Nesta terça-feira, 19, o Senado aprovou o PL 5.497/19, que estende até 2033 a cota de tela para longas-metragens brasileiros nos cinemas.
O projeto, de autoria do deputado Marcelo Calero, foi relatado pelo senador Humberto Costa e segue para a sanção da Presidência da República.
Antes da aprovação do novo projeto, a regulamentação vigente era a MP 2.228-1/01, a qual perdeu a validade no ano de 2021.
Agora, ao contrário da disposição que estipulava um número de dias para a exibição obrigatória de filmes nacionais, o novo PL determina que as salas, espaços e locais de exibição pública comercial ficam obrigadas a exibir obras brasileiras de longa-metragem, observados o número mínimo de sessões e a diversidade de títulos, atribuída à Ancine o controle do cumprimento da medida.
Entenda como o mecanismo da cota de tela foi instituído no Brasil e as repercussões no setor do audiovisual.
Vargas como “pai” da lei de cota de tela
Em abril de 1932, Getúlio Vargas instituiu o decreto 21.240 para nacionalizar a censura cinematográfica, criar uma “taxa cinematográfica para a educação popular” e, entre outras medidas, exigir a inclusão de filmes nacionais nas programações mensais dos cinemas.
Por isso, o decreto é reconhecido como pioneiro na formulação de um protótipo do que seria a cota de tela.
"Art. 13. Anualmente, tendo em vista a capacidade do mercado cinematográfico brasileiro, e a quantidade e a qualidade dos filmes de produção nacional, o Ministério da Educação e Saúde Pública fixará a proporção da metragem de filmes nacionais a serem obrigatoriamente incluídos na programação de cada mês."
Antes tarde...
Após 69 anos, a MP 2.228-1/01 introduziu a política de cota de tela que, editada antes da existência do prazo de 45 dias para votação pelo Congresso, ficou válida por 20 anos.
A medida também instituiu a Ancine, o Conselho Superior de Cinema e a Secretaria do Audiovsiual do ministério da Cultura.
O art. 55 da MP estipulava que, durante 20 anos, as empresas proprietárias, locatárias ou arrendatária de salas, espaços ou locais de exibição pública comercial deveriam exibir longas-metragens brasileiros por um número de dias anualmente fixado por decreto presidencial.
Antes de caducar, em 2021, o STF julgou constitucional a previsão de cota de tela pela MP.
Atualização
O prazo de validade da MP abriu um vácuo normativo que desabonou muitas produções brasileiras. Segundo dados da Ancine, em 2021, a participação na venda de ingressos para filmes brasileiros caiu de 13% para 1,8%. Em 2022, a participação foi de cerca de 4,2%.
O ministério da Cultura afirmou que é preocupante o cenário de concorrência desleal enfrentado pelas produções brasileiras quando presentes as superproduções estrangeiras.
Nessa toada, o PL aprovado nesta quinta-feira, no Senado, parece representar um alívio para os produtores nacionais.
Abordagem específica
Paralelamente à aprovação do PL nesta quinta-feira, o Senado, no último dia 12, avaliou o PL 3.696/23, de autoria do senador Randolfe Rodrigues, visando a prorrogação das cotas de tela até 2038.
A proposta obteve aprovação na Comissão de Educação e Cultura do Senado, sob relatoria do senador Humberto Costa. Contudo, uma emenda do senador Eduardo Gomes excluiu as salas de cinema do escopo do projeto.
O relator do projeto destacou a necessidade de uma abordagem específica para o setor cinematográfico, diferenciando-o das cotas destinadas à TV paga. Enquanto a proposta para a TV contava com consenso e urgência, o mesmo não se aplicou ao cinema.
Agora, o projeto segue para sanção da Presidência da República.
Controvérsias
Enquanto as produções nacionais ganham com a retomada da cota de tela, os exibidores expressam insatisfação.
Em nota ao Estadão, a Feneec - Federação Nacional das Empresas Exibidoras Cinematográficas, a AEXIB - Associação dos Exibidores Brasileiros de Cinema de Pequeno e Médio Porte, o Sindicato das Empresas Exibidoras Cinematográficas no Estado de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul e a ABRAPLEX - Associação Brasileira das Empresas Exibidoras Cinematográficas Operadoras de Multiplex, protestaram contra os PLs.
As entidades argumentam que os impactos da Covid-19 ainda são sentidos nos cinemas do país, de modo que, destinar parte das salas para produções nacionais pode impactar no público, levando ao fechamento de salas.
"O Projeto de Lei desconsidera que os cinemas estão sofrendo com a falta de lançamentos, sejam nacionais ou internacionais, que tiveram as produções paralisadas durante a crise. Mesmo após a reabertura das salas, o setor ainda está com índice 35% inferior de lançamentos, níveis de público 40% abaixo do cenário pré-pandemia e administrando milhões em dívidas acumuladas no período."
Exibição e público
Dados fornecidos pela Ancine revelam discrepâncias na exibição e audiência de produções estrangeiras em comparação a brasileiras nas telas de cinema.
De 2019 a 2021, em média, foram exibidos, a cada ano, 172 filmes estrangeiros a mais do que obras nacionais. Contudo, a partir de 2021, coincidindo com o término da da vigência da MP que regulamentava a lei de cota de tela, a média anual aumentou para cerca de 247 filmes estrangeiros a mais do que os nacionais.
A disparidade também se reflete nos percentuais de sessões que apresentaram filmes nacionais e estrangeiros durante o período analisado.
Em 2019 e 2020, a diferença foi de aproximadamente 69 e 73 pontos percentuais, respectivamente, entre as exibições internacionais e nacionais. Em 2021, essa diferença aumentou para 92 pontos percentuais, permanecendo elevada nos anos seguintes, mesmo após a pandemia, com a diferença de 82 e 87 pontos percentuais entre 2022 e 2023, respectivamente.
Outra discrepância significativa destacada pelos dados é a audiência de filmes nacionais em comparação com os internacionais. Nenhum filme brasileiro do período conseguiu figurar entre as 20 maiores bilheterias nacionais entre 2019 a 2023.