A 2ª seção do STJ retoma nesta quarta-feira, 28, julgamento que definirá se empresa de ônibus tem o dever de indenizar passageira que sofreu assédio sexual no interior do veículo, praticado por outro passageiro.
Trata-se de um dos temais mais polêmicos no âmbito do Direito Privado na Corte, como se nota pelo pedido de vista ocorrido logo após o voto da relatora.
A empresa de ônibus recorre de decisão que a condenou a pagar indenização de R$ 3 mil por danos morais a mulher que sofreu assédio de outro passageiro no interior de veículo, alegando ausência de responsabilidade, levantando a ocorrência de caso fortuito/força maior, e afirma que tomou as medidas para cessar qualquer incômodo sofrido pela mulher, pois manteve o sujeito longe e o desembarcou na cidade mais próxima.
Em sessão de setembro, a ministra Nancy Andrighi, relatora, reiterou posição já externada em julgada na 3ª turma, quando o colegiado condenou a CPTM a indenizar passageira que sofreu assédio sexual no vagão.
Ao tratar do dano sofrido pelo assédio sexual, ministra Nancy lembrou que para além de um problema do transporte coletivo, "a questão relativa à violação da liberdade sexual de mulheres em espaço público, trata-se preponderantemente cultural".
"Em uma sociedade patriarcal, como a brasileira, a transição da mulher da esfera privada, isto é, doméstica, para a esfera pública, espaço de atuação do homem, revela e dá visibilidade à histórica desigualdade de gênero existente entre as relações sociais."
S. Exa. tratou, no voto, do caráter opressivo dos papeis sociais, e como atos de caráter sexual ou sensual, alheios à vontade da pessoa a quem se dirige - como cantadas, gestos obscenos, olhares, toque não consentidos, entre outros - "revelam manifestações de poder do homem sobre a mulher, mediante a objetificação de seus corpos".
"É inegável que a vítima do assédio sexual sofre evidente abalo em sua incolumidade físico-psíquica, cujos danos devem ser reparados pela prestadora do serviço de transporte de passageiros."
Segundo Nancy, mais do que um simples cenário ou ocasião, o transporte público tem concorrido para a causa dos eventos de assédio sexual.
"A ocorrência destes fatos acaba sendo arrastada para o bojo da prestação de serviço de transporte público, tornando-se assim mais um risco da atividade, a qual todos os passageiros, mas especialmente as mulheres, tornam-se vítimas."
Nancy citou a responsabilidade dos julgadores dentro deste contexto, citando fala externada no julgamento da turma:
"É papel do julgador, sempre com o olhar cuidadoso, tratar do abalo psíquico decorrente de experiências traumáticas ocorridas durante o contrato de transporte. (...) O momento é de reflexão, pois não se pode deixar de ouvir o grito por socorro das mulheres, vítimas costumeiras dessa prática odiosa, que poderá no futuro ser compartilhada pelos próprios homens, também objetos potenciais de prática de assédio."
Dessa forma, entendendo que a ocorrência do assédio guarda conexidade com a atividade de transporte, caracterizando caso de fortuito interno, a empresa de ônibus deve responder objetivamente, concluiu a relatora.
O julgamento na 2ª seção será retomado com o voto-vista do ministro Marco Buzzi.
- Processo: REsp 1.853.361