A 3ª seção do STJ definiu que a fuga em via pública ao avistar a polícia configura motivo idôneo para autorizar uma busca pessoal. Os ministros ressaltaram a diferenciação do caso de via pública com a busca dentro de residências – esta última não autorizada.
A decisão, contudo, não terá efeito vinculante, ou seja, não será possível utilizar como precedente qualificado, apenas exemplificativo.
No caso, os ministros analisaram a legalidade de busca pessoal deflagrada após a pessoa, que estava em local conhecido pelo comércio de drogas, apresentar comportamento suspeito e furtivo, pois "ao tentar se evadir quando viu a guarnição, levantando imediata suspeita ao adentrar em um terreno baldio".
Segundo consta nos autos, uma equipe de policiais militares fazia rondas pelo bairro Jardim Itamaracá quando percebeu um indivíduo que demonstrou comportamento suspeito ao tentar se evadir quando viu a guarnição, levantando suspeita ao adentrar em um terreno baldio, o que ocasionou acompanhamento e logo em seguida sua abordagem.
Na revista, os agentes localizaram 51 papelotes que posteriormente se identificaram como substância análoga à cocaína.
Escrutínio
Para o relator, ministro Rogerio Schietti, fugir ou avistar uma guarnição policial não configura flagrante delito, nem algo próximo disso, que pudesse justificar, por exemplo, um ingresso domiciliar. Todavia, é uma conduta intensa e marcante que consiste em fato objetivo, não meramente intuitivo ou subjetivo por parte do policial.
"É uma conduta visível, controlável pelo Judiciário e que, embora possa ter outras explicações, no mínimo, gera, pelo menos aos olhos de um observador imparcial, alguma suspeita amparada em juízo de probabilidade sobre a posse de objeto que constitua corpo de delito."
Segundo Schietti, fugir correndo é mais do que uma mera reação sutil, como seria o caso, por exemplo, de um simples olhar ou desvio de olhar, levantar-se ou sentar-se, andar ou parar de andar, mudar de direção ou mudar o passo, são comportamentos naturais. Fugir, não.
Sair correndo diante da aproximação da polícia é um dado que, aparentemente, pode denotar uma tentativa de se ver livre de uma situação que possa trazer algum tipo de consequência àquele indivíduo, disse o ministro. "Essas reações corporais, portanto, devem ser mensuradas com essa perspectiva", completou.
"É claro, e aqui eu faço uma menção expressa, uma preocupação que tem sido externada pelo ministro Sebastião Reis Júnior, e eu também já externei essa mesma preocupação de que uma jurisprudência que autorize a busca pessoal a partir de uma fuga poderia levar a polícia a mudar o seu discurso, a falar que o suspeito fugiu da guarnição para justificar, portanto, a medida."
O ministro citou fenômeno conhecido no jargão policial como "arredondar a ocorrência", que consta em o policial aprender desde o momento em que ele entra na polícia, a fazer o policiamento por meio do tirocínio e, ao mesmo tempo, tornar todas as ações que ele realiza em cada ocorrência justificáveis no papel, o que eles chamavam de deixar as ocorrências redondas.
Entretanto, embora reconheceu a seriedade e a pertinência da preocupação do ministro Sebastião, o ministro ressaltou que o debate deve distinguir o motivo que legitima uma busca da prova necessária sobre a existência desse motivo.
Considerando a preocupação e, diante do risco de distorção dos fatos, Schietti entendeu que a medida que se deve exigir do policial é aquilo que fixou o ministro Gilmar Mendes, ao julgar o RE 603.616, chamando de "especial escrutínio sobre o depoimento policial".
"Isso implica quatro diretrizes. Primeiro, o depoimento policial deve ser analisado com especial cautela. Segundo, se o testemunho do policial parecer inverossímil, deverá ser rejeitado. Terceiro, se houver contradição em depoimentos policiais ou corroboração da versão do réu, as provas devem ser excluídas. Quarto, o ônus da prova sobre a legalidade da busca deve ser atribuído ao Estado."
Trata-se, portanto, para o minsitro, de abandonar a cômoda e a antiga prática de atribuir caráter quase inquestionável a depoimentos prestados por testemunhas policiais como se fossem absolutamente imunes à possibilidade de desviar-se da verdade. "Do contrário, deve-se submeter-os à criteriosa e cuidadosa análise de coerência interna e externa, verossimilhança e consonância com as demais provas dos autos", concluiu.
Assim, à luz dessas ponderações, concluiu que a fuga ao avistar a polícia configura motivo idôneo para autorizar uma busca pessoal em via pública, não em busca dentro de residências. Mas a prova desse motivo, cujo ônus é do Estado, por ser usualmente amparado apenas na palavra dos policiais, deve ser submetida a especial escrutínio, o que implica rechaçar narrativas inverossímeis, incoerentes ou infirmadas por outros elementos dos autos.
Diante disso, denegou a ordem.
- Processo: HC 877.943