O IAB – Instituto dos Advogados Brasileiros concluiu que o ex-juiz federal Sergio Moro e os integrantes da força-tarefa da Lava Jato devem ser responsabilizados, nos âmbitos administrativo, civil e criminal, por violações ao Estado Democrático de Direito e à ordem constitucional econômica.
De acordo com o parecer da Comissão de Direito Constitucional, Sergio Moro e os membros da Lava Jato causaram danos à economia, às empresas e aos trabalhadores do país. Conforme parecer da Comissão de Direito Penal, a operação resultou em graves violações ao processo penal.
Os dois pareceres foram aprovados pelo Plenário do IAB na sessão ordinária virtual desta quarta-feira, 12/5, conduzida pelo 1º vice-presidente, Sergio Tostes.
Os relatores da comissão de Direito Constitucional afirmaram, no parecer, que “sob o falso argumento de combate à corrupção, eles promoveram seletivas perseguições, por meio de uma perigosa e articulada organização que se formou dentro da estrutura estatal repressiva e que tinha fins políticos particulares”.
Ainda de acordo com os advogados, “a Lava Jato destruiu a imagem da Petrobras, reduziu o PIB, destruiu milhões de empregos e prejudicou consumidores de combustíveis e gás de cozinha”. O parecer foi elaborado pelo grupo de trabalho formado pelos advogados Jorge Folena, Kátia Tavares e Antônio Seixas.
A criminalista Maíra Fernandes produziu o parecer da Comissão de Direito Penal. A relatora criticou a “relação umbilical” entre Sergio Moro e o Ministério Público e disse que a operação se aproveitou do “clamor punitivo” instalado no País, para, com o apoio da mídia, instaurar o “processo penal do espetáculo” e alcançar os seus objetivos.
Para atingi-los, a principal violação cometida foi, segundo Maíra Fernandes, a “construção jurídica da competência”, para que todos os casos fossem encaminhados à 13ª vara Federal de Curitiba, independentemente de onde tivessem ocorrido.
Redução de investimentos
O parecer da comissão reuniu dados do Dieese – Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos, segundo os quais a Petrobras teve perdas de R$ 172 bilhões. Na sustentação oral, Jorge Folena afirmou que o dano foi decorrente da “drástica redução de investimentos na estatal, que resultou no desmonte do setor de engenharia, vital ao desenvolvimento e à soberania nacional”.
No parecer, foram citadas decisões recentes do STF que reconheceram a ocorrência de violação de leis e da Constituição Federal em várias práticas e condutas dos integrantes da Lava Jato.
O parecer foi dividido em quatro partes: danos causados ao Estado Democrático de Direito; emprego de instrumentos jurídicos como forma de perseguição política; constituição de fundação para fins privados com emprego de recursos públicos e, por fim, violações à ordem constitucional econômica e suas consequências, como o desmonte da indústria nacional e o agravamento do desemprego no país.
Os relatores informaram que realizaram reuniões com diretores da Aepet – Associação dos Engenheiros da Petrobras, para obter informações e documentos relacionados ao exame da questão e à produção do parecer.
Os advogados mencionaram vários fatos que, segundo eles, caracterizaram condutas de violação ao Estado Democrático de Direito. Eles citaram, por exemplo, a interceptação ilegal de um telefone do Palácio do Planalto, no dia 16 de março de 2016. A gravação da conversa mantida pela então presidente da República, Dilma Roussef, com o ex-presidente Lula, foi seguida da autorização, igualmente ilegal, dada pelo então titular da 13ª Vara Federal de Curitiba, Sergio Moro, para a sua divulgação na mídia.
Segundo Kátia Tavares, “o então juiz agiu de forma contrária à lei, pois não tinha competência, que é do STF, para atuar sobre a presidência da República e desrespeitou a proibição de divulgação de qualquer conversação interceptada, que deve ser mantida em sigilo, em respeito à intimidade, à privacidade e à presunção de inocência, garantidas pela Constituição”.
No parecer, foram indicados os efeitos da divulgação ilegal: “Provocou a ocorrência de distúrbios em várias ruas e cidades brasileiras, levando o caos à ordem política e social e à segurança pública”. De acordo com os relatores, “o magistrado atentou diretamente contra a presidência da República e, o mais grave, a Constituição, que proíbe esse comportamento indevido e próprio de agentes autoritários”. Na opinião dos constitucionalistas, “esses acontecimentos abriram as portas para a conspiração que conduziu ao impedimento de Dilma Rousseff, o que, sem dúvida, enfraqueceu a ordem constitucional de 1988 e, desde então, jogou no caos a democracia brasileira”.
Conluio
Também foi analisada a articulação entre Moro e os membros da Lava Jato e apontados outros danos causados pelas ações conjugadas entre eles. “Houve um grande conluio entre juiz, integrantes da acusação e agentes estrangeiros, para desestabilizar a ordem democrática, política, econômica e social do Brasil”, destacou Jorge Folena.
"Havia um projeto político em curso, conduzido à custa do sacrifício da democracia e da soberania nacional, causando gigantescos prejuízos à economia e promovendo a destruição de empresas e a aniquilação de um grande número de postos de trabalho.”
Antônio Seixas, na sustentação oral da parte referente à criação de uma fundação para fins privados com emprego de recursos públicos, criticou a exigência de repasse financeiro feito pela Lava Jato à Petrobras. Segundo ele, a força-tarefa tentou constituir para si uma fundação privada capitalizada com parte dos quase R$ 2,5 bilhões decorrentes de um acordo de leniência firmado pela estatal com acionistas minoritários americanos. Ele disse que o acordo foi feito sem que houvesse qualquer sentença de condenação contra a empresa.
O relator destacou também que Deltan Dallagnol, conforme informação que posteriormente se tornou pública, manifestou que a força tarefa estava exigindo da Petrobras o repasse de 10% sobre o valor ressarcido à empresa.
“A Constituição veda aos membros do Ministério Público receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, a fim de evitar situações de aproveitamento pessoal para fins de qualquer natureza.”
Insegurança
Ao tratarem das violações da ordem constitucional econômica e suas consequências, os advogados da Comissão de Direito Constitucional disseram ainda que a Lava Jato promoveu, ao mesmo tempo, a insegurança jurídica, política e econômica no País.
“A força-tarefa destruiu a estrutura da engenharia civil brasileira e a indústria naval, provocou a maior taxa de inflação, dólar em alta, ações em baixa, o maior desemprego na história brasileira e a evasão de investimentos para o exterior.”
O parecer traz outros dados do Dieese, segundo os quais as ações da Lava Jato resultaram na perda de 4,4 milhões de empregos e 3,6% do PIB.
“A força-tarefa causou graves danos à ordem econômica brasileira e destruiu diversas empresas genuinamente nacionais, como também toda uma cadeia de produção e fornecimento constituída ao longo de décadas de duro trabalho no País e no exterior.”
A criminalista Maíra Fernandes criticou também o tratamento dispensado pela Lava Jato aos advogados, que, segundo ela, foram publicamente apresentados como obstáculos à Lava Jato.
“Nos casos em que há acusados de corrupção, lavagem de dinheiro, evasão de divisas e toda a sorte de crimes chamados de colarinho branco, é comum os procuradores culparem os advogados pela demora processual”.
A relatora comentou a revisão recente de tudo que foi praticado na operação, iniciada em 2014. “Seis anos depois, os ventos parecem começar a mudar e alterar a leitura hegemônica que tornava a Lava Jato um grande sucesso de público, quase inalcançável às críticas”.
Visão utilitarista
De acordo com a criminalista, a atuação dos veículos de comunicação foi decisiva para o avanço da operação. “Por meio da mídia, incute-se na população a ideia de que as regras processuais brasileiras são muito benéficas aos réus, as quais precisam ser alteradas ou relativizadas, para que a condenação do acusado e o cumprimento efetivo da pena, fim maior do processo nessa visão utilitarista, seja alcançado”.
Segundo a criminalista, até magistrados têm dificuldade em atuar na contramão do clamor público e da mídia. “O juiz que decidir contra a ideia veiculada, seja reconhecendo uma nulidade, o desrespeito a algum princípio constitucional, a uma regra de competência, à presunção de inocência ou a qualquer outra norma legal, estará decidindo contra a população honesta do País”.
Para a advogada, todas as ações fizeram parte de uma grande estratégia. “Nada foi por acaso na Lava Jato, pois, dentro e fora dos autos, as ações dos agentes públicos nela atuantes eram minuciosamente orquestradas”.
Segundo ela, “a fixação da competência, as decisões judiciais, as articulações legislativas, a larga utilização da imprensa, as manifestações públicas de seus procuradores e de seu mais famoso juiz, tudo integrava uma estratégia de fabricação da opinião pública em seu favor”.
Mesmo com tantas críticas, a criminalista fez questão de reconhecer a importância da operação.
“Não se desconhece o fato de que a Lava Jato desnudou um empreendimento criminoso multifacetado, com a participação de inúmeras pessoas, durante muitos anos. Mas, não se pode investigar fatos cometendo violações processuais”.
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