A Corte Especial do STJ decidiu que é possível, sim, modificar multa cominatória por descumprimento de decisão, mas não é lícito modificar o que já foi modificado.
Segundo o colegiado, uma vez fixada a multa, é possível alterá-la ou excluí-la a qualquer momento. No entanto, uma vez reduzido o valor, não serão lícitas sucessivas revisões, sob pena de estimular e premiar a remitência sem justa causa.
Prevaleceu no julgamento o voto do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, para quem o valor acumulado da multa deixa de ser técnica processual e passa a integrar o patrimônio do exequente como crédito de valor, perdendo a natureza de matéria de ordem pública.
De acordo com o ministro, a Corte sedimentou por meio de recurso especial julgado na sistemática dos repetitivos, que a decisão que comina as astreintes não preclui, não fazendo, tampouco, coisa julgada.
"Trata-se, no entanto, de não incidência de preclusão temporal, de forma que o valor da multa pode ser modificado a qualquer tempo. Não se trata de ausência de preclusão consumativa sob pena de violação de segurança jurídica. Dessa forma, uma vez fixada a multa, é possível alterá-la ou excluí-la a qualquer momento. No entanto, uma vez reduzido o valor, não serão lícitas sucessivas revisões, sob pena de estimular e premiar a remitência sem justa causa. Em outras palavras, é possível, sim, modificar a decisão que culmina a multa, mas não é lícito modificar o que já foi modificado."
O ministro ressaltou, ainda, que a multa cominatória é um importantíssimo instrumento para garantir a efetividade das decisões judiciais e pode ser fixada de ofício e, por isso, trata-se de matéria de ordem pública.
"No caso, a multa fixada em sentença transitada em julgado pode ser alterada na fase de execução porque tem natureza de técnica processual de modo que não é acobertada pela coisa julgada material. Uma vez fixada ou alterada no início da execução, mantém tal natureza e, portanto, pode ser modificada a qualquer momento, inclusive de ofício. natureza de técnica processual."
Todavia, segundo Cueva, o valor acumulado da multa deixa de ser técnica processual e passa a integrar o patrimônio do exequente como crédito de valor, perdendo a natureza de matéria de ordem pública. "Com efeito, nos termos do artigo 537, parágrafo 2º do CPC, o valor acumulado da multa será devido ao exequente", acrescentou.
Cueva explicou, ainda, que, mesmo se considerada também a multa acumulada como matéria de ordem pública, deve incidir a preclusão pro judicato consumativa, de forma que, tendo havido modificação, não é possível nova alteração, preservando-se as situações já consolidadas. "Como deixa muito claro o parágrafo primeiro do artigo 537 do CPC, ao se referir à multa vincenda", disse.
Isso porque, explicou o ministro, a preclusão consumativa em relação às questões de ordem pública, inclusive aquelas que estão fora da esfera de disposição, não é disponibilidade das partes.
"A preclusão consumativa no tocante ao montante acumulado da multa cominatória, pois ostenta a natureza patrimonial disponível, prevalecendo a tese de que não há preclusão em casos como este, os inadimplentes recalcitrantes, dentre eles o embargante, poderão apresentar sucessivos pedidos de modificação indefinidamente, causando instabilidade, ofendendo a segurança jurídica, enfraquecendo os comandos mandamentais."
Ademais, destacou que constitui afronta a texto expresso da lei a pretensão de revisar multas vencidas, seja o valor combinado, seja o montante acumulado.
Assim, por maioria, a Corte Especial conheceu dos embargos de divergência e negou-lhes provimento.
Ficaram vencidos o relator, Francisco Falcão, e os ministros Humberto Martins, Luis Felipe Salomão, Mauro Campbell e Raul Araújo.
O caso
No caso em exame, a obrigação de cancelar o gravame foi estabelecida espontaneamente pelo banco mediante acordo homologado judicialmente. Passados quase 14 anos, o banco permaneceu inerte no tocante ao cumprimento da obrigação.
O juiz de primeiro grau havia fixado a multa diária em um salário-mínimo e, tendo sido alcançado o montante de mais de R$ 41 mil, reduziu-se o valor para R$ 5 mil. Insatisfeito, o banco ingressou com agravo de instrumento e o tribunal de origem manteve a exigibilidade da multa, reduzindo-a para R$ 500 por dia de atraso.
Mantida a inadimplência, e tendo sido alcançado novo montante, o credor, mais uma vez, promoveu a execução do título judicial, na oportunidade pelo valor de mais de R$ 523 mil, tendo o devedor apresentado a impugnação.
Interposto o agravo no instrumento, o Tribunal de origem manteve a decisão de primeiro grau, reconhecendo a ocorrência de preclusão consumativa. Ao acolher a impugnação ao cumprimento de sentença, o juiz de primeiro grau reduziu o montante e não o valor da multa diária de R$ 362 mil para R$ 5 mil.
O devedor interpôs a agravo no instrumento e o recurso foi provido por maioria, tendo prevalecido o voto médio quanto o valor do montante alcançado, com incidência da multa.
Depois de obter êxito na redução, o banco permaneceu inadimplente, ensejando nova acumulação da multa diária e, consequentemente, novo cumprimento de sentença.
No entanto, manteve-se a letargia em relação ao adimplemento da obrigação de fazer, preferindo o devedor apresentar a impugnação para novamente tentar reduzir o valor alcançado, exclusivamente em virtude de sua remitência.
O juiz de primeiro grau deixou de receber a impugnação, uma vez que a instituição apenas reproduziu as alegações constantes na impugnação ao cumprimento de sentença, já analisada pela instância superior, que reduziu o valor da multa para R$ 500 por dia de atraso, tendo tal decisão transitada no julgado.
Inconformado, o embargante interpôs agravo de instrumento, ao qual foi negado o provimento. Sobrevieram, então, recursos que culminaram com a interposição dos embargos divergentes.
- Processo: EAREsp 1.766.665