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Mãe de filho autista consegue redução de jornada sem prejuízo salarial

A 3ª turma do TRT-17 manteve decisão de 1º grau com base no princípio da dignidade da pessoa humana.

7/5/2023

O acórdão de relatoria da desembargadora Daniele Santa Catarina confirmou decisão da 11ª vara do Trabalho de Vitória/ES, que concedeu a uma empregada pública a redução de 50% de sua carga horária sem diminuição da remuneração mensal e sem compensação de horário. A medida permite que a trabalhadora dedique mais tempo aos cuidados do filho, diagnosticado com TEA - Transtorno do Espectro Autista. 

A assistente administrativa da Cesan - Companhia Espírito-Santense de Saneamento desde 2013, a trabalhadora ajuizou uma ação alegando que sua jornada semanal de 40 horas não permite que ela acompanhe adequadamente o tratamento multiprofissional de seu filho, atualmente com cinco anos, detectado com autismo severo. Ela alega que a redução da carga horária será necessária a fim de dispor de mais tempo para cuidar da criança e garantir que receba os cuidados e atenção necessários. 

A juíza do Trabalho Suzane Schulz Ribeiro concedeu tutela de urgência, determinando a imediata redução da jornada de trabalho da assistente para 20 horas semanais, sob pena de multa diária de R$ 1 mil.

O que diz a Cesan

A empresa recorreu, pedindo que a carga horária fosse diminuída para 25% do tempo, com possibilidade de redução da remuneração e fixação da redução da jornada pelo período de 12 a 24 meses, no máximo.

A Cesan afirma possuir norma interna prevendo a possibilidade de acompanhamento da empregada a todo o tratamento do filho, o que tornaria desnecessária a redução da carga horária.

Além disso, a empresa argumenta que “não há limitação de horário anual para que os empregados que cuidam de familiares com autismo possam se ausentar para acompanhar os tratamentos”. 

Alega, ainda, que a diminuição da carga horária da assistente irá gerar prejuízos à empresa, e, consequentemente, ao próprio interesse público.

A magistrada ressalta ser um dever do Estado, da família e da sociedade a proteção integral da criança e do adolescente.(Imagem: Freepik)

Laudos 

Laudos médicos e psicológicos anexados ao processo atestam que a criança apresenta “atraso no desenvolvimento da fala, dificuldades na socialização, contato visual fugaz, interesses restritos, alterações sensoriais e comportamentos estereotipados” e necessita de tratamento constante com equipe multidisciplinar, com acompanhamento da mãe para estimulação contínua das atividades. 

Consta dos laudos a seguinte sugestão de atividades semanais: fonoaudiologia, psicologia clínica, psicologia ABA, terapia ocupacional, psicopedagogia, nutricionista e equoterapia.

Assim, a relatora conclui que “sem considerar os atendimentos esporádicos (nutricionista e equoterapia), bem como o necessário acompanhamento escolar, mostra-se necessária a realização de 30 horas semanais de atividades, a fim de garantir o regular desenvolvimento do menor”.

Proteção da criança com deficiência

Em seu relatório, a desembargadora pondera que, apesar da inexistência de disposição legal na CLT sobre a diminuição da jornada com manutenção salarial, é necessário examinar a questão sob uma perspectiva ampla, utilizando a legislação infraconstitucional que salvaguarda os direitos da criança e do adolescente, a Constituição Federal e as normas internacionais incorporadas pela Carta Magna. 

A magistrada cita o art. 277 da CF/88, instituindo como um dever do Estado, da família e da sociedade, a proteção integral da criança e do adolescente. 

A relatora considera ainda mais relevante o previsto no decreto 6.949, de 25 de agosto de 2009, o qual “Promulga a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007". Foi o primeiro Tratado Internacional a ser incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro, com força de norma constitucional. 

De acordo com o art. 2º do decreto, “a família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem o direito de receber a proteção da sociedade e do Estado”. As pessoas com deficiência e seus familiares “devem receber a proteção e assistência necessárias para tornar as famílias capazes de contribuir para o exercício pleno e equitativo das pessoas com deficiência".  

O art. 7º da mesma norma estabelece que os Estados devem garantir que as crianças com deficiência recebam as medidas necessárias para usufruir de igualdade de oportunidades. Esse artigo enfatiza que, em todas as ações relacionadas às crianças com deficiência, “o superior interesse da criança deve ser considerado primordial”. 

A relatora fundamenta sua decisão, também, citando, dentre outros, o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Estatuto da Pessoa com Deficiência e o Estatuto dos Servidores Públicos Federais (lei 8.112/90). 

Dignidade da pessoa humana 

Segundo a magistrada, a concessão da carga horária reduzida é respaldada pelo ordenamento jurídico “que lhe garante, em seu conjunto, a oferta de condições especiais para que possa viabilizar o desenvolvimento pleno e adequado de sua criança”. 

Assim, conclui Daniele Santa Catarina, “deve prevalecer a dignidade da pessoa humana do filho da reclamante, que necessita de seu suporte para que possa comparecer às sessões de diversas terapias indispensáveis ao seu melhor desenvolvimento”.

Informações: TRT da 17ª região.

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