“Conquanto infortuna, a escolha se ajusta no espaço do livre discurso político”, disse o juiz Federal substituto Manoel Pedro Martins de Castro Filho, da 6ª vara Federal Cível da SJ/DF, em ação popular que buscava impedir o presidente Jair Bolsonaro e o ministério de Saúde de incentivar o uso de medicamentos sem comprovação científica para tratamento precoce do coronavírus, o chamado kit covid.
A ação foi ajuizada pelo deputado Federal Ivan Valente. Em resumo, o parlamentar pediu que a pasta não incentive a adoção de medicamentos como cloroquina, hidroxicloroquina e azitromicina para tratamento precoce em casos de covid-19, por entender que não tem apoio na literatura científica.
O juiz, porém, entendeu que a inicial deveria ser rejeitada. “Não há, aqui, dano patrimonial prontamente aferível. Mas tampouco há dano entendido de uma maneira mais ampla, quantificável e tutelável pelo Judiciário”, afirmou.
“A questão se insere claramente no domínio do Político e não pode ser arbitrada pelo Judiciário. O popular ambiciona que se censure judicialmente plataforma política, na medida em que o Presidente da República advoga o tratamento da COVID a revés do que recomendam a OMS e outros órgãos especializados. Conquanto infortuna, a escolha se ajusta no espaço do livre discurso político; e havendo, até hoje, dúvidas quanto ao tratamento da doença – e inclusive quanto às soluções mais sólidas, como a vacina –, não pode o Judiciário se assenhorar da discussão e obrigar o Poder Político a adotar esta ou aquela via no combate à pandemia, endossando este ou aquele tratamento.
Do contrário, ficaria violado o princípio da separação dos Poderes, e restariam inúteis os órgãos especializados que, a mando do Executivo, fatalmente se guiam não só pela informação técnica, mas também pelo juízo político-moral do governo eleito. De fato, toda a discussão seria prontamente reconhecível como política e passageira, inclusive pelo popular, se se pacificasse a discussão que neste momento realmente importa, acerca da solução que permite o desenlace da pandemia: a vacina. O endosso aos medicamentos paliativos assume importância lateral diante do ceticismo maior contra a vacina, o que é mais uma razão para não torcer uma questão política – uma orientação do Ministério da Saúde, dotada de qualidade duvidosa – em questão jurídica. Nenhum país deteve a pandemia quer usando, quer deixando de usar cloroquina, hidroxicloroquina e azitromicina, mas apenas com a vacinação: por isso, a questão mantém seu contorno político e não jurídico.”
- Processo: 1020677-19.2021.4.01.3400
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