutivos de direitos... Em termos gerais: padecem de inconstitucionalidade as leis que declarem retroactivamente certos comportamentos como ilícitos e lhes associem resultados e efeitos negativos. Uma lei fiscal retroactiva não é, em princípio, inconstitucional, mas pode sê-lo quando viola arbitrária e excessivamente a protecção da confiança ínsita no Estado de direito. (Direito Constitucional, Almedina, 1993, pp. 373 e 375).

Destaquei. José Afonso da Silva também afirma que a lei nova não se aplica a situação subjetiva constituída sob o império da lei anterior (Comentário Contextual à Constituição, 2ª ed., Malheiros, p. 134).

3.5. Ao analisar a questão, não pode o julgador amesquinhar os princípios consagrados na Constituição Federal, permitindo que, para determinado fim, não importem os meios. Do contrário, inúmeras outras inconstitucionalidades poderiam ser praticadas, sempre sobre a capa de defesa da sociedade, como ocorria nos idos tempos da inquisição e das ditaduras autoritárias. E nada mais é condenável que o afrouxamento do ordenamento constitucional vigente, porquanto se hoje se admite, a pretexto de preservação de interesses maiores, o sacrifício dos direitos privados consolidados, logo chegará o tempo em que, pelos mesmos ou outros motivos, sempre invocados como superiores, também se justificará o atentado às garantias constitucionais, abrindo-se a porta para a passagem de inúmeras ilegalidades.

Neste passo, interessa a opinião do jurista Marco Aurélio Greco exarada na Consulta feita pela Federação Brasileira de Bancos, que instrui o processo nº 1167/06 – 583.53.2006.124939-4: o exame da constitucionalidade da lei deve passar não apenas pelo crivo da discriminação constitucional de competências (que, basicamente, define sujeitos e matérias), mas também pelo crivo do devido processo legal material. Ou seja, ainda que uma lei seja editada pela entidade competente sobre matéria que lhe foi atribuída, o perfil e o modo pelo qual a matéria for disciplinada não podem agredir a razoabilidade e a proporcionalidade. Se o fizer, haverá violação ao inciso LIV do artigo 5º e, portanto, hipótese de inconstitucionalidade.... a composição do binômio meios/fins deve se dar com atendimento aos parâmetros da razoabilidade e da proporcionalidade, que atuam como instrumentos de ajustamento e coerência da norma editada... A competência para legislar sobre determinada matéria não autoriza buscar quaisquer finalidades com seu exercício.

A este propósito desenvolveu-se toda a teoria do desvio de finalidade e do abuso de poder, com o que se estruturam critérios para impedir as normas arbitrárias. Do mesmo modo, uma competência que qualifica os fins não autoriza regular qualquer meio, posto que nem todos os meios compatíveis com o fim podem ser admissíveis pelo ordenamento jurídico positivo (por exemplo, a vedação à utilização de meios ilícitos). Em suma, os fins não justificam quaisquer meios e os meios não servem para atingir quaisquer fins...

3.6. Fosse pouco, as restrições impostas a partir da vigência da Lei Municipal nº 14.223, de 26 de setembro de 2006, estabelecem verdadeiro monopólio de mídia externa em benefício exclusivo da Municipalidade, impedido a lícita atividade econômica desenvolvida pela Impetrante, em contrariedade ao disposto no art. 170, inc. IV e parágrafo único, da Constituição Federal.

A Municipalidade, embora tenha competência constitucional para legislar sobre a proteção ao meio ambiente (e não sobre propaganda comercial), deve fazê-lo para o fim de disciplinar a fiscalização, para estabelecer os procedimentos para obtenção de licenciamento e para impor sanção aos infratores. Não pode, entretanto, promover verdadeira intervenção da atividade econômica, sob pena de grave ofensa ao disposto nos arts. 173 e 174, da Constituição. Lucia Figueiredo, ainda no parecer referido, explica: A intervenção estatal... pode se dar pela normatização (artigo 174 do texto constitucional como citado), fiscalização (mesmo artigo), pelo incentivo e planejamento (cogente para o setor público e indicativo para o setor privado). Em princípio, o Estado, afora a fiscalização da atividade econômica, tal seja, seu licenciamento e fiscalização posterior, não deve interferir. Apenas deve fazê-lo nos termos do artigo 173 da Constituição, ou seja, para proteção de relevante interesse coletivo ou se necessária a intervenção em face da salvaguarda de interesses nacionais. Portanto ao Estado, em regra, não é dada a atividade econômica e sua intromissão, quando devida, deverá ser a menor possível para salvaguardar a iniciativa privada. Assim, como os serviços públicos, em tese, estão afetos ao Estado, cabe à iniciativa privada a atividade econômica.

3.7. Todos nós sabemos, sobretudo em época de torrenciais chuvas, que as embalagens plásticas (PET) causam grande poluição nos rios que cortam o Município. Poderia, então, com vistas à proteção do meio ambiente e precaução contra enchentes, proibir, no território municipal, a fabricação dessas embalagens? Ou seja, no exercício de sua competência, deve a Municipalidade zelar para que a mídia externa não venha a causar prejuízo ao meio ambiente, e não, por incapacidade fiscalizatória, coibir a atividade econômica. Sobre o tema, a Ministra Ellen Gracie, quando do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.396-9, pertinente à proibição do amianto no Estado do Mato Grosso do Sul, reconheceu que a legislação proibitiva ultrapassaria à competência concorrente do Estado para legislar sobre a proteção ao meio ambiente. Destaco: É que ao determinar a proibição de fabricação, ingresso, comercialização e estocagem de amianto ou de produtos à base de amianto, destinados à construção civil, o Estado do Mato Grosso do Sul excedeu a margem de competência concorrente que lhe é assegurada para legislar sobre produção e consumo (art. 24, V); proteção do meio ambiente e controle da poluição (art. 24, VI); e proteção e defesa da saúde (art. 24, XII).

3.8. Não verifico, entretanto, inconstitucionalidade de a Municipalidade restringir a publicidade em imóveis de sua propriedade (art. 18), na medida em que apenas está a extravasar os direitos inerentes da propriedade (usar e dispor, nos termos da lei). Também não é inconstitucional a previsão de possibilitar a veiculação de anúncios publicitários no mobiliário urbano apenas por meio de procedimento licitatório (art. 21), até porque a própria Constituição estabelece que as concessões para uso de espaço público deve ser precedida de licitação (art. 37, inc. XXI). A inconstitucionalidade encontra-se apenas na impossibilidade de continuidade de atividade comercial lícita quanto aos imóveis privados, de modo que fica excluído o termo “privados” dos artigos 17 e 18, e a referência “com... (licença ) expedida a qualquer tempo” do art. 44, passando a redação dos artigos ficar assim: Art. 17. Não será permitido qualquer tipo de anúncio em imóveis não-edificados, de propriedade pública, ressalvado o disposto no parágrafo único deste artigo. Art. 18. Fica proibida, no âmbito do Município de São Paulo, a colocação de anúncio publicitário nos imóveis públicos, edificados ou não. Art. 44. Todos os anúncios publicitários, inclusive suas estruturas de sustentação, instalados, sem licença, dentro dos lotes urbanos de propriedade pública ou privada, deverão ser retirados pelos seus responsáveis até 31 de dezembro de 2006. Com esses fundamentos, julgo procedente a pretensão, reconhecendo, incidente tantum, a inconstitucionalidade do termo “privados” mencionado nos arts. 17 e 18 e da referência “com... (licença ) expedida a qualquer tempo” do art. 44, todos da Lei Municipal nº 14.233/2006, permitindo, nestes termos, a continuidade da atividade da Autora, impondo à Ré a obrigação de reinstalar os anúncios regulares da Autora retirados entre a data do ajuizamento da ação e o trânsito em julgado desta sentença. Prejudicado o pedido subsidiário de indenização. Condeno, então, a Ré ao pagamento das despesas e da verba honorária que fixo em 10% sobre o valor atualizado da causa. Sentença sujeita ao reexame necessário.

Publique-se.

Registre-se.

Intimem-se.

São Paulo, 19 de março de 2007.

Marcelo Sergio Juiz de Direito.

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