As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal promulgaram no final da noite desta quarta-feira, 21, a PEC da Transição (PEC 32/22), que permite ao novo governo aumentar em R$ 145 bilhões o teto de gastos no Orçamento de 2023 para bancar despesas como o Bolsa Família, o Auxílio Gás, a Farmácia Popular e outras políticas públicas.
A sessão solene do Congresso para promulgação foi realizada no mesmo dia em que Câmara e Senado aprovaram a proposta. A PEC foi promulgada como Emenda Constitucional 126.
O presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco, afirmou que o Estado brasileiro deve ser capaz de garantir à população economicamente menos favorecida um mínimo de bem-estar durante os momentos de maiores crises e dificuldades financeiras da população. Ele lembrou que o Brasil tem 33 milhões de pessoas passando fome.
“Diante desse cenário, retorna ao topo da agenda pública nacional a necessidade de fortalecimento das políticas de amparo aos mais necessitados, de combate à fome e à miséria”, disse.
A PEC foi aprovada na forma de um substitutivo do relator, deputado Elmar Nascimento. De acordo com o texto, o espaço orçamentário não valerá para 2024 como constava da PEC original de autoria do Senado.
Outra alteração feita decorre do acordo entre as lideranças partidárias e o governo eleito para alocar os recursos das emendas de relator-geral do Orçamento 2023, consideradas inconstitucionais pelo STF. Pelo acordo, esses recursos serão rateados entre emendas individuais e programações de execução discricionária pelo Executivo (de execução não obrigatória).
Segundo o texto aprovado, o relator-geral poderá apresentar até R$ 9,85 bilhões em emendas para políticas públicas (50,77% dos R$ 19,4 bilhões das emendas de relator consideradas inconstitucionais).
A outra metade foi direcionada para emendas individuais, que passam de R$ 11,7 bilhões em 2023 (R$ 19,7 milhões por parlamentar) para cerca de R$ 21 bilhões.
Daqui em diante, o valor global também aumenta, de 1,2% da receita corrente líquida da União para 2%. Entretanto, a divisão não será mais igualitária entre senadores e deputados. A Câmara ficará com 77,5% do valor global das emendas individuais; e o Senado, com 22,5%.
Regra de ouro
O texto da PEC 32/22 também dispensa o Poder Executivo de pedir autorização do Congresso para emitir títulos da dívida pública para financiar despesas correntes nesse montante de R$ 145 bilhões no próximo ano, contornando a chamada “regra de ouro”. Os recursos ficarão de fora ainda da meta de resultado primário.
Segundo o senador Marcelo Castro, primeiro signatário da PEC e relator-geral do Orçamento para 2023, R$ 70 bilhões serão destinados ao Bolsa Família, que retorna no lugar do Auxílio Brasil no valor de R$ 600 por mês mais uma parcela adicional de R$ 150 para cada criança de até seis anos em todos os grupos familiares atendidos pelo programa.
O valor adicional complementa o montante já constante do Orçamento, que daria para pagar um benefício de R$ 405 no próximo ano.
Os outros R$ 75 bilhões, segundo o relator, poderão ir para despesas como políticas de saúde (R$ 16,6 bilhões), entre elas o programa Farmácia Popular e o aumento real do salário mínimo (R$ 6,8 bilhões).
Ações diretamente voltadas a políticas públicas para mulheres, como combate à violência doméstica e familiar, deverão constar no uso dessa margem aberta.
Para 2023, todas as despesas novas custeadas com a abertura dessa folga orçamentária serão incluídas por Castro a pedido das comissões permanentes do Congresso (como a de Orçamento) e da Câmara e do Senado. Informalmente, a equipe de transição também poderá fazer solicitações.
Essas emendas de relator não estarão sujeitas aos limites aplicáveis às demais emendas no projeto de lei orçamentária.
Bolsa Família e Auxílio Gás
Exclusivamente para o ano de 2023, a PEC permite que os gastos relativos ao Bolsa Família e ao Auxílio Gás dos Brasileiros não sigam limitações da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Essa lei exige que a proposta de criação, expansão ou aperfeiçoamento de ação governamental com aumento da despesa deverá ser acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro e de compensação com redução de outras despesas ou aumento de receita arrecadada, se for o caso.
“É fato a necessidade de assegurar recursos para o Bolsa Família e o aumento maior do salário mínimo. Essa PEC garante o mesmo orçamento do ano passado para a recuperação de programas como o Farmácia Popular e os recursos para as instituições federais de ensino”, afirmou o relator.
Forma de cálculo
O relator da PEC, Elmar Nascimento, mudou ainda a forma de encontrar a base de cálculo para saber, a cada ano, quanto será direcionado às emendas individuais obrigatórias.
Atualmente, o valor global é encontrado aplicando-se o percentual sobre a receita corrente líquida prevista no projeto de lei orçamentária encaminhado pelo Poder Executivo, que ocorre sempre no ano anterior ao da execução.
Já a obrigatoriedade de executar as emendas leva em conta o mesmo percentual aplicado sobre a receita corrente líquida realizada no exercício anterior.
Com a nova regra, para se encontrar o valor global das emendas individuais deverá ser aplicado o índice de 2% sobre a receita corrente líquida do exercício anterior ao do encaminhamento do projeto. Continua a vinculação de metade dos valores para ações e serviços públicos de saúde.
Restos a pagar
No caso dos restos a pagar, que são as despesas para as quais existe comprometimento de pagamento por parte do governo e referentes a exercícios anteriores, o texto aumenta de 0,6% para 1% da receita o montante total que pode ser considerado para execução das emendas parlamentares.
A referência também será a receita corrente líquida do exercício anterior ao do encaminhamento do projeto de lei orçamentária.
Correção do teto
Desde a criação do novo regime de gastos, que criou o teto baseado na correção pelo IPCA, as emendas parlamentares também estão submetidas à mesma regra para se chegar ao valor do ano seguinte.
Porém, com o aumento de 1,2% para 2% da receita corrente líquida, a regra de correção pelo IPCA não será usada para o Orçamento de 2023, devendo voltar a ser aplicada a partir de 2024 e até o fim do novo regime fiscal, se substituído pela lei complementar de um regime fiscal sustentável. Segundo o texto da PEC, essa lei complementar está prevista para tramitar a partir do próximo ano.
Investimentos
Como regra permanente, inclusive para 2022, a PEC exclui do teto de gastos 6,5% do excesso de arrecadação de receitas correntes verificado no ano anterior, limitado, em todos os exercícios, ao montante calculado em relação ao excesso de 2021, equivalente a R$ 22,9 bilhões.
O dinheiro poderá ser usado apenas em despesas com investimentos, mas essa exclusão do teto abre margem para uso do mesmo valor em outras finalidades, até mesmo em mais investimentos.
Embora continue, em todos os exercícios, dentro da meta de resultado primário (projetada em déficit de R$ 170,5 bilhões para 2022), o valor ficará de fora do resultado primário projetado para 2023, de R$ 65,9 bilhões negativos.
Novo regime
A PEC determina que o presidente da República encaminhe ao Congresso Nacional, até 31 de agosto de 2023, projeto de lei complementar com o objetivo de instituir um novo regime fiscal “sustentável para garantir a estabilidade macroeconômica do País e criar as condições adequadas ao crescimento socioeconômico”.
Segundo a Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão atrelado ao Senado Federal, no governo Bolsonaro houve cinco alterações das regras do teto que somam um impacto fiscal de R$ 213 bilhões em relação ao desenho original.
A PEC especifica que, após a sanção do projeto, oito artigos do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) sobre o teto serão revogados.
Esses artigos tratam das regras gerais do teto; dos limites de gastos para cada Poder e órgão da União; das restrições adicionais a despesas com pessoal, se a proporção da despesa obrigatória primária em relação à despesa primária total for superior a 95%; do piso menor para gastos constitucionais obrigatórios em saúde e educação públicas; da correção do valor global de emendas parlamentares pelo IPCA; da suspensão de tramitação no Legislativo de proposta para análise de sua compatibilidade com o teto de gastos; e da desobrigação do governo de pagamento futuro de despesas adiadas pela aplicação do teto.
Receitas próprias
A proposta de emenda à Constituição também deixa de fora do teto de gastos despesas custeadas com receitas próprias ou doações para certas finalidades. A ideia é evitar que essas receitas sejam contingenciadas para cumprir o teto de gastos, já que o aumento de receitas obtido dessa forma não implica em igual aumento de limite de despesas.
O texto lista três casos em que isso será possível:
despesas com projetos socioambientais ou relativos às mudanças climáticas, como os do Fundo Amazônia, a ser abastecido com doações da Noruega e da Alemanha, e com projetos custeados por recursos obtidos em razão de acordos judiciais ou extrajudiciais relativos a desastres ambientais (por exemplo, o caso Brumadinho);
despesas das instituições federais de ensino e das Instituições Científicas, Tecnológicas e de Inovação (ICTs) custeadas por receitas próprias, de doações ou convênios e contratos assinados com estados e municípios ou entidades privadas; e
despesas da União com obras e serviços de engenharia custeadas com recursos transferidos por estados e municípios, a exemplo de obras realizadas pelo batalhão de engenharia do Exército em rodovias administradas por esses governos.
Na versão aprovada pela Câmara, Elmar Nascimento excluiu a exceção dada às despesas de projetos de investimento em infraestrutura de transporte com recursos captados junto a organismos multilaterais, como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (Bird) e o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB, na sigla em inglês), criado pelo grupo Brics.
Contas do PIS/Pasep
A PEC 32/22 permite também ao Executivo incorporar, para gastos em investimentos e por fora do teto de gastos, recursos não sacados dos antigos fundos do PIS/Pasep vinculados a trabalhadores com carteira assinada entre 1971 e 1988.
Desde 2019, foi autorizado o saque fora das situações legais até então, como aposentadorias ou doenças graves. Entretanto, em agosto de 2022 ainda havia um estoque de cerca de R$ 24 bilhões à espera de resgate.
De acordo com o texto, serão apropriados pelo Tesouro Nacional os valores não reclamados por prazo superior a 20 anos. Entretanto, a proposta não especifica a partir de que momento será contado esse prazo.
As contas em vias de serem liquidadas a favor do Tesouro serão publicadas no Diário Oficial da União. Os interessados terão 60 dias para reivindicar o dinheiro. Após esse prazo, as contas serão encerradas, mas dentro dos cinco anos seguintes o trabalhador ou seu herdeiro poderá pedir ressarcimento à União.
Na única votação de destaques de hoje, o Plenário manteve no texto da PEC a permissão para o governo incorporar, para gastos em investimentos e por fora do teto de gastos, recursos não sacados dos antigos fundos do PIS/Pasep vinculados a trabalhadores com carteira assinada entre 1971 e 1988. O destaque foi apresentado pelo Novo.
Outros pontos
Confira outros pontos da PEC da Transição:
doações a projetos socioambientais, a projetos para mitigar os efeitos das mudanças climáticas e às instituições federais de ensino estarão isentas de pagar o imposto estadual sobre doações (ITCMD);
prorrogação de 31 de dezembro de 2023 para 31 de dezembro de 2024 do prazo final da Desvinculação de Receitas da União (DRU), de 30% da arrecadação de contribuições sociais, de contribuições de intervenção no domínio econômico e de taxas, permitindo o uso desses recursos em outras finalidades;
devido à previsão de novas regras de teto fiscal por meio de lei complementar e revogação do texto constitucional, regras atuais de correção monetária de valores de precatórios são incluídas no dispositivo que trata dos novos limites de pagamento dessas despesas (Emenda Constitucional 114, de 2021).
Informações: Agência Câmara de Notícias.