Gestores de Estados e municípios podem requisitar bens e serviços no combate ao coronavírus, sem controle prévio do ministério da Saúde. Essa foi a decisão do plenário do plenário do STF na tarde desta quarta-feira, 2, ao analisar trecho de lei Federal que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da pandemia da covid-19.
Ação
A ação foi ajuizada pela CNSaúde - Confederação Nacional de Saúde contra o art. 3º,caput , VII, e § 7º, III, da lei 13.979/20. No contexto da calamidade pública do coronavírus, a norma permite a requisição de bens e serviços de pessoas naturais e jurídicas pelos gestores locais de saúde.
De acordo com a entidade, vários estados e municípios editaram decretos que proclamam regionalmente o estado de calamidade pública decorrente da pandemia da covid-19 e autorizam as autoridades locais a requisitar, sem fundamentação específica, a utilização de leitos de UTIs de hospitais privados, entre outros recursos. Para a entidade, o poder de requisição deve estar vinculado a uma ação global coordenada e controlada por autoridades Federais, sob pena de desequilibrar uma política unificada necessária em situações de emergência como a atual.
Relator
Em seu voto, o ministro Ricardo Lewandowski reiterou seu entendimento (que já havia sido proferido em plenário virtual) pela validade da lei. S. Exa. dissertou sobre a relação do federalismo e a democracia, dizendo que os Estados e municípios são sócios da União: "federalismo é sinônimo de democracia", afirmou.
Ou seja, para o relator Lewandowski, a defesa da saúde compete a qualquer das unidades federadas, seja por meio da edição de normas legais, seja mediante a realização de ações administrativas, sem que dependam da autorização de outros níveis governamentais para levá-las a efeito: "os entes regionais e locais, não podem ser alijados do combate à covid-19, sobretudo porque estão investidos do poder-dever de empreender as medidas necessárias para o enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente da pandemia", diz.
"Não me parece que uma urgência, decorrente da pandemia que ocorre no interior do Estado do Pará, possa ser avaliada por alguém situada no DF, com ar-condicionado, e que tenha uma resposta pronta nestas mais longínquas realidades."
O ministro explicou que a requisição administrativa foi concebida para arrostar situações urgentes e inadiáveis, de modo que a própria indenização, acaso devida, será sempre posterior.
"não há evidências de que o Ministério da Saúde, embora competente para coordenar, em âmbito nacional, as ações de vigilância epidemiológica e sanitária, tenha a capacidade de analisar e solucionar tempestivamente a multifacetadas situações emergenciais que eclodem em cada uma das regiões ou localidades do País."
Os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Gilmar Mendes, Marco Aurélio e as ministras Rosa Weber e Cármen Lúcia acompanharam o relator.
Questão de ordem
Na ação, o plenário resolveu questão de ordem proposta pelo ministro Dias Toffoli no sentido de que não há impedimento nem suspeição legal de ministros no julgamento de ações de controle concentrado de normas em abstrato, exceto se o próprio ministro indicar razões de foro íntimo. Assim, o Tribunal considerou possível a participação dos ministros Marco Aurélio e Luiz Fux, que estavam impedidos. Os ministros fixaram uma tese:
"Não há impedimento nem suspeição nas ações de controle concentrado, exceto se o próprio ministro firmar com razão de foro íntimo sua não participação."
Sustentações orais
Pela CNSaúde, o advogado Marcelo Carpenter pediu que a requisição de bens e serviços seja feita de maneira coordenada entre os entes da Federação. Para a requerente, sem o controle prévio do ministério da Saúde há o risco de que a saúde pública seja inviabilizada.
Pela presidência da República, o advogado Raphael Ramos pediu pela procedência parcial da ação, para que seja dada interpretação conforme a Constituição à questão da requisição administrativa. O advogado pede que, quando evidenciada eventual sobreposição de requisições por entes diversos, seja a regra primária a precedência da contratação para definir qual iniciativa deverá prevalecer.
O vice-PGR Humberto Jacques de Medeiros frisou que o "bem saúde" prestado pela iniciativa privada e pública é exatamente o mesmo bem. Para ele, havendo escassez de recursos em meio a uma pandemia, é necessário que exista máxima racionalidade da alocação de bens e serviços. O poder de requisição do Estado, vendo a escassez de recursos disponíveis, opera de maneira pontual no campo administrativo e legislativo. O MPF entende pela improcedência da ação.
- Processo: ADIn 6.362