Por unanimidade, a seção de Direito Privado do TJ/CE fixou tese sobre contratação de empréstimos consignados por pessoas analfabetas. A decisão, que deve impactar cerca de 10 mil processos em tramitação no Estado, concluiu que a pessoa analfabeta é plenamente capaz para os atos da vida civil e pode exarar sua manifestação de vontade por quaisquer meios admitidos em direito, não sendo necessária a utilização de procuração pública ou escritura pública para a contratação de empréstimo consignado.
A ação foi proposta por um homem que alegou que descontos têm sido feitos indevidamente em seu benefício previdenciário em razão de contrato de crédito consignado que por ele não é reconhecido. Argumentou que, para a contratação de contrato de crédito consignado com pessoas analfabetas, seria necessário instrumento público, formalidade não observada.
A instituição financeira suscitante, por sua vez, argumentou que o empréstimo foi devidamente contratado, uma vez que não há exigência legal de instrumento público ou procuração pública para a contratação de empréstimo consignado com pessoas analfabetas. Nos termos do artigo 595 do CC, a exigência é somente que o instrumento particular seja assinado a rogo e subscrito por duas testemunhas.
O relator do caso, desembargador Francisco Bezerra Cavalcante, explicou que o julgamento não discutiu as fraudes na contratação de empréstimos, mas a legalidade da exigência para a efetividade do contrato.
O desembargador concluiu ser legal a contratação do empréstimo por analfabetos por meio de assinatura a rogo, a qual é subscrita por duas testemunhas. No entendimento do magistrado, também não se deve exigir, para sua validade, a procuração pública.
“Considerando inexistir legislação especial versando sobre a exigência de instrumento público (registro em cartório) ou procuração pública para dar validade ao empréstimo de mútuo feneratício entabulado por pessoa analfabeta, entendo que mesmo em razão da vulnerabilidade a que está sujeito o consumidor analfabeto são aplicáveis na espécie as disposições do artigo 595 do Código Civil, tudo em atenção ao princípio da liberdade das formas (art. 107 do CC) e ao princípio da legalidade preconizado pela Constituição Federal de 1988 (art. 5º, II).”
Segundo o desembargador, a exigência de procuração pública como requisito de validade de crédito consignado nos casos de pessoas analfabetas "não encontra amparo jurídico, pelo contrário, desafia a aplicação direta daquilo que disciplina o Código Civil vigente. "
Assim, o colegiado fixou a seguinte tese:
“É considerado legal o instrumento particular assinado a rogo e subscrito por duas testemunhas para a contratação de empréstimos consignados entre pessoas analfabetas e instituições financeiras, nos ditames do art. 595 do CC, não sendo necessário instrumento público para a validade da manifestação de vontade do analfabeto nem procuração pública daquele que assina a seu rogo, cabendo ao poder judiciário o controle do efetivo cumprimento das disposições do artigo 595 do código civil.”
O escritório Rocha, Marinho E Sales Advogados atua na causa pelo banco suscitante.
De acordo com o advogado Anastacio Marinho, que representou a instituição e fez a sustentação oral no TJ/CE, a decisão é importante por unificar o entendimento do Judiciário cearense sobre o tema, evitando entendimentos divergentes dentro do próprio tribunal. “A decisão permite uma solução mais rápida para aproximadamente 10 mil processos que atualmente tramitam no Estado do Ceará, conferindo também segurança jurídica para esse tipo de contratação”, avalia.
- Processo: 0630366-67.2019.8.06.0000
Veja a decisão.