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CNJ começa a julgar paridade de gênero para promoção de juízes

Segundo proposta da relatora, tribunais devem implementar ação afirmativa por meio de alternância de listas mistas e listas exclusivas de juízas, até o atingimento da paridade.

19/9/2023

Nesta terça-feira, 19, o CNJ começou a julgar proposta que altera a resolução 106/10 com o objetivo de promover a equidade de gênero nas promoções da magistratura. O texto obriga a abertura de promoções de magistrados, por antiguidade e por merecimento, com listas mistas e exclusivas de mulheres, até que seja atingida a paridade de gênero no tribunal.

A relatora é a conselheira Salise Sanchotene. Após o voto dela, o conselheiro Richard Pae Kim pediu vista, suspendendo o julgamento.

O conselheiro Mário Goulart Maia e o ministro Vieira de Mello Filho anteciparam seus votos acompanhando a relatora.

Veja a íntegra da proposta:

“Art. 1º O art. 1º da Resolução CNJ 106/10 passa a vigorar acrescido do art. 1º-A:

Art. 1º-A. Nas promoções por antiguidade e por merecimento, serão abertos editais alternados para a formação de listas mistas e exclusivas de mulheres, observadas as políticas de cotas instituídas por este Conselho, até o atingimento de paridade de gênero no respectivo tribunal.

§1º As listas de antiguidade, inclusive para fins de aferição da quinta parte, devem ser separadas por gênero.

§2º Para fins de preenchimento das vagas relativas à promoção por merecimento, aplica-se o quinto sucessivo nas listas alternadas, com a observância da política de cotas deste Conselho.

§3º Para fins de aplicação do artigo 93, II a, da Constituição Federal, a consecutividade de indicação nas listas tríplices deve considerar a categoria a que elas se referem no certame, salvo a hipótese de magistrada que figurar em lista mista.

Art. 2º Esta Resolução entra em vigor em 30 dias da data de sua publicação, aplicando-se aos editais abertos após o período de vacância.”

O Consepre - Conselho de Presidentes dos Tribunais de Justiça do Brasil chegou a solicitar que o processo fosse retirado de pauta, mas o pedido foi negado pela relatora. Na mesma decisão, ela admitiu diversas entidades como amici curiae, permitindo a realização de sustentação oral.

CNJ começa a julgar paridade de gênero em tribunais.(Imagem: Rômulo Serpa/Ag.CNJ)

Abrindo os trabalhos, a relatora disse que o julgamento do caso, independentemente do resultado, irá marcar a história do CNJ. "Não se trata apenas de promoção de juízes, mas sim de garantir a democracia." Em seguida, fez a leitura do relatório.

Em breve intervenção, Rosa Weber disse que não devem existir tabus e ponderou que temas como esse precisam vir ao debate. "Eu compreendo a resistência. O ser humano tem dificuldade de ver o novo e enfrentá-lo."

Sustentações orais

Primeira a sustentar foi Luciana Paula Conforti, presidente da Anamatra - Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho. Ela classificou a sessão como histórica para todo o Poder Judiciário e disse que o tema desperta profundo interesse da magistratura e de toda a sociedade.

Ela destacou que a entidade apoia a política pública de equidade no Judiciário, diferentemente do ato em si que traria essa política. "Nos preocupou a divulgação do primeiro texto por conta das reações."

Pelo Conselho de Presidentes dos Tribunais de Justiça sustentou Rafael Thomaz Favetti. Ele ponderou que não se trata de lacuna regulamentória, e sim de entender se existe um silêncio eloquente da Constituição Federal.

Em seguida falou Gabriel Sampaio pela Conectas Direitos Humanos. "Nós homens temos um papel nesse debate de reforçar o protagonismo dessas mulheres e assumir posição."

Segundo o advogado, não é possível naturalizar a desigualdade contra as mulheres. "Para corrigir essa situação é preciso adotar medidas urgentes."

Oscar Vilhena sustentou pela Comissão Arns e prestou total apoio à proposta. "Discriminação pode resultar de uma conduta aparentemente neutra, mas que sobrecarrega um grupo vulnerável de forma especial."

Ato contínuo a palavra foi passada para Estefânia Maria de Queiroz Barboza, do Centro de Estudos da Constituição da UFPR, favorável ao texto proposto. "Precisamos de outros espaços de poder que podemos racionalizar."

Depois, sustentou Alice Bianchini pela ABMCJ - Associação Brasileira de Mulheres de Carreiras Jurídicas. Ela destacou que de fato há uma sub-representação de mulheres. "A ação afirmativa proposta hoje é uma medida especial de caráter temporário."

Maria Dionne de Araújo Felipe, que falou pelo movimento Elas no Orçamento e Elas Discutem, refletiu sobre a deusa da Justiça. "Ela está sentada, de olhos vendados, apenas segurando uma espada. E quando se fala em espada, se fala em força. 'Quem traz no corpo essa marca, Maria, possui uma mistura de dor e alegria.' Nesse momento as Marias são todas a juízas."

Pelo Tributos a Elas, Herta Rani Teles Santos ressaltou a nobreza da missão dos juízes e, por isso, que deveria ser ocupada pelos mais variados tipos de pessoas. "A magistratura, em todos seus níveis, tem de ser tão feminina quanto a própria sociedade.

Juíza Marcela Lobo, pelo Movimento Nacional pela Paridade no Judiciário, disse que não se trata unicamente de defender o direito das mulheres de ampliar sua participação no Poder Judiciário, mas de compreender que, em uma sociedade democrática, os espaços de decisão são tão mais legítimos quanto mais diverso for o grupo que o compõe.

Falando pelo Coletivo Transforma MP, a subprocuradora-Geral da República aposentada Ela Wiecko Volkmer de Castilho ressaltou que a proposta da conselheira Salise preserva a regra constitucional de promoções por critérios de merecimento e antiguidade, tão só regulamentando sua execução adotando perspectiva de gênero. Assim, é compatível com o princípio da proporcionalidade e necessária.

Ainda, pela Themis Gênero, Justiça e Direitos Humanos, Denise Dourado Dora salientou que a proposta do CNJ é uma oportunidade única de reverter mecanismos que, silenciosamente, criam obstáculos para que as mulheres possam ascender na carreira.

Por fim, Cristiano Avila Maronna, pela Associação Plataformas - Ideias e Projetos para Soluções Publicas, destacou dados que apontam que nos tribunais, há barreiras sistémicas que tem impedido as mulheres de prosperar, impactando ainda mais as mulheres negras. "Para cada mulher negra no Brasil, há 0,9 homens brancos, mas para cada juíza negra, há 7,4 juízes brancos, e para cada desembargadora negra, há 33,5 desembargadores brancos."

Dominância masculina

Conselheira Salise Sanchotene deu início ao seu voto falando sobre a dominância masculina desde o início do Poder Judiciário e os efeitos discriminatórios que essa realidade acarretou. Em seguida, citou a sub-representação feminina e dados do Judiciário.

"A mera passagem do tempo não tem sido suficiente para promover o imperioso e indispensável equilíbrio entre homens e mulheres nas Cortes brasileiras."

Segundo a relatora, todos os dados produzidos no Brasil são cristalinos em demonstrar a necessidade de mecanismos concretos para viabilizar a progressão na carreira das magistradas brasileiras.

Salise também citou um parecer elaborado pelo professor Daniel Sarmento, no qual valida a adesão de cotas femininas na magistratura.

No documento, o jurista defende a possibilidade constitucional da instituição, por ato normativo do próprio CNJ, de política de ação para acesso das juízas aos cargos de magistraturas no âmbito dos tribunais de 2° grau.

De acordo com Sarmento, a equidade de gênero ainda está longe de se tornar realidade no Judiciário, uma vez que as pesquisas e os estudos demonstram que a participação das mulheres na magistratura tem ficado "consistentemente abaixo dos 40%". Ainda, ressalta que a existência de obstáculos informas à ascensão da mulher aos cargos mais altos do Judiciário, representa discriminação indireta de gênero e violação ao princípio da isonomia.

Sarmento conclui que as perspectivas, identidades pessoais e experiência de vida exercem influência relevante sobre o modo como juízes e juízas decidem, de forma que Cortes plurais tende a refletir melhor os diferentes interesses da sociedade.

Confira a íntegra do parecer de Daniel Sarmento.

Carreira

A conselheira relatora destacou que a regra é objetiva, e não tem intenção discriminatória, mas a sua aplicação prejudica, na prática, as mulheres, o que caracteriza discriminação às mulheres.

Ainda, ressaltou que a discriminação contra mulheres é anterior ao próprio ingresso das juízas na carreira, como comprova o fato de que mais homens são aprovados para concurso da magistratura do que mulheres.

"Assim, não é desarrazoado supor que a discriminação atrase o início de muitas carreiras femininas por fatores como a dupla jornada de trabalho ou, no passado, os vieses e preconceitos das bancas, que possuía uma entrevista antes do exame oral. Tal atraso se reflete na antiguidade das juízas."

Antiguidade

Segundo a relatora, o objetivo central da política afirmativa em questão seria fortemente abalado se a política fosse aplicada apenas no acesso por merecimento. A sua eficácia seria reduzida pela metade.

Assim, disse que a política de ação afirmativa deve incidir em favor de juízas de carreira, seja para o acesso aos tribunais de 2º grau por merecimento, seja por antiguidade. Contudo, a medida deve ser temporária.

Salise ressaltou que dados mostram que não resta dúvida de que estamos diante de uma discriminação institucional de gênero, e que na hipótese do critério de antiguidade, por trazer consigo natureza mais objetiva, a tendência é imaginar que ali não haveria problemas.

"Não obstante, se tal assertiva fosse verdadeira, e de fato o critério da antiguidade fosse algo neutro em termos de gênero, o número atual de desembargadoras, naturalmente, seria maior que os atuais 25%."

É sabido que as mulheres só ingressaram na magistratura a partir de 1939, e ainda hoje, o número de mulheres ingressantes nunca superou a casa de 40%, destacou a relatora.

"Não é possível dizer que homens e mulheres possuem as mesmas oportunidades na carreira da magistratura, pois um exame mais atento denuncia que não se trata de entrar na fila e aguardar a vez, mas também de reunir melhores condições de correr na carreira subindo as entranças."

Se utilizando de metáfora, a ministra resumiu que se o processo de obtenção da antiguidade pudesse ser comparado ao esporte, seria uma prova de corrida para percorrer determinada distância, mas em pistas diferentes, a depender do competidor. "Em regra, uma pista rasa para os magistrados, ao lado de uma pista com obstáculos para as magistradas."

Listas alternadas

Assim, a relatora sugeriu:

- Nas hipóteses em que o quantitativo de desembargadores seja equivalente ou superior do que o de desembargadores, nos casos do TJ/PA e TRT-2, tem-se que a formação de lista mista deve ser mantida porque a paridade, lá, já foi alcançada.

- Em tribunais sem paridade de gênero, mas que tenha promovido juíza na última vaga destinada a magistratura de carreira, devem, necessariamente, implementar dinâmica de oferta de vagas alternadas entre lista mista e lista exclusiva de mulheres, mas, no caso concreto, a próxima vaga a prover, deverá ser destinada a candidatos oriundas de lista mista, de acordo com a lista de antiguidade cronológica do tribunal. A alternância deve ser iniciada, portanto, por lista mista, alternada por lista exclusiva de juízas.

- Em tribunais sem paridade de gênero, que tenha promovido juiz na última vaga destinada a magistratura de carreira, a alternância deverá, necessariamente, por lista exclusiva de juízas, que concorrem apenas entre si, alternada por lista mista composta por juízas e juízes.

A relatora ressaltou que não há como o CNJ traçar balizas para a advocacia e o Ministério Público na formação de suas listas por meio do Quinto Constitucional. Todavia, o olhar de gênero não deve ser desconsiderado pelo Tribunal ao abrir a próxima vaga destinada a magistrados de carreira, da seguinte forma:

- Primeiro, deve-se olhar o total de cargos para, à luz da paridade, verificar se existe desproporção de gênero. Identificada a desproporção, é caso de se implementar a ação afirmativa por meio de alternância de listas mistas e listas exclusivas de juízas, até o atingimento da paridade.

- Caso os últimos cargos destinados ao Quinto Constitucional sejam providos por mulheres, isso, por si só, não será capaz de afirmar, na aplicação da alternância se será iniciado por lista mista ou exclusiva. Identificada a desproporção, deve o tribunal aplicar a listagem alternada, iniciando-se a alternância com olhar para o último cargo de desembargador provido por juiz ou juíza de carreira. Se provido por juiz, a próxima vaga deve ser destinada a juízas, mesmo que os cargos destinados ao Quinto tenham sido providos por mulheres.

Os tribunais deverão manter, além da relação geral de antiguidade mista, composta por homens e mulheres, uma lista exclusiva de mulheres, providência que deverá ser cumprida até 1º de janeiro de 2024.

Veja a íntegra do voto.

O conselheiro Mário Goulart Maia antecipou seu voto. "Entendo que o relatório da conselheira Salise é justo, por isso irei segui-lo. A dupla jornada existe, e dificulta."

Também antecipando seu voto, o ministro Vieira de Mello Filho, conselheiro, ressaltou, acompanhando a relatora, que o CNJ tem de assumir um compromisso constitucional de assumir posições pela eficiência e maior representatividade dos tribunais brasileiros.

"Se um tribunal fizer cinco listas seguidas, preenchidas só por mulheres, não haverá nenhuma inconstitucionalidade. Com 75% das cadeiras masculinas nos tribunais brasileiros, como podemos dizer que não há dados ou que isso será corrigido com o tempo? A primeira mulher admitida no TJ/SP foi em 1980. Para uma correção deste ajuste nós vamos levar 60 anos. Não sei qual seria a data para que nós ficássemos aguardando que listas de antiguidade corrija uma distorção que já está na estrutura do próprio ingresso da magistratura."

Suspendendo o julgamento, ministra Rosa Weber ressaltou que antes de 12 anos o STF e o CNJ não terão uma mulher presidente.

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