Migalhas Quentes

Veja como a colonização portuguesa influenciou o Direito brasileiro

Após 524 anos, reflexos da chegada lusitana ao Brasil podem ser sentidos no Direito nacional.

22/4/2024

Em 22 de abril de 1500, o desembarque dos portugueses transformou profundamente a terra Pindorama, rebatizada como Brasil, em aspectos tão extensos quanto a área territorial do Novo Mundo.

Desde a colonização, Portugal importou seus costumes, crenças e modelos organizacionais, políticos e jurídicos para a nova terra. Passados 524 anos, ainda é possível notar resquícios das influências portuguesas na produção jurídica e estruturação do Judiciário brasileiro.

Há 524 anos os portugueses desembarcavam no Brasil, produzindo mudanças de diversas ordens, entre as quais, as jurídicas.(Imagem: Arte Migalhas)

Modelo jurídico

Os lusitanos desenvolveram seu sistema jurídico nos moldes romano-germânicos (civil law), um sistema de leis codificadas que contrasta com o common law, presente em países como Reino Unido e Estados Unidos. 

Segundo Renato Afonso Gonçalves, presidente da Casa de Portugal, o Direito português teve um impacto significativo no Brasil colonial, influenciando o Direito Civil, Penal, Administrativo e Processual.

Muitas das primeiras leis brasileiras foram adaptadas ou copiadas das legislações portuguesas. Um exemplo é as Ordenações Filipinas, um abrangente código do século XVI que predominou no Brasil até ser gradativamente substituído por legislações nacionais, como o Código Criminal de 1830, o Código de Processo Penal de 1832, o Código Comercial de 1850 e o Código Civil de 1916.

No Direito Civil, as normas a respeito da propriedade e de direitos reais, como usufruto, servidão e hipoteca, além de regulamentações de família e sucessões, obrigações e contratos, personalidade jurídica, posse, usucapião e responsabilidade civil refletem a herança portuguesa.

No âmbito penal, o Brasil manteve raízes lusitanas em conceitos como culpabilidade e legalidade, embora desde o Código Penal de 1890 tenha começado a integrar influências de outras legislações, como as italianas e alemãs.

Além disso, o Direito Administrativo brasileiro preservou, inicialmente, a centralização de poder típica da monarquia portuguesa. A gestão de terras, a regulamentação comercial, a organização de câmaras municipais e a implementação de princípios administrativos também são legados da influência lusitana.

Organização do Judiciário

As instituições judiciárias do Brasil são fortemente baseadas no modelo português. Isso inclui a estrutura dos tribunais e a organização das carreiras jurídicas de juízes e promotores.

Durante o período colonial, o Brasil adotou uma estrutura judicial hierárquica similar à de Portugal, com tribunais de 1ª e 2ª instâncias estabelecidos pela Coroa portuguesa, como os "Juízes de Fora" e as "Relações" nas capitais de províncias. Esses tribunais, seguindo o modelo português, garantiam a aplicação das leis da metrópole.

Um exemplo significativo da influência portuguesa foi a criação do Tribunal da Relação do Rio de Janeiro em 1751, o segundo tribunal de apelação no Brasil, que tinha funções similares aos tribunais de relação em Portugal.

A nomeação de desembargadores e ouvidores seguia o padrão português, ocupados por magistrados vindos de Portugal ou colonos formados em Direito em universidades portuguesas, exercendo funções judiciais e administrativas.

As Ordenações Filipinas também estabeleceram normas para a organização dos tribunais e procedimentos judiciais, influenciando a condução dos processos e o comportamento dos magistrados no Brasil.

Universidades

A formação dos juristas no Brasil também foi moldada por modelos e práticas educacionais portuguesas. As primeiras faculdades de Direito nacionais, como a de Olinda e a de São Paulo (1827), foram fundadas seguindo o modelo das universidades portuguesas.

Renato Afonso Gonçalves afirma que até a criação das universidades de Direito brasileiras, os juristas se formavam em Coimbra. Por isso, a formação dos operadores de Direito teve uma base sólida nos princípios jurídicos portugueses.

O currículo das universidades incluia disciplinas comuns no ensino jurídico português, como Direito Civil, Direito Canônico, Direito Público e Direito Natural. A metodologia era pautada na memorização de leis e na interpretação de textos clássicos.

Ruptura?

Segundo o presidente da Casa de Portugal, a independência do Brasil, em 1822, marcou a ruptura entre os sistemas português e brasileiro. A partir de então, o Brasil passou a desenvolver suas leis e instituições jurídicas, e gradativamente foi se distanciando da influência direta do Direito luso.

Entretanto, mesmo com o desenvolvimento de uma cultura jurídica à parte, o Brasil nunca se deslindou, por completo, das influências portuguesas.

Após a Revolução dos Cravos em 1974 e a nova Constituição Portuguesa de 1976, que consolidou direitos fundamentais e princípios democráticos, o Brasil, ainda em ditadura militar, se inspirou nesses eventos para fortalecer seus próprios movimentos de redemocratização, culminando na Constituição de 1988.

"A Constituição Brasileira de 1988, promulgada após o fim da Ditadura Militar, refletiu os anseios por um país mais democrático e inclusivo. Inspirada pela Constituição Portuguesa de 1976 e por outras referências democráticas", afirmou Renato.

Diferenças a longo prazo

Apesar das origens comuns em civil law, os sistemas judiciais de Portugal e Brasil distanciaram-se em alguns aspectos. Segundo Renato, Portugal mantém um modelo judicial mais centralizado, enquanto o Brasil adotou uma estrutura mais descentralizada e segmentada.

Ambos os países começaram a incorporar elementos da common law, valorizando mais a jurisprudência, embora o ativismo judicial seja mais moderado em Portugal do que no Brasil. "Essas diferenças estruturais evidenciam as particularidades históricas, culturais e políticas de cada país", ressaltou.

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