Migalhas Quentes

STF julga descontos lineares em contratos educacionais na pandemia

O julgamento teve início na semana passada, com as manifestações das partes e o voto preliminar da ministra Rosa Weber.

17/11/2021

O plenário do STF prosseguiu, nesta quarta-feira, 17, com o julgamento de ações que discutem a validade de decisões judiciais que concedem desconto linear nas mensalidades de universidades durante o estado de emergência decorrente da pandemia da covid-19.

Duas ações pedem a suspensão de todas as decisões judiciais que concederam compulsoriamente desconto linear nas mensalidades das universidades durante a pandemia da covid-19. Na pandemia, Migalhas noticiou algumas decisões de Tribunais, que concederam (ou mantiveram) descontos de de 30%50%, nas mensalidades escolares.

O julgamento da semana passada contou com as manifestações das partes e o voto preliminar da ministra Rosa Weber, a relatora. O mérito começou a ser julgado hoje, com os votos da relatora, Gilmar Mendes, Nunes Marques e Alexandre de Moraes. A análise continuará na próxima sessão.

Plenário do STF.(Imagem: Reprodução)

Ações

As arguições foram ajuizadas pelo Crub - Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras, que representa 130 universidades, centros universitários e faculdades, e pela Anup - Associação Nacional das Universidades Particulares, autora da ADPF 713. As duas entidades pedem o deferimento de medida liminar com urgência, devido ao risco decorrente dos descontos obrigatórios em mensalidades, semestralidades e anuidades escolares.

As duas entidades pedem o deferimento de medida liminar com urgência, devido ao risco decorrente dos descontos obrigatórios em mensalidades, semestralidades e anuidades escolares.

Nas iniciais, por exemplo, as instituições citam que tanto no Rio de Janeiro, quanto em Alagoas, aplicaram-se os descontos de maneira linear, "independentemente de demonstração específica de redução de custos ou da real necessidade econômico-financeira de estudantes e responsáveis".

O Conselho e a Instituição argumentam que a imposição dos descontos lineares retira das instituições de ensino superior a possibilidade de negociar com os estudantes individualmente, buscando atendê-los em suas necessidades.

Consideram ainda a medida injusta, pois o desconto compulsório pode beneficiar alguém que não teve perda de renda e ser insuficiente para outro estudante em situação de maior vulnerabilidade.

Livre iniciativa

Rosa Weber ressaltou que as decisões judiciais impugnadas interferem todos os contratos de modo linear, geral e abstrato, sem apreciação das peculiaridades de cada vença, a fim de perquirir a real configuração de abusividade ou desequilíbrio por fato imprevisível e externo a relação contratual. Para a ministra, tal postura fere a livre iniciativa.

“Outra interpretação resultaria se as decisões fossem prolatadas mediante um real juízo de ponderação das circunstâncias fáticas singulares a culminar na efetiva proteção de um consumidor-estudante preciso, delimitado, concreto. Nessa hipótese, que não deflui da verificação das decisões indicadas na presente arguição, prevaleceria – após balancear a livre iniciativa com a proteção ao consumidor – a proteção à vulnerabilidade eventualmente constatada quanto ao consumidor, sujeito a um concreto ônus excessivo decorrente de uma externalidade.”

A ministra salientou que há aplicação da presunção de prejuízo automático a uma das partes que enceta, consequentemente, a intervenção no domínio privado das instituições de ensino, que passaram a sofrer a imposição da redução das contraprestações devidas pelo serviço educacional e, por conseguinte, a diminuição de receita.

Rosa destacou que a imposição de descontos lineares desconsidera as peculiaridades de cada contrato individualmente considerado e viola a livre iniciativa, por impedir a via da renegociação entre as respectivas partes envolvidas.

Equiparação

A ministra salientou em seu voto que a redução de mensalidades de cursos presenciais para que correspondam aos valores cobrados para cursos ministrados por modalidade de educação à distância, formatados previamente à pandemia, não obedece a uma necessária equiparação.

Isso porque, segundo S. Exa., a transposição de um curso outrora prestado presencialmente para o formato remoto, transmitido por meios digitais com aulas síncronas e participação ativa, não o iguala necessariamente aos cursos oferecidos por educação a distância.

Rosa Weber concluiu que há cautela e equilíbrio na imposição de descontos lineares pelos órgãos do Poder Judiciária.

“Embora haja, nitidamente, a intenção de amenizar situação de econômica crise gerada pela pandemia, a presunção de perda do poder aquisitivo de alunos e responsáveis, de um lado, e de recebimento de contraprestação muito superior ao serviço prestado, do outro, demonstra a falta de real mitigação dos efeitos da crise, que pode afetar, saliento, as duas partes contratantes, à míngua de política pública de assistência a determinados setores sociais e econômicos.”

Diante disso, conheceu parcialmente da ADPF 706 e, na parte conhecida, julgou procedente o pedido para afirmar a inconstitucionalidade das interpretações judiciais que determinam às instituições a concessão de descontos lineares nas contraprestações dos contratos educacionais.

Propôs a seguinte tese: “1. É inconstitucional decisão judicial que, sem considerar as circunstâncias fáticas efetivamente demonstradas, deixa de sopesar os reais efeitos da pandemia em ambas as partes contratuais, e determina a concessão de descontos lineares em mensalidades de cursos prestados por instituições de ensino superior. 2. Para a caracterização da vulnerabilidade econômica e da onerosidade excessiva em contratos de prestação de serviços educacionais de nível superior em razão da pandemia, é imprescindível a apreciação: (i) das características do curso; (ii) das atividades oferecidas de forma remota; (iii) da carga horária mantida; (iv) das formas de avaliação; (v) da possibilidade de participação efetiva do aluno nas atividades de ensino; (vi) dos custos advindos de eventual transposição do ensino para a via remota eletrônica; (vii) do investimento financeiro em plataformas de educação remota, em capacitação de docentes e em outros métodos de aprendizagem ativa e inovadora que respeitem o isolamento social requerido para minorar a propagação viral; (viii) da alteração relevante dos custos dos serviços de educação prestados; (ix) da existência de cronograma de reposição de atividades práticas; (x) da perda do padrão aquisitivo da(o) aluna (o) ou responsável em razão dos efeitos da pandemia; (xi) da existência de tentativa de solução conciliatória extrajudicial”.

Na visão da ministra, a decisão não produz efeitos automáticos em processos com decisão transitada em julgado.

Divergência

Gilmar Mendes divergiu na conclusão do voto da relatora. Para o ministro, a revisão, pela via da ADPF, de decisões judiciais, que na análise de casos concretos, decidem acerca dos pressupostos fáticos da teoria de imprevisibilidade na relação jurídica contratual consumerista, requer uma postura de alto contenção judicial, quer se debatam os limites da novel legislação realizada pelo Poder Legislativo, quer se observe a complexidade inerente ao tema.

“Essa Corte tem observado a necessidade de observância das diretrizes da lei 14.010/20 no que se refere a redução das mensalidades na rede privada de ensino durante a pandemia.”

Assim, o ministro concluiu pelo conhecimento em parte das ADPFs e, nessa extensão, pela procedência em parte dos pedidos apenas para assentar a inconstitucionalidade das interpretações judiciais que, sem a analise da aplicação do art. 6º, inciso V, do CDC, dos arts. 317, 478, 479 do CC, ou dos art. 6º e 7º da lei 14.010, determinam às instituições de ensino superior a concessão de descontos lineares nas contraprestações dos contratos educacionais, desconsiderando as peculiaridades dos efeitos da crise pandêmica em ambas as partes contratuais envolvidas na lide.

Alexandre de Moraes acompanhou o voto de Gilmar Mendes.

Nunes Marques votou para julgar improcedente as ações.

Devido a pequenas divergências nos votos de Rosa Weber e de Gilmar Mendes, a relatora considerou abrir mão dos critérios que fixou na tese. Assim, Rosa Weber cogitou estabelecer outra proposta ao plenário após os demais votos dos ministros.

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