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Análise: Caso Americanas é divisor de águas na governança corporativa

Segundo Rodrigo de Grandis, o caso revela uma lacuna de punibilidade - sob o aspecto penal - para a incriminação de comportamentos abusivos e desleais do patrimônio alheio.

24/1/2023

O rombo contábil das Americanas será um divisor de águas no âmbito da governança corporativa. Assim analisa Rodrigo de Grandis, procurador da República (MPF/SP) e professor de Direito Penal.

Segundo o respeitado profissional, sob o aspecto penal, o caso revela uma lacuna de punibilidade. Com efeito, não um tipo para a incriminação de comportamentos abusivos e desleais do patrimônio alheio que causam prejuízos. Como exemplo, ele cita países como Alemanha, Espanha, Itália e Portugal que possuem para essas situações o crime de "infidelidade patrimonial", capaz de alcançar as condutas mais simples - como a gestão do patrimônio de um grupo de estudantes que pretendiam arcar com os custos da formatura - e também as mais complexas, como sucede nas Americanas.

“A infidelidade patrimonial incrimina o comportamento do indivíduo que, tendo um dever de proteção do patrimônio alheio, causa-lhe dolosamente um dano mediante a quebra desse dever. O caso Americanas contempla uma situação de administração do patrimônio alheio (sociedade anônima) e as matérias publicadas até o momento sugerem uma quebra do dever de lealdade na gestão com a consequente produção de prejuízo patrimonial (acionistas).”

Falando de uma forma geral, já que não conhece o caso em seus pormenores, De Grandis acredita que, do ponto de vista estritamente penal, devam ser investigados eventuais crimes contra o mercado de capitais - como "insider trading" - e o potencial envolvimento de terceiros profissionais, como as auditorias externas.

“Em termos político-criminais, se comprovado o dolo na gestão desleal da pessoa jurídica, o caso Americanas, pela sua magnitude, indica a necessidade de uma ampla reforma do ordenamento jurídico-penal para fazer frente a esses comportamentos que incidem sobre o patrimônio alheio. Os tradicionais delitos de estelionato e de apropriação indébita são insuficientes para apreender o injusto de comportamentos como o da Americanas.”

Rodrigo de Grandis, procurador e professor.(Imagem: Reprodução/YouTube)

Caso Americanas - Relembre

Na última quinta-feira, 19, o juiz de Direito Paulo Assed Estefan, da 4ª vara Empresarial do RJ, deferiu o processamento da recuperação judicial do Grupo Americanas, formado pelas sociedades Americanas S/A, B2W Digital Lux S.A.R.L, JSM Global S.À.R.L e ST Importações Ltda. O magistrado designou a Preserva-Ação Administração Judicial e o escritório de advocacia Zveiter para exercerem a administração judicial do processamento.

Com a decisão, ficam suspensas todas as execuções financeiras contra o Grupo Americanas.

O magistrado ressaltou que segue vigente a decisão liminar concedida, antes do pedido de recuperação judicial apresentado pelo Grupo Americanas, ressalvada a decisão de concessão do mandado de segurança apresentado pelo credor banco BTG Pactual.

“Confirmo integralmente a liminar concedida cautelarmente na decisão constante do index 42086539, determinando que: (a) sejam suspensas todas as ações e execuções existentes contra as Requerentes, bem como a exigibilidade dos créditos concursais; (b) sejam sobrestados os efeitos de toda e qualquer cláusula que imponha vencimento antecipado das dívidas das Requerentes, em decorrência do fato relevante publicado em 11.1.2023, inclusive como medida de isonomia para a coletividade de credores e respeito a par conditio creditorum; (c) sejam suspensas ordens de arresto, penhora, sequestro, busca e apreensão e constrição sobre os bens, oriundas de demandas judiciais ou extrajudiciais, o que deverá ser previamente submetido a este Juízo, sobretudo se puderem prejudicar ou inviabilizar o processo de recuperação judicial das Requerentes; e (d) a proibição de compensação de quaisquer valores, com a imediata restituição de todo e qualquer valor que os credores eventualmente tiverem compensado, devendo ser observadas integralmente todas as decisões superiores proferidas em sede de recurso interposto por credores, notadamente a liminar concedida no Mandado de Segurança nº 0001758-09.2023.8.19.0000.”

O pedido de recuperação judicial foi apresentado pelo Grupo Americanas que divulgou ter constatado "inconsistências contábeis", referentes aos exercícios anteriores do grupo, incluindo o ano de 2022, podendo refletir o montante aproximado de R$ 20 bilhões.

O grupo alegou que tais inconsistências exigirão reajustes nos lançamentos da Companhia, o que poderá impactar nos resultados finais divulgados nos respectivos exercícios anteriores, com alteração do grau de endividamento da empresa e/ou volume de capital de giro, implicando, por via reflexa, no descumprimento de contratos, inclusive estrangeiros, acarretando o vencimento antecipado e imediato de dívidas no montante de R$ 40 bilhões.

“Com efeito, trata-se de uma das maiores e mais relevantes recuperações judiciais ajuizadas até o momento no país, não só por conta do seu passivo, mas por toda a repercussão de mercado que a situação de crise das requerentes vem provocando e, por todo o aspecto social envolvido, dado o vultoso número de credores, de empregados diretos e indiretos dependentes da atividade empresarial ora tutelada, bem como o relevante volume de riqueza e tributos gerados.” 

O magistrado chamou a atenção sobre as consequências de uma eventual quebra do Grupo Americanas, não somente para o setor financeiro, como para a própria população.

“Como pontuado no requerimento de Recuperação Judicial, a eventual quebra do Grupo Americanas pode acarretar o colapso da cadeia de produção do Brasil, com prejuízos em relevantes setores econômicos, afetando mais de 50 milhões de consumidores, colocando em risco dezenas de milhares de empregos.”

Ainda segundo a decisão, o “Juízo está ciente das questões que já vêm sendo debatidas nestes autos e em recursos, por parte de credores detentores de expressivo relevo econômico, notadamente em relação às alegações de fraude e má-fé, que deverão ser apuradas em sede própria para a identificação dos seus eventuais responsáveis. Contudo, não se pode confundir nestes autos eventuais responsabilidades e atos praticados por gestores e/ou controladores com a necessária proteção da atividade econômica empresarial, que visa garantir a manutenção da fonte produtora, das dezenas de milhares de empregos diretos e indiretos e, por óbvio, o próprio interesse dos credores, preservando a empresa, sua função social e estimulando a atividade econômica produtiva, tudo nos termos do artigo 47 da Lei nº 11.101/20”.

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