O que é a fotografia, além da fixação de um instante? Pela etimologia, a partir do grego, é desenho com luz e contraste, acepção perfeita para a sensível coletânea organizada pelo ministro do STJ Sebastião Reis Junior na obra "Translúcida". Os textos foram confeccionados por diferentes autores, mas todos a partir de série de fotografias de autoria do Ministro Sebastião – Sebá, para os amigos –, focalizando detentas transgênero do Centro de Detenção Provisória de Pinheiros, ou simplesmente CDP Pinheiros II, como a unidade prisional é conhecida.
De antemão, é preciso destacar a delicadeza e o inusitado da proposta: são pessoas duplamente estigmatizadas, como muito bem lembrou o Ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania Silvio Luiz Almeida, em feliz prefácio à obra. Pessoas que a sociedade escolhe não ver, mas que são iluminadas pelas lentes do Ministro.
Para entender a obra, é interessante notar o método de trabalho delineado na apresentação de punho do próprio Ministro Sebastião, espécie de itinerário afetivo percorrido da concepção até a execução. No princípio, conta-nos, houve a vontade de visitar as detentas, e ato subsequente, ouvi-las. Na sequência, era preciso compartilhar o que foi percebido: “Era preciso que mais pessoas ouvissem o que eu ouvi”, diz o Ministro Sebastião. Então ele volta ao CDP, trazendo primeiro o pedido: “Visitamos suas celas [...] fizemos o convite. Elas gostaram da proposta”. Só depois de autorizado, retorna, então, de câmera em punho, acompanhado de integrantes deste informativo, inclusive o jornalista Miguel Matos, e começa a série de imagens a partir das quais seriam criados os textos que compõem a obra. Sim, compartilhar as fotos também não foi suficiente, o Ministro Sebastião percebeu que era preciso “responder àquelas fotos”.
Pois é o que faz cada um dos 36 autores de cada um dos textos – e um desenho! – que compõem a coletânea, respondem, cada um à sua maneira, em sua diversidade de trajetórias e formação, aos apelos que lhes dirigem as fotos-luzes de autoria do Ministro Sebá.
Embora boa parte dos autores seja do mundo jurídico, há dentre eles um militar, uma artista plástica, um médico psiquiatra. A produção textual, contudo, abrange diferentes gêneros e formatos: alguns, sensibilizados a tal modo por alguma das imagens, vão até o CDP conhecer os retratados e lhes servem de ghost writer, narrando suas histórias, sempre muito pungentes; outros, lançando mão de recursos ficcionais, imaginam uma história a partir do que veem na foto e do que conhecem da realidade brasileira; outros, ainda, optam por trabalhos quase acadêmicos, trazem números – são assustadores os índices de crimes violentos contra a população LGBTQIA+ no Brasil –, discutem conceitos, propõem enfoques teóricos que deem conta da necessidade de mudança cultural entre nós. Há ainda aqueles que se valem de formato textual lírico – caso muito marcante do Ministro do STF Luís Roberto Barroso, que antes de recuperar o histórico da aceitação por parte do STF da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros (ALGBT) como entidade dotada de legitimidade ativa para o controle direto de constitucionalidade, expressa sua profissão de fé em dois outros formatos, prosa e verso, a frisar a origem comum de todos nós humanos, o Criador.
Pela pena do também Ministro do STJ Rogério Schietti Cruz o leitor fica sabendo que o Ministro Sebastião já havia fotografado também indígenas, pessoas em situação de rua, habitantes de favelas, caiçaras, quilombolas, sempre como meio de “visibilizar as pessoas que quase sempre são representadas por números, dados, estatísticas e percentuais”.
Fotografar os marginalizados então, percebe o leitor, é começar a trazê-los à luz.
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