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Arbitragem: Quando chega à Justiça aquilo que não deveria chegar

Disputa da Eldorado Celulose entre a J&F Investimentos e a Paper Excellence levanta debate sobre uso arbitragem, manifestação fora dos autos e recurso ao Judiciário quando o procedimento arbitral parece viciado.

21/2/2022

Quando era presidente do STF, o ministro Dias Toffoli foi alvo de críticas por não responder a diversas perguntas relacionadas a processos polêmicos. A resposta taxativa do ministro era de que, enquanto julgador ou presidente da Corte, não poderia se manifestar fora dos autos. É, aliás, o que diz a Loman, resoluções do CNJ e o bom senso: juiz fala nos autos.

Mas, e quando o caso se desenrola por meio de Tribunal Arbitral? As vedações seriam as mesmas?

Nesta reportagem, Migalhas levanta questões complexas a partir de um caso que, originalmente, deveria ser solucionado em meio arbitral, mas acabou aportando no Judiciário. Trata-se da disputa bilionária pelo controle da Eldorado Celulose.

Arbitragem: Quando chega à Justiça aquilo que não deveria chegar.(Imagem: Pixabay)

A escolha da arbitragem

Em 2017, a J&F Investimentos resolveu vender a Eldorado Celulose para a Paper Excellence. O negócio foi fechado, mas na efetivação da venda houve um agastamento: a J&F acusou a Paper de descumprir prazos e garantias; a Paper, por seu turno, afirmou que a J&F estava dificultando a conclusão do negócio porque teria desistido da venda.

Lide formada, as partes deliberaram, então, (como constava no contrato) resolver os desentendimentos do negócio em Tribunal Arbitral, método geralmente escolhido por ser mais célere e menos burocrático do que o trâmite judicial. A propósito, há pesquisas que apontam o crescimento médio anual de 20% da arbitragem no Brasil.

Para quem não é familiarizado com os trâmites da arbitragem, explicamos: as partes podem escolher, livremente, as regras de direito que serão aplicadas na arbitragem, desde que não haja violação aos bons costumes e à ordem pública. Isso está na lei da arbitragem, a lei 9.307/96.

Em geral, a composição da mesa julgadora é feita por três membros: dois deles são indicados pelas partes envolvidas no processo (cada uma escolhe um), e o terceiro membro é escolhido, em comum acordo, pelos árbitros apontados.

Mas voltemos à disputa pelo controle da Eldorado Celulose.

Em fevereiro de 2021, a Corte arbitral da International Chamber of Commerce (ICC Brasil) decidiu, por 3x0, que o grupo J&F teria de vender o restante final da Eldorado Celulose à Paper Excellence. Foi a partir dessa decisão que o caso foi judicializado.

Não era para chegar, mas chegou

Após a decisão arbitral, a J&F propôs ação declaratória de nulidade da sentença pleiteando a anulação do resultado. O grupo brasileiro alegou vícios e ilegalidades por uma possível quebra de imparcialidade de um dos árbitros. O que se seguiu, posteriormente, foi uma série de decisões judiciais que, ora suspendiam o negócio, ora o liberava:

Nessa última decisão, o desembargador paulista José Araldo da Costa Telles -  recentemente falecido para tristeza da família forense bandeirante, que muito o estimava - entendeu que a suspensão era, sim, "necessária para preservação do resultado útil".

Pode isso?

No início dessa reportagem, falamos sobre a conduta de julgadores de se manifestarem apenas nos autos do processo. E perguntávamos se, no instituto da arbitragem, dá-se da mesma forma que no Judiciário: juiz só deve falar nos autos. A resposta é inevitavelmente "sim". Devem os árbitros, assim como os magistrados togados, não se manifestarem sobre processo sob sua tutela, ou sob responsabilidade da Corte que integra. 

Notícias recentes, no entanto, dão a entender que isso não tem ocorrido no caso da arbitragem da Eldorado.

A revista Veja desta semana, ao final de longa matéria em que traz a discussão acerca de uma não revelação que deveria obrigatoriamente ter sido feita por um dos árbitros do caso, inclui uma informação curiosa.

Conta o hebdomadário que, em dezembro, p.p., durante evento sobre desafios da arbitragem realizado em Miami, Debora Visconte, que vem a ser a presidente da Comissão de Arbitragem da Câmara Internacional do Comércio ICC (a mesma câmara que proferiu decisão contra a J&F) comentou publicamente o caso.

Em áudio que circula nas redes sociais, é possível ouvi-la fazendo comentários sobre a liminar do desembargador José Araldo da Costa Telles: “nas reviravoltas do Judiciário, essa sentença [a que autorizava a venda da Eldorado] foi suspensa por uma decisão do Tribunal de Justiça (...). Nós estamos esperando que o TJ reverta essa decisão e confirme” a decisão arbitral.

Para se ter um grau de comparação, seria como se o presidente de um Tribunal falasse que espera que um recurso qualquer, que tramita numa das turmas da Corte a qual preside, seja provido. 

E o que mais será que vem por aí?

Ainda de acordo com a revista Veja, a partir de hoje, 21, iniciam-se as audiências de instrução do processo para colocar um ponto final nesse vultoso litígio.

A juíza do caso é a dra. Renata Mota Maciel, da 2ª vara Empresarial e Conflitos de Arbitragem de SP. 

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