Migalhas Quentes

Editorial - O bolo assou e agora podemos colocar a cobertura

Decisão de Fachin sobre Lula: por que agora?

9/3/2021

O que aconteceu de verdade, pergunta o leitor ansioso por uma opinião migalheira acerca do furacão jurídico que tomou conta do país, ontem à tarde, e que está hoje em todos os jornais do Brasil e alguns do mundo.

Vamos inicialmente aos fatos, migalheiro, porque a regra (ainda não declarada inconstitucional) diz que contra eles não há argumentos.

Caía uma generosa chuva pelo Planalto Central quando o ministro Luiz Edson Fachin, provavelmente a partir de Curitiba, inseriu no sistema eletrônico um voto que iria fazer desabar sobre Brasília um temporal de dúvidas e questionamentos.

Como se sabe, julgando monocraticamente um HC impetrado pela defesa de Lula, ou melhor, mais um HC, Luiz Edson deliberou, em 46 laudas, que - diferentemente do que pensa Fachin - o juízo de Curitiba seria incompetente para julgar as acusações de corrupção do ex-presidente Lula.

Foi isso mesmo que você, leitor atento, entendeu: Fachin decidiu contra ele próprio, por isso dissemos Luiz Edson decidiu contra Fachin. Tal situação, no entanto, não é novidade no meio jurídico. O magistrado fica vencido e dobra-se à maioria, não raro ressalvando seu ponto de vista.

Ocorre que o ministro Fachin, nesse um lustro em que está investido no mister de julgador, não tinha ainda se dobrado. Por que, então, fez isso agora, indaga a leitora.

(Imagem: Arte Migalhas)

Alguns especulam que seria uma tentativa de salvar a Lava Jato, uma vez que ela poderia ser derrubada se se afirmassem a imparcialidade do então juiz Moro num caso que estava para ser julgado. E quando seria julgado esse caso da suspeição, indaga um espertinho. Segundo os boatos, o ministro Gilmar Mendes, que havia pedido vista do processo, traria o feito hoje à tarde, na sessão da 2ª turma. Ah, então o ministro Fachin quis se antecipar e tirar a bola do campo, sugere uma migalheira. Não, não podemos afirmar isso. Se a leitora pensa assim, é por sua conta e risco.

O que nós, restritos aos fatos, podemos dizer, é aquilo o que ministro afirmou. Ou seja, que a questão jurídica, na tarde de ontem, "atingiu desenvolvimento que propicia, superado o ciclo de maturação temática, análise das respectivas alegações". Vamos traduzir para o leitor não afeto à terminologia jurídica: o bolo assou e agora podemos colocar a cobertura.

Trocando em migalhas, o ministro diz que a questão da incompetência de Moro sempre foi alegada por Lula (e, acrescentamos, pela torcida do Corinthians). Em incontáveis casos os ministros entenderam, por maioria, vencido o ministro Fachin, que a 13ª vara Federal de Curitiba não era um juízo universal, como se (leia-se Moro e Dallagnol) pretendia. Agora, nesta remansosa segunda-feira, S. Exa. teve a brilhante ideia de se conformar com as decisões contrárias ao que ele pensa. E assim deliberou anular todas as condenações envolvendo o ex-presidente Lula.

Ao final, considerando a anulação, Fachin despachou para o arquivo os inúmeros processos que questionavam as condenações de Lula, entre eles o citado caso no qual o ministro Gilmar iria, segundo os boatos, votar hoje sobre a imparcialidade do então titular da 13ª vara.

A anulação, como se imagina, chocou a todos, de lado a lado. A defesa do ex-presidente diz que se provou que estava certa. O presidente da República, em ato condenável e odioso, insinuou parcialidade do ministro. O presidente da Câmara perguntou se quem se safou foi Lula ou Moro. Enfim, pouca gente entendeu.

E não entendeu, com razão, uma vez que Lula foi processado, condenado, preso e passou 580 dias no cárcere. Nesse tempo, morreu sua esposa, seu irmão, seu neto (sobre este episódio, melhor nem comentarmos). Todas essas vicissitudes se deram para agora, passados tantos anos, o ex-presidente ver suas condenações anuladas pelo tribunal e, mais ainda, pelo ministro que reiteradamente negou esse mesmo pedido. Por tudo isso, tem razão a leitora acima que perguntou: por que agora?

Seria equivocado darmos voz à especulação de que teria sido para salvar a Lava Jato, ou o então juiz Sergio Moro. Porque se fosse isso, coisa que não acreditamos, o ministro cometeria uma injustiça sem tamanho. Primeiro, porque se se critica o ministro Gilmar por agir ativamente para destruir a operação, ele estaria fazendo o mesmo para defendê-la e aí, fora das regras, não há salvação. Mas há mais, o caso de Lula, anotem aí, leitores, o que estamos a dizer: está prescrito. Assim, o ex-presidente não terá como se defender. Não terá o julgamento que sempre pediu. Ou seja, nova injustiça. Isso sem falar que não se devolve a convivência com a família nos 580 dias que passou enjaulado.

Mas isso é mera especulação, que não merece prosperar. O que se tem de fato concreto é que o ministro simplesmente analisou os casos e resolveu mudar de ideia. E só muda de ideia quem as têm, de maneira que o assunto se encerra.

Quer dizer, encerra-se mais ou menos.

É que a PGR deve recorrer, e o ministro Fachin vai querer levar o caso ao plenário do STF.

Quanto ao processo da suspeição de Moro, anuncia-se que, a despeito do arquivamento determinado por Fachin, o ministro Gilmar Mendes levará o caso na assentada de hoje, na sessão da 2ª turma, a qual você acompanha, ao vivo, no site Migalhas, a partir das 14h.

Advogados acham que isso é necessário, e que o STF pode e deve analisar a suspeição.

Quem viver, verá!

E agora, José?

Mantida a decisão do ministro Fachin, os processos envolvendo Lula devem ser remetidos para distribuição na Justiça Federal de Brasília, onde há duas varas (a 10 e a 12ª) que são competentes para analisar casos assim. Ao receber o feito, o juiz a quem for distribuído o processo deverá decidir se anula tudo que foi feito, ou se mantém hígidos os atos instrutórios, coisa que vai causar novo questionamento. Enfim, vai cair da rondinha, digo rodinha da Justiça, que não tem começo nem fim.

Suposição indecorosa

Sobre a insinuação do presidente da República, de que o ministro decidiu para atender ao PT, é algo que merece um desagravo dos colegas de Tribunal. Ora, era caso até para coisa mais grave, se fôssemos um país mais rígido diante da verborreia presidencial. Aliás, quando é o filho dele que tem decisão favorável em tribunal superior, não se ouve um pio.

????

Agradeceríamos receber uma informação. Com efeito, alguém pode dizer onde estava a Justiça no intervalo de 14 de setembro de 2016, quando se denunciou Lula, até 8 de março de 2021, quando o ministro anulou as condenações? Informações podem ser enviadas à Redação de Migalhas, clicando-se aqui.

Pílulas da história

Ainda sobre a prisão de Lula, este informativo quer recordar a seus leitores dois momentos históricos vividos, jornalisticamente, por este nosso vibrante matutino da mídia. Ambos se deram em 2019. Primeiro, quando entrevistamos, em Portugal, o ex-primeiro-ministro daquele país, o engenheiro José Sócrates. Ele recebeu a equipe migalheira em Ericeira, cidade vizinha a Lisboa, e comentou, com grande lucidez, a situação em que vivíamos no Brasil. O segundo momento que queremos rememorar é a entrevista exclusiva que fizemos com o ex-presidente Lula, na sede da Polícia Federal de Curitiba. Lula, com invejável estoicismo, previa exatamente o que estamos a assistir:

"Eu estou apenas dizendo que o Moro foi mentiroso no meu processo. Eu não estou atacando o Poder Judiciário."

"Eu, ao invés de desrespeitar a justiça, eu quero que se faça justiça no país. Por isso eu quero ter um julgamento justo."

"O que eu não posso é aceitar um julgamento político, que eu estou dizendo isso a quatro anos."

"Agora a casa está caindo. Em benefício de quem? Em benefício da verdade, em benefício da verdadeira Justiça, em benefício de um julgamento justo, que é a única coisa que eu quero."

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