O ministro Alexandre de Moraes, do STF, pediu vista e interrompeu o julgamento virtual que analisava decretos da gestão Doria/Rodrigo, no governo de São Paulo, que liberaram contrato de 25 anos no valor de R$ 23 bilhões sem licitação. Antes do pedido, já havia dois votos para declarar a inconstitucionalidade dos decretos e uma pela constitucionalidade.
A relatora, ministra Cármen Lúcia, em seu voto pela procedência da ação, considerou que os decretos afrontaram os princípios do dever de se atender à licitação prévia, à legalidade, à moralidade e à impessoalidade. O entendimento foi acompanhado por Edson Fachin.
Por outro lado, o ministro Gilmar Mendes, que estava com pedido de vista, divergiu por entender que não houve violação ao princípio da licitação na prorrogação antecipada pelos decretos impugnados.
Entenda
O contrato beneficia a empresa Metra - Sistema Metropolitano de Transportes Ltda, que passará a operar sozinha o Corredor ABD, como é conhecido o Corredor Metropolitano São Mateus/Jabaquara. Os decretos ampliarão em quase 700% o número de linhas deste corredor.
O governador firmou o contrato através de decretos, o que, para o Solidariedade, impetrante da ação, é inconstitucional.
A legenda, ao ajuizar a ação, ressaltou "o fato de o governo de São Paulo pagar quase R$ 50 milhões pela quebra do contrato da Linha 18 - Bronze, como noticiado na imprensa".
Segundo o Solidariedade, os decretos beneficiando uma única empresa tem levado ao pagamento, pelo governo de SP, de indenizações a outras empresas que já atuavam no sistema e que agora viram seus contratos serem rescindidos unilateralmente. A legenda ressalta que muitas dessas empresas possuem, inclusive, licitação.
De acordo com a legenda, a VEM ABC, vencedora da licitação para implantação da "Linha 18 - Bronze", e que teve rescisão unilateral do seu contrato, solicitou a arbitragem de um órgão internacional para apurar a indenização a ser paga pelo gestor público e, em suas alegações iniciais, requereu o pagamento de R$ 1,3 bilhões pelo fim injustificado da concessão de 25 anos.
"Valor bem maior, diga-se, do que aquele que pretende pagar o Governo Estadual a essa concessionária a título de indenização", disse o Solidariedade.
Assim, pediu no STF que sejam declarados inconstitucionais os decretos.
Uma simples notinha
A saber, os (incomuns) decretos da gestão Doria/Rodrigo questionados no STF foram assinados em 18 de março de 2021. Na ocasião, a publicação se deu em uma simples notinha no Diário Oficial, que facilmente passaria despercebida.
Voto da relatora
Em seu voto pela procedência da ação, a relatora Cármen Lúcia considerou que os decretos de Doria afrontaram os princípios do dever de se atender à licitação prévia, à legalidade, à moralidade e à impessoalidade.
“Os Decretos ns. 65.574 e 65.575 de 2021, editados pelo Governador de São Paulo, não apenas autorizaram a prorrogação antecipada da concessão do serviço de transporte coletivo intermunicipal por ônibus e trólebus no corredor Metropolitano São Mateus/Jabaquara, prevista no Contrato n. 020/EMTU-SP, mas permitiram a ampliação do objeto da concessão de transporte público coletivo e a modificação do objeto contratual pela incorporação da ‘concessão, a implantação, manutenção e exploração do Sistema BRT-ABC (Bus Rapid Transit) e do Sistema Remanescente, composto pelas linhas intermunicipais alimentadoras e complementares da área de operação’.”
De acordo com a ministra, a justificativa de que a concessão, implantação, manutenção e exploração do sistema BRT-ABC (Bus Rapid Transit) e do sistema remanescente se incorporarão à prorrogação antecipada da concessão do serviço de transporte coletivo no Corredor Metropolitano São Mateus/Jabaquara a título de “novos investimentos” (art. 1º do decreto 65.574/21) não resiste ao teste de constitucionalidade.
“O aporte de investimentos novos pode estar previsto em concessões públicas. Entretanto, não deve importar a alteração do objeto do contrato inicialmente firmado, sob pena de burla à exigência constitucional de licitação prévia para a delegação de serviços públicos pelo poder público (art. 175 da Constituição da República).”
Disse, ainda, que “causa estranheza e não se demonstra fundamentada que a concessionária beneficiada com a prorrogação antecipada assuma toda a chamada Região Remanescente, podendo, inclusive, subcontratar os serviços de operação de transporte de passageiros”.
Leia a íntegra do voto de Cármen Lúcia.
A relatora foi acompanhada por Edson Fachin. Ato contínuo pediu vista o ministro Gilmar Mendes.
Divergência
Com a devolução da vista, Gilmar divergiu da relatora por entender que não houve violação ao princípio da licitação na prorrogação antecipada pelos decretos impugnados.
“Entendo que a assunção de novas obrigações de fazer para investimento em malhas do interesse da Administração Pública não desfigura o objeto do contrato de concessão original. Sendo o contrato de concessão um acordo bilateral que opera no interesse da Administração Pública, nada impede que, de forma acessória à obrigação principal de prestação adequada do serviço dentro da malha licitada, sejam também pactuadas novas obrigações.”
E completou:
“Como destaquei ao votar a ADI n. 5.991, sem embargos da inexistência de vício constitucional na norma, é importante que o aplicador da política pública desenhada seja rigidamente controlado e fiscalizado, a fim de se garantir que a assunção dos compromissos de investimento em malha de interesse da Administração Pública seja opção tão ou mais vantajosa do que o recolhimento de outorga ou do que qualquer outra contraprestação que poderia ser imposta em favor do Poder Público. Pelas razões detalhadas nos pareceres técnicos, parece ser clara a vantajosidade para a administração pública e para a sociedade paulista mediante a assunção de novos investimentos no sistema de transporte pela concessionária Metra.”
Em seguida, o julgamento foi novamente suspenso por pedido de vista, dessa vez de Alexandre de Moraes.
Leia o voto de Gilmar Mendes.
- Processo: ADIn 7.048