Os ministros também julgaram inconstitucionais normas previstas no CTN e na lei 6.830/80, que disciplinavam hierarquia entre os entes federados. Veja como cada ministro se manifestou:
- Hierarquia em normas infraconstitucionais
A ação foi proposta em 2015 pelo governo do DF contra o art. 187 do CTN e contra o art. 29 da lei 6.830/80, que estabelecem uma "hierarquia" na ordem de recebimento de créditos, tendo a União a precedência no recebimento de valores em relação aos Estados e ao DF, e estes precedência em relação aos municípios.
Eis o teor dos dispositivos impugnados:
CTN:
Art. 187. A cobrança judicial do crédito tributário não é sujeita a concurso de credores ou habilitação em falência, recuperação judicial, concordata, inventário ou arrolamento.
Parágrafo único. O concurso de preferência somente se verifica entre pessoas jurídicas de direito público, na seguinte ordem:
I - União;
II - Estados, Distrito Federal e Territórios, conjuntamente e pró rata;
III - Municípios, conjuntamente e pró rata.
Lei 6.830/80:
Art. 29 - A cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública não é sujeita a concurso de credores ou habilitação em falência, concordata, liquidação, inventário ou arrolamento
Parágrafo Único - O concurso de preferência somente se verifica entre pessoas jurídicas de direito público, na seguinte ordem:
I - União e suas autarquias;
II - Estados, Distrito Federal e Territórios e suas autarquias, conjuntamente e pro rata;
III - Municípios e suas autarquias, conjuntamente e pro rata.
Para o governo do DF, as normas violam as Constituição porque não obedecem o princípio da paridade federativa, "estando a União em um nível hierárquico superior aos demais".
- Contra a preferência
Cármen Lúcia, relatora, afirmou que só é válido um critério distintivo para a execução fiscal quando previsto e justificado constitucionalmente. Nesse sentido, ao analisar as leis impugnadas, a ministra observou que a diferenciação prevista nas leis impugnadas não é feita pela norma constitucional, mas por regras infraconstitucionais. Ademais, a relatora frisou que não se comprova a finalidade constitucional e legítima buscada para distinção nas execuções.
A ministra reconheceu que há precedentes no STF que assentam a hipótese de hierarquia entre entes federados, sintetizados na súmula 563 do STF. No entanto, Cármen Lúcia observou que tais entendimentos foram sedimentados em 1967, portanto, antes da Constituição Federal Cidadã. A súmula dispõe o seguinte:
O concurso de preferência a que se refere o parágrafo único do art. 187 do Código Tributário Nacional é compatível com o disposto no art. 9º, I, da Constituição Federal.
Ao considerar estes pontos, a ministra, então, votou por declarar a não recepção pela Constituição da República das normas impugnadas e, por conseguinte, votou pelo cancelamento da súmula 563.
Na mesma linha, Nunes Marques observou que as normas impugnadas têm um potencial de frustação de créditos estaduais e municipais, "prejudicando o próprio pacto federativo, que estariam impossibilitados de dar proessguimento as suas próprias execuções". O ministro explicou que a Constituição de 1988 trouxe uma “evolução normativa” para trazer maior protagonismo aos outros entes nacionais e vedar discriminação entre Estados e municípios.
O ministro também analisou a súmula 563: “não há como defender-se que o substrato normativo a amparar os precedentes que deram origem a súmula 563 permaneçam inalterados”.
Alexandre de Moraes frisou que a Constituição de 1988 pretendeu descentralizar o federalismo: “o legislador apostou em um real federalismo”, disse o ministro. Moraes esclareceu que a CF/88 elevou o município de forma categórica a ente federativo e ampliou as competências concorrentes.
“A União não é mais que os Estados, que por sua vez, não são hierarquicamente superior aos municípios.”
Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Ricardo Lewandowski e a ministra Rosa Weber concordaram integralmente com o voto da relatora. Em breves posicionamentos externalizados, os ministros ressaltaram a importância do federalismo e a ausência de hierarquia entre os entes.
Marco Aurélio registrou que não deve haver preferência entre qualquer dos entes federados, mas paridade dos créditos. Além disso, o decano também concordou com a derrubada da súmula 563 do STF: “está na hora de se rever a matéria e suplantar o enunciado".
Último a votar, Luiz Fux afirmou que a presente discussão revela que o Direito não é "um museu de princípios". O presidente da Corte explicou que se está diante de uma "verdadeira superação", ante à analise de normas de 1980 e 1966. Nessa esteira, o ministro seguiu a relatora, até mesmo, pelo cancelamento da súmula 563.
- A favor da preferência em créditos tributários
Dias Toffoli, por outro lado, julgou totalmente improcedente a ação para entender que, sim, a União deve ter preferência em execuções fiscais. Para o ministro, as normas impugnadas prestigiam a dimensão fiscal do pacto federativo, a fim de se promover o equilíbrio socioeconômico entre os Estados e os municípios.
Para Gilmar Mendes, o desenho federativo brasileiro admite e tolera, pelo menos quanto aos créditos tributários, a ideia de precedência dos entes administrativamente maiores da Federação.
“Mais do que expressão do federalismo cooperativo, a conformação do rateio de recursos tributários fundamenta no plano constitucional, a própria precedência dos entes administrativamente maiores sobre os menores nos casos de concursos de seus créditos.”
O ministro concluiu que o texto constitucional dá sustentação a uma ordem de precedência entre as Fazendas Públicas: “Não vejo, quanto aos créditos tributários, ofensa ao art. 19, III, da Constituição”, dispositivo que veda distinções ou preferências entre si entre União, Estados, ao DF e municípios.
Nesse sentido, Gilmar Mendes julgou parcialmente procedente a ação para atribuir interpretação conforme a Constituição ao art. 29 da lei 6.830/80, reconhecendo a sua não recepção quanto a créditos não tributários, permanecendo válida a ordem de preferência quanto aos créditos tributários.
- Processo: ADPF 357