O STM manteve a condenação de um sargento da Marinha do Brasil, integrante da missão de Paz da ONU no Líbano por abuso sexual cometido contra duas mulheres libanesas e de divulgação de imagens via aplicativo de mensagens.
Na primeira instância da Justiça Militar da União, em Brasília, o sargento foi condenado a quatro anos, cinco meses e 22 dias de reclusão. A ação penal correu em segredo de Justiça.
Na mesma sentença, o militar também recebeu do Conselho Permanente de Justiça, da 1ª Auditoria Militar de Brasília, a pena acessória de exclusão das Forças Armadas. Ele foi acusado pelos crimes constranger alguém, sob ameaça, a manter ato libidinoso diverso da conjunção carnal, crime previsto artigo 233 de Código Penal Militar e por divulgação de cena íntima sem autorização, crime previsto no artigo 218-C do Código Penal Brasileiro.
O graduado, que fazia parte do contingente brasileiro da ONU, compondo os chamados blue helmets, onde os membros representam, em primeiro plano, a Organização das Nações Unidas, e, depois, o seu país, teve a pena aumentada em um quinto, justamente por representar a ONU e o Brasil.
O caso ocorreu entre abril e junho de 2019. Segundo o Ministério Público Militar, o sargento, durante o desempenho de suas funções na missão da Força Interina das Nações Unidas no Líbano conheceu duas mulheres, por meio de um aplicativo de relacionamento, mantendo íntimo relacionamento com ambas. Em determinado momento, constrangeu uma delas, mediante violência e sem consentimento, a praticar consigo ato libidinoso, abusando da confiança nele depositada pela vítima.
O militar também teria transmitido a terceiro, via aplicativo de mensagens, sem o consentimento da ofendida, cena de sexo, envolvendo a vítima, identificando-a expressamente como sua namorada. Em juízo, o militar negou a prática de agressão ou violência e não esclareceu o tipo de relacionamento que mantinha com a ofendida.
A juíza Federal da Justiça Militar da União Flávia Ximenes Aguiar, que presidiu o Conselho de Justiça, composto por mais quatros oficiais da Marinha, arguiu, em seu voto, que a Defesa do militar sustentou que não haveria prova de que a imagem analisada no processo fosse de uma das vítimas, a fim de justificar a invocação do princípio do in dubio pro reo.
Entretanto, afirmou a juíza, mesmo que a imagem não estivesse suficientemente associada à mulher, a contraprova, aventada pela defesa, somente seria possível por intermédio de violação íntima ainda maior em relação a ofendida, a exigir (o inexigível) que a ofendida, ou mesmo outra pessoa que recebeu as imagens, apresentasse suas partes íntimas para serem comparadas com a foto divulgada, a fim de contradizer a associação de imagens feita.
"Impensável tal possibilidade. Ora, se ele manda uma foto de rosto, abraçado com a vítima, dizendo que esta é a 'minha namorada libanesa' e, depois, manda uma foto, mantendo conjunção carnal, e afirma ser esta a sua namorada, então, restou configurada a violação da intimidade da libanesa, uma vez que a imagem do ato sexual foi a ela atribuída, sem chance, no repasse da imagem, de qualquer contestação."
Para a magistrada, todo o arcabouço probatório apontou no sentido de que o acusado, com consciência e vontade, transmitiu o registro fotográfico de cena de sexo, identificando como sendo ele próprio com a libanesa, sem que houvesse consentimento para tal associação de imagens e divulgação.
"Restou evidente que o sargento era 'habitué' e vezeiro em aplicativos de relacionamento e expôs o bom nome da Força de Paz e do Brasil ao se envolver, de forma leviana e irresponsável, com as locais, sem um mínimo de preocupação com o desenrolar de suas aventuras, a ponto de a ONU ter acionado as cláusulas do Memorandum of Understanding, para que o Brasil tomasse as providências sobre a noticia criminis registrada naquele Organismo Internacional."
Os demais juízes do CPJ seguiram o voto da magistrada e condenaram o réu, ao qual foi assegurado o direito de recorrer em liberdade.
Recurso do STM
Inconformada com a sentença, a defesa do sargento recorreu ao Superior Tribunal Militar, entre outros, questionando e arguindo haver debilidade do diálogo em língua estrangeira; de haver um relacionamento amoroso entre a vítima e o militar; e da exigência de laudo pericial nos crimes que deixam vestígio.
Na Corte, houve pedido de vista e interpretações divergentes. Por fim, por maioria de votos, a Corte seguiu o voto do ministro Artur Vidigal de Oliveira, que manteve a sentença de primeira instância.
O tribunal não informou o número do processo.