Em 25 de março de 1824, o Brasil assistiu à outorga de sua primeira Constituição por d. Pedro I, marcando um ponto crucial na organização político-institucional do recém-independente país. Esse documento histórico, fruto de um contexto turbulento e de intenso debate político, estabeleceu as bases do Estado brasileiro e da governança monárquica que perduraria até o final do século XIX.
Após a independência proclamada em 1822, d. Pedro I convocou uma Assembleia Constituinte com o objetivo de moldar a estrutura governamental do Brasil. Contudo, desentendimentos acerca do poder do monarca e das competências do Executivo levaram à dissolução da assembleia pelo próprio imperador, naquela que ficou conhecida como "noite da agonia". Posteriormente, o Imperador delegou a elaboração da Constituição ao Conselho de Estado.
Influenciada por diversas teorias políticas e pela experiência constitucional de países como Espanha e França, além das ideias de Benjamin Constant, a Constituição de 1824 buscou equilibrar os ideais liberais com a realidade socioeconômica e política do Brasil da época. Estabeleceu-se uma monarquia hereditária, constitucional e representativa, onde o poder se concentrava nas mãos do imperador e da Assembleia Geral, esta última representando a nação brasileira.
A estrutura de governo delineada dividia o território em províncias e definia o papel das câmaras municipais, enquanto garantia direitos civis e políticos aos cidadãos, incluindo liberdade de expressão, religiosa, direito à propriedade e acesso ao emprego público baseado no mérito. Curiosamente, a Constituição distinguiu entre cidadãos ativos e passivos, baseando o direito ao voto em critérios censitários, excluindo mulheres, escravos e outros grupos.
Poderes
A Constituição reconheceu quatro poderes políticos: Legislativo, Moderador, Executivo e Judicial. A chefia do Poder Executivo seria exercida pelo imperador através dos seus ministros de Estado. A figura do imperador era considerada inviolável e sagrada, com amplas prerrogativas sobre os aspectos políticos e administrativos do Estado.
O Executivo concentrava amplos poderes, sendo atribuições do imperador nomear bispos, magistrados, comandantes das forças de terra e mar, embaixadores e mais agentes diplomáticos e comerciais; prover os empregos civis e políticos; conduzir negociações políticas com nações estrangeiras, fazer tratados de aliança, de subsídio e comércio; declarar a guerra e fazer a paz, entre outros.
O Poder Legislativo ficava delegado à Assembleia Geral, que se compunha de duas câmaras, a dos deputados e o senado. Sua configuração obedecia à visão de que este Poder funcionaria como uma delegação da nação “com a sanção do imperador”, o que denota o caráter da centralização política na figura do soberano.
No entanto, foi o Poder Moderador a base da organização política do Estado, delegado privativamente ao imperador, “para que incessantemente vele sobre a manutenção da Independência, equilibro, e harmonia dos mais Poderes Políticos”.
A Carta constitucional, ao estabelecer o Poder Moderador, conferiu ao imperador um importante instrumento que lhe permitia intervir nos outros poderes, além de constituí-lo como o verdadeiro árbitro da organização política do Império brasileiro.
Judiciário
O Judiciário funcionaria em duas instâncias, a primeira cabia ao juiz de Direito, ao juiz de paz e ao Júri, que ficavam sob a jurisdição da Secretaria de Estado dos Negócios da Justiça.
Para a Justiça de segunda instância a Constituição previu a criação de tribunais da Relação nas províncias em que se fizessem necessários e na Corte, onde funcionaria ainda o Supremo Tribunal de Justiça. A este tribunal competia conceder ou denegar revistas nas causas; julgar os delitos e erros que cometessem os ministros, os empregados das Relações, do corpo diplomático, e os presidentes das províncias; bem como apreciar e decidir sobre os conflitos de jurisdição e competência das relações provinciais.
No entanto, a autonomia do Judiciário, essencial para a garantia dos direitos políticos e civis do cidadão, foi limitada pela autoridade conferida ao imperador de suspender e remover magistrados, bem como perdoar ou moderar as penas impostas nas sentenças e conceder anistia.
Suas atribuições esbarravam também na competência atribuída à Assembleia Geral de fazer as leis, interpretá-las, suspendê-las e revogá-las, o que acabava por conceder aos juízes somente a faculdade de aplicá-las.
Alterações
Ao longo do período imperial, a Constituição de 1824 sofreu alterações que refletiram mudanças políticas, como o ato adicional de 1834 e a lei de interpretação do ato adicional de 1840, demonstrando sua capacidade de adaptação às distintas realidades políticas do país. Essa flexibilidade contribuiu para a longevidade da Constituição, que permaneceu em vigor até a Proclamação da República em 1891.
Comemorando 200 anos, a primeira Constituição brasileira é lembrada não apenas como um documento fundador do Estado brasileiro, mas também como um reflexo das tensões e dos consensos políticos de sua época, desempenhando um papel crucial na estabilização e na institucionalização do regime monárquico no Brasil.
Paralelo
Comparando com a Constituição Federal de 1988, conhecida como a "Constituição Cidadã", nota-se um significativo avanço em termos de direitos fundamentais e democracia participativa. Enquanto a Carta de 1824 foi imposta por D. Pedro I, a Constituição de 1988 foi o resultado de um amplo processo de debates e participação popular, refletindo os anseios por um regime democrático após anos de ditadura militar.
A atual Constituição ampliou consideravelmente os direitos e garantias individuais, estabeleceu um robusto conjunto de direitos sociais, e promoveu a descentralização político-administrativa, fortalecendo os municípios. Além disso, introduziu mecanismos de democracia direta, como o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular.