Em um exame retrospectivo da história constitucional do Brasil, a Carta de 1824 desponta como um documento fundacional, cujas inovações e peculiaridades reverberam até os dias atuais. Ao estabelecer as bases do Estado Brasileiro pós-independência, esta Constituição delineou os contornos de um governo monárquico constitucional hereditário, marcando o início de um percurso institucional único na América Latina.
Monarquia constitucional e Poder Moderador
A Constituição de 1824 inaugurou a monarquia constitucional hereditária no Brasil, estabelecendo um sistema político que se distinguiu por seu caráter moderado e centralizador. A introdução do Poder Moderador, a ser exercido exclusivamente pelo Imperador, constituiu-se como a pedra angular deste arranjo, permitindo intervenções diretas nos outros poderes do Estado para assegurar o equilíbrio e a harmonia institucional.
Conselho de Estado e voto censitário
Outro pilar da Carta de 1824 foi a criação do Conselho de Estado, um órgão de assessoramento direto ao monarca em questões de suma importância nacional. Já o critério censitário para o exercício do voto refletiu as concepções elitistas da época, limitando a participação política a uma parcela restrita da população, fundamentada na capacidade econômica.
Duração e legado
Vigente por quase sete décadas, a Constituição de 1824 sobreviveu a inúmeras turbulências políticas, demonstrando uma notável capacidade de adaptação. Contudo, as críticas ao excessivo centralismo monárquico e à limitada inclusão democrática foram crescendo ao longo dos anos, culminando na transição para o regime republicano em 1889.
Constituição de 1988
A atual Carta Magna, promulgada em 1988, emerge em um contexto de redemocratização, após um longo período de regime militar. Em contraste com a Constituição de 1824, a de 1988 é marcada por uma forte ênfase nos direitos e garantias fundamentais, na separação e independência entre os poderes e na participação popular direta.
Ainda que os contextos históricos sejam distintos, é possível traçar paralelos entre ambos os documentos. A Constituição de 1988, assim como a de 1824, buscou responder aos desafios e às necessidades de seu tempo, promovendo um modelo de Estado capaz de conciliar diversidade, estabilidade e justiça social.
Ao refletir sobre esses dois momentos constitucionais, percebe-se que, apesar das diferenças, existe um fio condutor que se perpetua: a busca por um ordenamento jurídico que promova o equilíbrio entre as forças políticas e sociais, garantindo a liberdade, a justiça e o progresso. Assim, a Carta de 1824, com todas as suas particularidades, não somente pavimentou o caminho para a evolução constitucional brasileira, mas também estabeleceu as bases de um diálogo contínuo sobre a natureza do poder e do Estado no Brasil, um diálogo que segue vivo e relevante sob a égide da Constituição de 1988.
Para estudiosos da constitucionalidade brasileira, revisitar a Constituição de 1824 é mais do que um exercício de memória histórica; é uma oportunidade de compreender as raízes de muitas das práticas, desafios e debates que continuam a moldar a trajetória jurídica e política do Brasil contemporâneo.