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Para Barroso, é equívoco tratar a Floresta Amazônica como empecilho ao desenvolvimento

Em artigo em parceria com a professora Patrícia Perrone Campos Mello, S. Exa. defende que “a ignorância, a necessidade e a omissão estatal são os inimigos da Amazônia”.

16/6/2020

Ministro Luís Roberto Barroso, em parceria com a professora e procuradora estadual Patrícia Perrone Campos Mello, defende em artigo que “a ignorância, a necessidade e a omissão estatal são os inimigos da Amazônia” e que “a ciência, a inclusão social e a conscientização da sociedade serão a sua salvação”.  

Sob o título “Amazônia, Crimes ambientais e desprestígio global: Como mudar a lógica da destruição da floresta”, os autores elencam a relevância da região amazônica para o ecossistema global, fazem apontamentos acerca do recuo e posterior avanço do desmatamento e das atividades criminosas ali desenvolvidas.

O texto é uma versão resumida do artigo “Como salvar a Amazônia: Por que a floresta de pé vale mais do que derrubada”, publicado na revista acadêmica da UERJ e elaborado para servir de base à conferência que ocorreria em Quioto, no Japão, em abril passado (adiada em razão da pandemia).

Perpassando pelo desgaste da política ambiental brasileira, com o afrouxamento da fiscalização a partir de 2013, Luís Roberto Barroso e Patrícia Perrone explicam um novo modelo de desenvolvimento, calcado no conceito de Amazônia 4.0, que visa agregar às potencialidades da sociobiodiversidade amazônica as novas tecnologias e possibilidades da quarta revolução industrial:

A ideia é transformar os recursos naturais em produtos de maior valor agregado, gerados e consumidos de forma sustentável. Todo esse processo deve ter a justa preocupação de trazer benefícios substanciais para as comunidades locais.”

Os autores destacam ainda que pode ser um fator importante a participação internacional na contenção do desmatamento e na sustentabilidade da economia da Amazônia.

É um equívoco tratar a Floresta Amazônica como um empecilho ao desenvolvimento. Além de atrair para nós o desprezo universal, tal visão significa o desperdício de enormes potencialidades. (...) A ignorância, a necessidade e a omissão estatal são os inimigos da Amazônia. A ciência, a inclusão social e a conscientização da sociedade serão a sua salvação.”

Confira abaixo a íntegra do texto.

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AMAZÔNIA, CRIMES AMBIENTAIS E DESPRESTÍGIO GLOBAL: COMO MUDAR A LÓGICA DA DESTRUIÇÃO DA FLORESTA

I. INTRODUÇÃO

Os autores escreveram, em parceria, um trabalho intitulado “Como salvar a Amazônia: Por que a floresta de pé vale mais do que derrubada”. O texto acaba de ser publicado na Revista de Direito da Cidade, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ (https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/rdc/article/view/50980/34015). Foi elaborado para servir de base à conferência que o primeiro autor faria em um congresso da ONU, em Quioto, no Japão, sobre “Segurança Humana, Desenvolvimento Sustentável e Prevenção de Crimes”, em abril de 2020. Como tudo o mais, o congresso foi adiado em razão da pandemia, mas ficou o artigo. As anotações que se seguem contêm um breve resumo de algumas das ideias nele apresentadas.

II. A IMPORTÂNCIA DA AMAZÔNIA

A Amazônia ocupa uma área em torno de 7 milhões de Km2, correspondentes a cerca de 40% da América do Sul. A região, de densa floresta tropical, espalhase por 9 países, mas 60% de sua extensão situa-se no Brasil. A Amazônia legal brasileira, onde vivem 27 milhões de pessoas, compreende todos os estados da região Norte (Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia e Roraima), dois estados da região Centro-Oeste (Mato Grosso e Tocantins) e parte de um estado da região Nordeste (o oeste do Maranhão). A região amazônica desempenha um papel de grande relevância para o ecossistema global, por um conjunto de razões. Assinalo, aqui, três delas:

1. sua extraordinária biodiversidade, constituindo a maior concentração de plantas, animais, fungos, bactérias e algas da Terra. A derrubada da floresta produz a extinção de espécies, com imprevisíveis consequências sistêmicas para o meio ambiente;

2. seu papel no ciclo da água e no regime de chuvas, com implicações por todo o continente sul-americano, inclusive com a formação dos chamados “rios voadores” que vão irrigar outras regiões; e

3. a floresta desempenha função de grande significado na mitigação do aquecimento global, absorvendo e armazenando dióxido de carbono. Relembrando aqui: o aquecimento global tem como principal causa a emissão de gases de efeito estufa – que aumentam a retenção de calor na atmosfera –, decorrente, sobretudo, da queima de combustíveis fósseis (petróleo, gás natural e carvão).

III. RECUO E AVANÇO DO DESMATAMENTO

Entre 1970 e 1990, 7,4% da floresta foram desmatados. O desflorestamento seguiu de maneira progressiva até chegar ao seu ápice, em 2004, quando foi desmatada uma área equivalente a 27.772 km2 . Nesse ano de 2004, foi deflagrado um ambicioso programa denominado Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia (PPCDAm), executado em diferentes fases, com medidas que incluíram monitoramento, fiscalização efetiva, combate à grilagem, criação de unidades de conservação, demarcação de terras indígenas e cortes de crédito. Os resultados foram notáveis: entre 2004 e 2012, o desmatamento caiu mais de 80%, passando para menos de 4.600 km2 . O sucesso das medidas alimentou o ideal do desmatamento líquido zero.

Lamentavelmente, contudo, a partir de 2013, o desmatamento voltou a crescer, chegando a 7.536 km2 em 2018. No ano de 2019, atingiu quase 10.000 km2. No total, o desflorestamento acumulado nos últimos 50 anos é de cerca de 800.000 km2 , aproximando-se de 20% da área original da Amazônia brasileira. O desmatamento costuma seguir uma dinâmica constante: extração ilegal de madeira, queimada, ocupação por fazendeiros e produtores (gado e soja) e tentativa de legalização da área pública grilada. Cientistas consideram que se a derrubada da floresta chegar a 40% haverá um ponto de não retorno (tipping point), com irreversível “savanização” de boa parte da região

IV. CRIMES AMBIENTAIS

A destruição e degradação da Floresta Amazônica decorrem, sobretudo, das atividades criminosas ali desenvolvidas. Os principais crimes praticados na região amazônica incluem:

1. Desmatamento e queimadas. O principal agente de desmatamento da floresta é a pecuária, com a constituição de pastos em fazendas de gado. Também a agricultura contribui, embora em menor escala. Queimadas são, muitas vezes, de natureza criminosa, com o propósito de desfazer-se da vegetação nativa e permitir a pecuária e a agricultura;

2. Extração e comércio ilegal de madeira. Madeireiros “lavam” a madeira ilegal, usando documentação fraudulenta, criando a aparência de ter sido obtida em área de exploração legal. Assim conseguem acesso aos mercados internacionais;

3. Garimpo e mineração ilegais. A mineração ilegal, sobretudo de ouro, está presente em quase todos os estados da Amazônia Legal brasileira. São mais de 450 áreas nessa situação, várias delas com pistas de pouso clandestinas. 

A esses crimes somam-se, ainda, a caça ilegal e tráfico de animais, o trabalho escravo e os crimes contra os defensores da floresta, vítimas frequentes de homicídio. A grilagem de terras acaba sendo incentivada por sucessivas leis que procuram regularizar a ocupação ilegal de áreas públicas.

V. O DESGASTE DA POLÍTICA AMBIENTAL BRASILEIRA

O afrouxamento da fiscalização, a partir de 2013, fez com que o índice de desmatamento voltasse a crescer significativamente. A situação agravou-se ao longo de 2019, com elevação de 30%, em contraste com o ano anterior, atingindo a marca de 9.762 Km2 . Organizações ambientais, defensores da floresta e cientistas atribuíram este incremento a atitudes do novo Governo, apontando, em meio a outras queixas, declarações públicas de altas autoridades que sinalizaram desinteresse pela questão ambiental, associadas a atos concretos que implicaram em uma substancial alteração das políticas públicas necessárias à prevenção e ao controle do desmatamento. O desgaste internacional do país foi imenso. Alemanha e Noruega suspenderam as contribuições para o Fundo Amazônia.

VI. O INSUCESSO DOS MODELOS DE DESENVOLVIMENTO ADOTADOS ATÉ AQUI

Duas formas diametralmente opostas de lidar com a Floresta Amazônica foram adotadas do início dos anos 70 para cá. Foram elas:

1. Modelo desenvolvimentista. Essa opção consistia na derrubada pura e simples da floresta para ocupação da área com atividades econômicas como pecuária, agricultura, extração de madeira, mineração e usinas hidrelétricas. Trata-se de uma concepção que não leva em conta as consequências graves da destruição do bioma amazônico.

2. Modelo ambientalista. Essa opção tem como foco primário a preservação da floresta, sua fauna, flora, rios, povos e culturas tradicionais. Para tanto, procuram-se criar áreas intensamente resguardadas e reguladas, de modo que a maior parte do bioma amazônico esteja protegido perpetuamente.

Em um dos eixos do PPCDAm, tentou-se implantar um modelo híbrido, um meio termo entre as necessidades econômico-sociais dos produtores e trabalhadores da região e a necessidade premente de proteção da floresta. Porém, como demonstram os dados referidos acima, o modelo híbrido não foi capaz de conter a lógica econômica da destruição.

VII. UM NOVO MODELO DE DESENVOLVIMENTO: A QUARTA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL E A BIOECONOMIA DA FLORESTA

Nenhum desses modelos trouxe mudança significativa no patamar econômico, social e humano da região, embora a devastação da floresta tenha chegado próxima a 20% da área total. Diante desse quadro, cientistas dedicados ao estudo da Amazônia têm procurado desenvolver novas ideias para velhos desafios, apostando na combinação da sociobiodiversidade com novas tecnologias. Uma dessas apostas é a bioeconomia, um modelo econômico que prioriza a sustentabilidade. Ela se funda em inovações no campo da tecnologia e das ciências biológicas, com vistas a diminuir a dependência de recursos não renováveis e a viabilizar processos produtivos e industriais de baixo carbono e baixo impacto ambiental.

A bioeconomia da floresta consiste em utilizar o conhecimento propiciado pelas ciências, pela tecnologia, pela inovação e pelo planejamento estratégico para a elaboração de novos produtos farmacêuticos, cosméticos e alimentos, bem como para a pesquisa de novos materiais e soluções energéticas. Exemplo: as plantas da Amazônia contêm segredos bioquímicos, como novas moléculas, enzimas, antibióticos e fungicidas naturais, que podem ser sintetizados em laboratório e resultar em produtos de valor agregado. Também há exemplos de frutos típicos, entre os quais se destacam o açaí e o cupuaçu.

É nesse contexto que se concebe o conceito de Amazônia 4.0, que visa agregar às potencialidades da sociobiodiversidade amazônica – fauna, flora e conhecimentos tradicionais – as novas tecnologias e possibilidades da quarta revolução industrial. A ideia é transformar os recursos naturais em produtos de maior valor agregado, gerados e consumidos de forma sustentável. Todo esse processo deve ter a justa preocupação de trazer benefícios substanciais para as comunidades locais. Como intuitivo, tudo o que se expôs até aqui envolve educação, ciência, tecnologia, investimento e atração de recursos humanos para a região, vindos de outras partes do Brasil e também de grandes centros internacionais.

VIII. A PARTICIPAÇÃO INTERNACIONAL

A participação internacional também pode ser um fator importante na contenção do desmatamento e na sustentabilidade da economia da Amazônia. Países desenvolvidos que destruíram suas próprias florestas e desejam a preservação da Amazônia devem contribuir financeiramente para tanto, através do aperfeiçoamento de mecanismos como o sistema de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Ambiental (REED+), voltado para ajudar os países emergentes a alcançarem as metas de redução de emissões de gases estufa. Além disso, deve-se notar que boa parte da produção agrícola, pecuária, madeireira e mineral da Amazônia destina-se ao mercado de consumo internacional. Logo, esse mercado pode influenciar o comportamento dos produtores domésticos, exigindo práticas sustentáveis de produção, não adquirindo produtos associados ao desmatamento.

IX. CONCLUSÃO

A Amazônia é um ativo precioso do Brasil. É um equívoco tratar a Floresta Amazônica como um empecilho ao desenvolvimento. Além de atrair para nós o desprezo universal, tal visão significa o desperdício de enormes potencialidades. Existe uma lógica econômica e social na devastação da floresta. É uma lógica perversa, mas poderosa. Para que ela seja derrotada, é necessário um modelo alternativo consistente, capaz de trazer desenvolvimento sustentável, segurança humana e apoio da cidadania. A ignorância, a necessidade e a omissão estatal são os inimigos da Amazônia. A ciência, a inclusão social e a conscientização da sociedade serão a sua salvação.

*Luís Roberto Barroso é ministro do STF. Professor Titular da UERJ e do Centro Universitário de Brasília. Senior Fellow na Harvard Kennedy School.

**Patrícia Perrone Campos Mello é professora do UniCeub. Doutora pela UERJ. Procuradora do Estado e Assessora de Ministro do STF.

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