Por maioria, a 4ª turma do STJ entendeu possível a cobrança de taxas de conveniência e entrega na venda de ingressos online/presenciais para eventos.
O relator do caso já havia votado, favoravelmente ao recurso do MP/SP, para considerar abusiva a cobrança, mas, após pedido de vista da ministra Isabel Gallotti, que negou provimento ao recurso do parquet, o ministro pediu vista regimental.
Ao final, o relator confirmou sua manifestação inicial, mas ficou vencido após os votos dos ministros Raul Araújo, Antonio Carlos Ferreira e João Otávio de Noronha.
Caso
A ação civil pública foi ajuizada pelo MP/RJ contra a empresa T4F - Tickets For Fun alegando que ela comercializou em postos de vendas físicos ou a distância, ingressos para eventos culturais, porém, sempre mediante pagamento de valor adicional agregado aos bilhetes, ainda que nos postos físicos.
Os pedidos da inicial consistiam em:
- Declaração da abusividade da compra da taxa de conveniência na hipótese de retirada na bilheteria dos eventos.
- Abstenção da cobrança na taxa de conveniência em qualquer hipótese que não corresponda à contraprestação de entrega dos ingressos.
- Abstenção de cobrar qualquer outro valor pela entrega.
- Obrigação de oferecer de pelo menos três bilheterias em que não incida taxa, devendo ser garantido o mesmo tipo de acesso aos assentos oferecidos na bilheteria oficial.
- Devolução em dobro dos valores cobrados indevidamente e reparação de danos morais eventualmente sofridos pelos consumidores.
Em 1ª instância a sentença foi favorável ao site, negando o pedido do MP/RJ. O parquet apelou da decisão que foi julgada, pelo TJ/RJ, parcialmente procedente para:
- condenar a empresa a devolver em dobro da taxa de entrega/retirada (will call) quando cobrada sem a devida contraprestação (entrega em domicílio ou em outro endereço por ele indicado).
- condenar à disponibilização aos consumidores, que optarem por adquirir os ingressos pelos meios que permitam a cobrança de taxa de conveniência, de forma igualitária, o acesso aos diversos tipos de assentos disponibilizados para as bilheterias oficiais (em que não é cobrada a referida taxa).
O site pediu o afastamento da condenação. Alegou que a decisão do TJ/RJ foi além do pedido, pois teria declarado a abusividade da taxa de retirada (Will Call), diversa da taxa de conveniência, efetivamente trazida na inicial. Ademais, afirmou que inexiste abusividade em tal prática, mas mero exercício de sua atividade econômica.
Voto do relator
Ministro Marco Buzzi, ao analisar o recurso, negou provimento. Argumentou que um julgador não ultrapassa os limites do processo ao reconhecer pedidos implícitos na petição inicial, podendo extrair da análise lógico-sistemática do documento as pretensões do demandante, como feito pelo Tribunal de origem.
Essa interpretação afasta a alegação de julgamento além do pedido (extra petita) em relação à taxa de retirada, aplicando o óbice da súmula 83 do STJ.
Adicionalmente, Buzzi considerou que, para aceitar o argumento de que a taxa de entrega para ingressos adquiridos por telefone ou internet (e retirados na bilheteria) não é abusiva, e que, é válido não oferecer escolha de assentos em vendas não presenciais, seria necessário reavaliar as provas do processo, o que é impedido pela súmula 7 do STJ.
O ministro também destacou que a taxa de retirada não deve ser cobrada de clientes que não usam o serviço de entrega de ingressos em domicílio.
Divergência
Ministra Isabel Gallotti abriu divergência para restabelecer sentença que julgou ação improcedente.
Destacou que há confusão no acórdão do TJ/RJ quanto aos termos taxa de conveniência, entrega, retirada e will call.
Observou que a ação civil pública focava na taxa de conveniência, cobrada pela empresa responsável pela venda dos ingressos e se relaciona aos custos de intermediação dessa venda.
Por outro lado, a taxa de retirada/will call, aplica-se quando o consumidor adquire o ingresso via internet, telefone ou diretamente e opta por retirá-lo na bilheteria.
A Ministra apontou que a ação civil pública não questionava a taxa de entrega, que se refere ao custo de um motorista entregar os ingressos ao consumidor, conforme identificado pelo Ministério Público.
Também enfatizou que a jurisprudência da Corte já aceita a transferência dos custos de intermediação para o consumidor, contanto que o preço total da compra seja informado claramente, incluindo o valor das taxas
Assim, considerando que o valor da taxa de conveniência estava explicitado no momento da compra, não configuraria uma prática abusiva por parte da empresa T4F.
Ao final, a Ministra votou pelo provimento do recurso, contrariando a decisão de origem que havia equiparado indevidamente os diferentes tipos de taxas.
"Ter uma bilheteria lá, para imprimir os ingressos, aumenta o número de bilheterias, servidores e impressoras e o custo do empreendimento", afirmou. Defendeu, no entanto, que tais custos sejam explícitos ao consumidor.
Ministros Raul Araújo e Antonio Carlos Ferreira entenderam, respectivamente, que a atividade econômica retratada não demanda intervenção judicial e que não há violação ao dever de informação.
Veja manifestação da ministra:
Voto-vista
Em voto vista, ministro Marco Buzzi, manteve seu voto para confirmar a decisão do TJ/RJ deveria ser confirmada, para condenar a empresa.
Ressaltou que a discussão não envolve a taxa de conveniência, mas se é abusiva a taxa de entrega ou retirada quando o próprio consumidor retira o ingresso no posto físico.
Ademais, que o questionamento quanto à taxa de retirada está contido no pedido do MP de que a empresa se abstenha de efetuar quaisquer cobranças ou exigir valores a título de remuneração pela entrega dos ingressos.
Assim, entendendo que não há serviço diferenciado ensejador da taxa, quando o próprio consumidor vai ao local e retira ingresso na bilheteria, não se pode cobrar por serviço não prestado.
Ao final, ressaltou que não é ilegal a cobrança dessas taxas, desde que o serviço de entrega seja efetivamente prestado.
- Processo: REsp 1.632.928