Nesta quarta-feira, 19 de julho, comemora-se o Dia Nacional do Futebol, uma data que representa a paixão fervorosa que o esporte desperta no país.
O futebol está enraizado na cultura brasileira, unindo multidões e fazendo vibrar corações em cada partida. Em meio a essa atmosfera de entusiasmo, a advogada e professora Cristiane Pires McNaughton traz uma análise relevante sobre as transformações promovidas pela lei da SAF no futebol brasileiro.
Por meio de uma entrevista exclusiva, a especialista discute como a legislação inovadora quebra paradigmas ao permitir a busca por lucratividade e destaca como a reforma tributária pode impactar a legislação. Confira.
Mudanças da SAF no futebol brasileiro
Antes de tudo, é importante voltarmos a 2021 para entender quais mudanças a lei da SAF (14.193/21) trouxe ao cenário esportivo do Brasil, especialmente para o futebol.
Conforme explica Cristiane, a norma que instituiu a Sociedade Anônima do Futebol tem como objetivo trazer uma característica mais empresarial ao futebol brasileiro, o que já acontece na Europa há muitos anos.
“Antes da SAF, os times eram apenas associações civis sem fins lucrativos. O que significa isso? Que os clubes representavam a união de interesses ao redor de um time, interesses esses de lazer, recreativos, voltados nitidamente ao esporte e somente ao esporte. Não se tinha uma finalidade lucrativa.”
Segundo a advogada, com a SAF, os clubes passam a ter a possibilidade de se tornar verdadeiras empresas, tendo, com isso, uma finalidade lucrativa.
“São vários mecanismos que foram abertos aos clubes - a possibilidade de você ter um dono, possibilidade de colocar ações na bolsa de valores, emitir debêntures, distribuir lucro etc.”, aponta.
Na avaliação da especialista, trata-se de uma mudança cultural muito grande e importante, que ainda está sendo implementada no Brasil.
“Para a gente é uma mudança muito drástica, principalmente pensando na cultura raiz que nós temos do futebol sem esse intuito lucrativo.”
Clube-empresa x Paixão nacional
Na opinião de Cristiane, a lei da SAF traz uma quebra de paradigmas para o brasileiro, que sempre esteve acostumado a olhar para o futebol com aquela “paixão” que move os torcedores.
“Geralmente, nas associações civis a gestão é feita por presidente e pelo conselho deliberativo. Esse presidente tem um mandato de dois a quatro anos, depois ele é alterado. O brasileiro já está acostumado a isso - a se sentir dono do seu time. É muito movido pela questão do próprio sentimento.”
Com a SAF, e a permissão para que os clubes tenham donos, tudo muda porque a gestão muda. “Existe a sensação de que o torcedor está perdendo o poder sobre o seu time”, relata.
“Essa mudança é bastante impactante para a mentalidade que nós temos do futebol. Além disso, você começa a ter a venda e a compra de jogadores pensando não só na vitória do time, mas pensando também em lucratividade. Muita gente não gosta dessa ideia de pensar em lucratividade: ‘Espera aí, futebol não é pra ter lucro, é para ganhar’”.
Lei da SAF e a reforma tributária
No início de julho, a Câmara dos Deputados aprovou o texto-base da reforma tributária. O tema também foi objeto de análise de Cristiane Pires McNaughton.
De acordo com a tributarista, a reforma tributária traz a extinção de alguns tributos e a criação de novos tributos, dentre eles PIS/Cofins. “Não é um regime de unificação”, explica.
“Você extingue o PIS e a Cofins e cria um novo tributo. Você não está transformando um em outro. Você está criando um tributo totalmente diferente sobre operações com bens e serviços.”
Porém, a advogada pondera que PIS/Cofins estão dentro daqueles tributos que são unificados para fins de SAF.
“Para a SAF são unificados IRPJ, CSLL, PIS/Cofins e contribuição de seguridade social. A partir do momento que você extingue PIS e Cofins, o que vai acontecer? Só esses outros tributos vão estar no regime de unificação e o IBS vai estar fora? Ou você vai inserir o IBS dentro dessa unificação com a alíquota de 5%?”
Na avaliação de Cristiane, é muito importante que se volte os olhos para a SAF para que não se perca tudo isso que se conquistou e para que os clubes “não tenham mais essa insegurança jurídica de ter se transformado em SAF em um cenário e de repente ter essa tributação majorada por causa da reforma tributária”.
“Isso faz com que a gente perca investimentos muito grandes, principalmente do exterior, porque lá as pessoas muitas vezes não entendem o que está acontecendo no Brasil. É preciso que haja essa preocupação em se preservar os benefícios.”
Mais mudanças a caminho
No mês passado, o senador Rodrigo Pacheco, autor da lei da SAF, encaminhou um novo projeto de lei a fim de aperfeiçoar a governança das Sociedades Anônimas do Futebol, resguardar os investidores e preservar os direitos dos clubes, dos profissionais do futebol e dos atletas em formação.
Na justificativa do projeto, o presidente do Senado afirma que a lei da SAF tem colaborado para a modernização do futebol, mas entende ser necessário propor alguns aperfeiçoamentos na legislação com os seguintes objetivos: i) dirimir dúvidas para atrair investimentos e permitir o desenvolvimento do futebol; ii) conciliar os interesses envolvidos e iii) reforçar a segurança jurídica dos contratos.
Entre as medidas, o projeto determina a criação do Conselho de Administração e do Conselho Fiscal, com a presença de membros independentes, seguindo as melhores práticas de governança e de transparência empresarial.
A proposta também visa dirimir dúvidas em relação à não responsabilização da Sociedade Anônima do Futebol ou pessoa jurídica original que a constituiu, pelas obrigações do clube, exceto em relação às obrigações que forem expressamente transferidas nos atos societários previstos nas hipóteses dos incisos II ou IV do art. 2º.
Para garantir transferências pela Sociedade Anônima do Futebol aos clubes, o PL acresce a obrigação de que a SAF deverá distribuir aos acionistas, como dividendo mínimo obrigatório, em cada exercício social, pelo menos 25% do lucro líquido ajustado conforme o art. 201 da lei 6.404/76.
O projeto também busca viabilizar instrumentos de conversão de créditos existentes contra os clubes ou pessoa jurídica original ao estabelecer os caminhos societários de aprovação, no âmbito da Assembleia geral de acionistas da SAF.
Propõe, ainda, maior detalhamento das regras do Regime Centralizado de Execuções, disponível aos clubes que tiverem constituído Sociedades Anônimas do Futebol, com a previsão de pagamentos mensais, exceto se houver disposição diversa no plano dos credores.
As atualizações também buscam garantir o investimento na formação de jovens e atletas ao conferir prazo de doze meses à SAF, a partir de sua constituição, para a implementação do PDE - Programa de Desenvolvimento Educacional, em convênio com instituição de ensino, para promover políticas públicas em prol da educação por meio do futebol, sob pena de retirada do TEF - Regime de Tributação Específica do Futebol.
“Demos passos importantes para o crescimento do esporte, e o aprendizado é permanente. Estou seguro de que as alterações propostas irão fortalecer ainda mais a competividade do setor futebolístico nacional em relação a outros mercados, trazendo mais investimentos, gerando mais empregos e renda, equilibrando os interesses dos envolvidos e, por fim, contribuindo para ampliar a qualidade do espetáculo aos torcedores”, afirma Pacheco.
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