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STF identifica "higienização social" e invalida lei que criou cadastro de dependentes químicos em TO

Para os ministros a lei tem viés de seletividade incompatível com a Constituição, além da matéria não ser de competência legislativa do ente estadual.

13/10/2020

O STF julgou em plenário virtual que é inconstitucional a lei estadual 3.528/19 do Tocantins, que criou o Cadastro Estadual de Usuários e Dependentes de Drogas.

Por 10x1, prevaleceu voto de Fachin, para quem o cadastro é "autoritarismo estatal", além da matéria não ser de competência do ente estadual.

(Imagem: Unsplash)

O caso

A ação foi ajuizada pelo PGR Augusto Aras. De acordo com a norma, a lista é destinada ao uso da Secretaria Estadual de Saúde e deverá conter o nome do usuário ou dependente, a droga apontada no registro de ocorrência policial ou de outra fonte de informação oficial, a forma pela qual o usuário ou dependente adquiriu a droga. Segundo o texto, o objetivo do cadastro é libertar o usuário do vício.

Para Aras, a lei ofende a competência privativa da União para legislar sobre matéria penal e processual penal, ao permitir que os usuários do estado tenham tratamento diferente dos demais do restante do país. A seu ver, a lista se assemelha a um cadastro de antecedentes e não confere direito de defesa aos incluídos na relação nem garante a submissão do procedimento ao Judiciário.

Além disso, o PGR entendeu que o objetivo da lista é tornar conhecidas, no meio policial, as pessoas que já foram detidas com drogas, o que poderá trazer mais exclusão e estigmatização.

Estado democrático e direitos fundamentais

Para o ministro Fachin, a gestão de informações deste teor compete à União, não podendo os Estados criarem seus próprios cadastros de modo que, neste ponto, a lei incorreu em inconstitucionalidade formal.

Fachin observou que também houve inconstitucionalidade material. Para S. Exa., no caso do consumo de drogas, proteger o cidadão dos males causados pelos tóxicos necessita exigir uma resposta informativa, com campanhas educativas e de prevenção, criação e execução de políticas públicas de atenção e cuidado com a saúde daqueles que fazem uso abusivo de entorpecentes, além de estabelecer medidas que desalentem o consumo.

Na avaliação do ministro, o cadastro revela, na verdade, um viés de seletividade e higienização social incompatível com o Estado Democrático e com os direitos fundamentais.

“Esse sistema constitucional especial de proteção é violado pela lei impugnada, a qual, ademais, não prevê formas de controle prévio à inclusão no cadastro, não prevê a comunicação e o consentimento do interessado e, para a sua exclusão, exige laudo médico e informação oficial sobre a não reincidência. Tampouco existe protocolo claro de proteção e tratamento desses dados.”

De acordo com o relator, ao prever a alimentação do cadastro a partir de registro de ocorrência policial ou de outra fonte de informação oficial com todos os dados do usuário, bem como o nome do entorpecente e afins, a norma pretende individualizar e selecionar o usuário ou dependente químico, tratando-se, portanto, “da primeira e clássica dimensão da igualdade que proíbe discriminações indevidas”.

Concluiu o ministro que, diante do respeito às instituições democráticas e aos direitos fundamentais, foi necessária a declaração da inconstitucionalidade da norma em questão.

De acordo com o ministro Luís Roberto Barroso, seguindo o relator, ainda quando se possa reconhecer ao Estado o legítimo exercício da competência legislativa em matéria de drogas para fins de saúde pública e tratamento, suscita em seu voto que não é isso o que a lei do Tocantins faz.

Divergência

O ministro Marco Aurélio, em entendimento contrário, explicou que o ente seria dotado de capacidade legislativa sobre o tema e, por isso, o legislador estadual atuou de modo proporcional, visando preservar a ordem pública, sob o ângulo da segurança.

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