Migalhas Quentes

Dia da Consciência Negra - Feriado ilegal e inconstitucional

6/11/2006

 

Dia da Consciência Negra

O Professor Adilson Dallari enviou missiva à redação comentando a criação do Dia da Consciência Negra. Segundo o migalheiro, a data é inconstitucional. Veja abaixo o comentário na íntegra e uma decisão do TJ/RS.

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"Em São Paulo, a Lei 13.707, de 7/1/04, criou um novo feriado municipal, o dia 20 de novembro, declarado como sendo o Dia da Consciência Negra. Ocorre, entretanto, que a Lei Federal 9.093, de 12/9/75, que dispõe sobre feriados, por ser matéria inerente ao direito do trabalho, autoriza o Município a instituir (além do dia de fundação do Município), no máximo, apenas quatro feriados religiosos, "de acordo com a tradição local". Evidentemente, o dia 20 de novembro não corresponde a qualquer dia santo de guarda e, assim, não pode ser considerado um feriado religioso. Além disso, a Constituição Federal tem como um de seus princípios fundamentais a igualdade entre todos os brasileiros, proibindo qualquer discriminação de raça, cor ou etnia. Essa questão não veio à tona até agora porque nos anos de 2004 e 2005 o dia 20 de novembro caiu, respectivamente, num sábado e num domingo. Entretanto, no Rio Grande do Sul, onde os Municípios de Porto Alegre e de Pelotas também instituíram esse mesmo feriado, o Tribunal de Justiça já declarou sua ilicitude (v. abaixo). É bem verdade que, nos dias atuais, a religião está em baixa e questões de constitucionalidade, legalidade, igualdade etc. não são muito relevantes, sendo bastante provável que tudo fique por isso mesmo, até porque quem ousar questionar a licitude (não o mérito) desse feriado será certamente acoimado de racista. Tenho apenas uma curiosidade e gostaria que algum Migalheiro melhor informado resolvesse a seguinte questão: qual santo foi defenestrado pela Lei 13.707/04, para dar lugar a esse novo feriado ?" Adilson Dallari, Professor Titular de Direito Administrativo da PUC/SP

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ADIN. PELOTAS. LEI Nº 4718/01. FERIADO MUNICIPAL PELA DATA DO ANIVERSÁRIO DA MORTE DE ZUMBI DOS PALMARES. LEGITIMIDADE DA PROPONENTE - FEDERAÇÃO DO COMÉRCIO DE BENS E DE SERVIÇOS DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL - E PERTINÊNCIA TEMÁTICA. FERIADO EMINENTEMENTE CIVIL E SEM CONOTAÇÃO RELIGIOSA. SOMENTE LEI FEDERAL PODE DECRETÁ-LO, “EX VI” DO DIPLOMA LEGAL FEDERAL Nº 9093/95, FUNCIONANDO A CITADA LEGISLAÇÃO COMO “BLOQUEIO DE COMPETÊNCIA”, MERCÊ DO ART. 8º DA CARTA ESTADUAL, A PAR DE A DATA CONTESTADA SE NÃO CONSTITUIR FERIADO RELIGIOSO. O ART. 22, I DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL OUTORGA COMPETÊNCIA EXCLUSIVA À UNIÃO PARA LEGISLAR SOBRE DIREITO CIVIL E DO TRABALHO. O ART. 30, I DO MESMO DIPLOMA LEGAL, DEVE SER INTERPRETADO DE MODO A NÃO FERIR O PRINCÍPIO FEDERATIVO. A LEGISLAÇÃO MUNICIPAL NÃO PODE CONTRAVIR NORMA FEDERAL EXPRESSA E CLARA. AUSÊNCIA DE VINCULAÇÃO COM JULGAMENTO DA 4ª.CÂMARA CÍVEL. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS. ADIN JULGADA PROCEDENTE, COM BASE NOS ARTS. 8º E 13 DA CARTA ESTADUAL, 22,I E 30,I DA CARTA FEDERAL E TENDO EM VISTA, AINDA, A LEI FEDERAL 9093/95.

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - TRIBUNAL PLENO

 

Nº 70007645443 - PORTO ALEGRE

 

FEDERAÇÃO DO COMERCIO DE BENS E SERVIÇOS DO ESTADO RS FECOMÉRCIO - PROPONENTE

 

EXMO. PREFEITO MUNICIPAL DE PELOTAS - REQUERIDO

 

CÂMARA MUNICIPAL DE VEREADORES DE PELOTAS - REQUERIDA

 

EXMO. PROCURADOR-GERAL DO ESTADO - INTERESSADO

 

ACÓRDÃO

 

Vistos, relatados e discutidos os autos.

 

Acordam os Desembargadores integrantes do Tribunal Pleno do Tribunal de Justiça do Estado, por maioria, em julgar procedente a ação, vencidos os Desembargadores Wellington Pacheco barros, José Francisco Pellegrini e Ranolfo Vieira. I

 

Custas na forma da lei.

 

Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores DES. OSVALDO STEFANELLO (PRESIDENTE), DES. CACILDO DE ANDRADE XAVIER, DES. ALFREDO GUILHERME ENGLERT, DES. ANTONIO CARLOS NETTO MANGABEIRA, DES. JOSÉ EUGÊNIO TEDESCO, DES. ANTONIO CARLOS STANGLER PEREIRA, DES. PAULO AUGUSTO MONTE LOPES, DES. RANOLFO VIEIRA, DES. VLADIMIR GIACOMUZZI, DES. ARAKEN DE ASSIS, DES. ANTONIO JANYR DALL'AGNOL JUNIOR, DESA. MARIA BERENICE DIAS, DES. DANÚBIO EDON FRANCO, DES. LUIZ ARI AZAMBUJA RAMOS, DES. ROQUE MIGUEL FANK, DES. LEO LIMA, DES. ARMINIO JOSÉ ABREU LIMA DA ROSA, DES. ARNO WERLANG, DES. WELLINGTON PACHECO BARROS, DES. ALFREDO FOERSTER, DES. SILVESTRE JASSON AYRES TORRES, DES. MARCO ANTÔNIO RIBEIRO DE OLIVEIRA E DES. JOSÉ FRANCISCO PELLEGRINI.

 

Porto Alegre, 07 de junho de 2004.

 

DES. VASCO DELLA GIUSTINA,

Relator.

 

RELATÓRIO

 

DES. VASCO DELLA GIUSTINA (RELATOR) - A FEDERAÇÃO DO COMÉRCIO DE BENS E DE SERVIÇOS DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL ingressou com ADIN, e nesta com pedido de liminar, alegando a inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 4.718/01, do Município de Pelotas, que declara feriado municipal o dia 20 de novembro, data do aniversário da morte de Zumbi dos Palmares.

 

Aduziu que o município, ao legislar sobre tal matéria, fere os artigos 8º e 13 da Constituição Estadual e o art. 22, inciso I da Constituição Federal, pois legislar sobre o direito do trabalho é de competência privativa da União.

 

Foi deferida a liminar.

 

O Prefeito Municipal de Pelotas prestou informações. Sustentou a constitucionalidade da lei, pois o art. 30, inciso I, da Constituição Federal, dá autonomia aos Municípios para legislar sobre matéria de interesse local.

 

A ínclita Procuradora-Geral do Estado manifestou-se de acordo com a previsão do art. 95, § 4º da Constituição Estadual, pela manutenção da Lei Municipal nº 4.718/01, invocando o princípio da presunção de constitucionalidade das leis.

 

A Câmara Municipal de Vereadores de Pelotas não prestou informações.

 

O parecer da douta Procuradoria-Geral de Justiça foi pela procedência da ação direta de inconstitucionalidade.

 

É o relatório.

 

VOTO

 

DES. VASCO DELLA GIUSTINA (RELATOR) – Eminentes Colegas.

 

O douto Órgão Especial já enfrentou a matéria, quando decidiu, <_st13a_personname w:st="on" productid="em Agravo Regimental">em Agravo Regimental, recurso contra a concessão da liminar, “verbis”:

 

“A ‘FEDERAÇÃO DO COMÉRCIO DE BENS E DE SERVIÇOS DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL’ - FECOMÉRCIO - ingressou em juízo com ADIN, e nesta com pedido de liminar, com relação à lei nº 4718/01 do município de Pelotas, sustentando, em síntese, que o citado diploma legal, ao instituir como “feriado municipal o dia 20 de novembro, data do aniversário da morte de Zumbi dos Palmares”, o fez em flagrante desrespeito aos preceitos da Carta Magna Federal e legislação complementar, aplicáveis ao Estado e municípios, por força do art.8º da Carta Estadual.

 

Frise-se, antes de mais nada, que se inscreve nos objetivos sociais da entidade proponente, proteger os interesses dos filiados, (art. 2ºdo Estatuto Social), sendo que a Carta federal de 1988 outorgou às entidades sindicais de qualquer grau a prerrogativa de defender os interesses coletivos da categoria, constando na Carta Estadual de 1989, no art. 95, §2º, VI, a legitimidade para proporem ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo municipal.

 

A pertinência temática decorre da própria estrutura da entidade, de suas finalidades sociais, do interesse do livre comércio e da garantia de trabalho a seus filiados.

 

A lei federal nº 9093/95, ao dispor sobre feriados, instituiu como feriados civis aqueles declarados em lei federal e a data magna do Estado, fixada <_st13a_personname w:st="on" productid="em lei Estadual">em lei Estadual (art. 1º, I e II).

 

Já no artigo segundo estatuiu que são “feriados religiosos os dias de guarda, declarados em lei municipal, de acordo com a tradição local e em número não superior a quatro, neste incluída a Sexta-Feira da Paixão”.

 

A lei ora objurgada instituiu um feriado eminentemente civil.

 

Na “exposição de motivos do projeto-de-lei que originou a atual Lei 4718/01, se enaltece a figura de Zumbi dos Palmares, enfatizando a data de 20 de novembro, aniversário de sua morte. Esta é a razão pela qual o referido dia foi instituído como ‘Dia da Consciência Negra’.

 

“Efetivamente Zumbi representa um ícone na defesa da justiça social e racial deste país”, (f. 6), mercê de suas lutas e de seus ideais.

 

Por conseguinte, dúvidas inexistem de que a data não pode ser tida como feriado religioso ou de conotação religiosa.

 

De outra parte, considerando-se que se trata de um feriado civil, este só poderia ser declarado por lei federal, exorbitando a legislação municipal, se vier a estabelecê-lo.

 

Por evidente não podem os municípios decretar feriados civis, pois, tendo eles natureza trabalhista ou mesmo civil, compete exclusivamente à União Federal legislar sobre tais matérias, conforme insculpido no art. 22, I da Carta Federal, extrapolando sua competência a fixação ora “sub judice”.

 

Nem mesmo a invocação do art. 30, I da Carta Federal, ao dispor sobre a competência dos municípios, como “legislar sobre assuntos de interesse local” socorre ao município, pois, com semelhante legislação estaria invadindo, também, a área de competência das outras entidades de direito público, sendo que a autonomia municipal não pode infringir leis estaduais ou federais, face ao princípio da federação.

 

Ademais, ressalte-se que a lei nº 9093/95, atua como “bloqueio de competência”, assim chamado pelos constitucionalistas, “pois neste caso a lei federal serve apenas para provar ou demonstrar que o Estado e o Município estão impedidos ou bloqueados de editar normas a respeito da matéria. A norma municipal que não respeitar tal princípio, por óbvio transgride, inicialmente a Constituição Federal e num segundo momento a própria Carta Estadual, na medida em que o princípio da competência legislativa da União, acha-se incorporado ao art. 8º da Carta Estadual, que estatui que os municípios observarão “os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.”(Apud “ Leis Municipais e seu Controle Constitucional pelo Tribunal de Justiça”, Livraria do Advogado Editora, 2001, p. 162- Vasco Della Giustina).

 

Diga-se que a AC e RN nº 70004452066, julgados pela egrégia 4ª.Câmara Cível deste Tribunal, em data recente, não constituem precedente invocável para afastar a presente ADIN, dado que a constitucionalidade ali enfocada o foi incidentalmente, não se constituindo em precedente diante de questões constitucionais e mudança de orientação, valendo lembrar o julgamento ferido ontem, no douto Órgão Especial do Tribunal de Justiça, relativamente à ADIn de nº 70007609308, que deferiu liminar para sustar a vigência e os efeitos do diploma legal do município de Porto Alegre, com idênticos objetivos.

 

Por tais fundamentos, presentes o “fumus boni juris” e o “periculum in mora”, demonstráveis de plano, suspendo liminarmente os efeitos da Lei nº 4718 de 28 de setembro de 2001, do município de Pelotas, por ofensa aos artigos 22, I e 30, I da Carta Federal e à lei federal nº 9093/95, tendo em vista, ainda, os arts. 8º, 13 e incisos da Carta Estadual.”(Agrs. Regs. nºs 70007654411 e 70007655681)

 

Mantenho o posicionamento.

 

E o reforço com a posição do culto Procurador-Geral de Justiça, Dr. Roberto Bandeira Pereira, que em seu alentado parecer, assim se manifestou:

“No caso dos autos, a entidade sindical impugna a Lei nº 4.718/01, como exposto inicialmente, por entender que tal norma do Município de Pelotas insere-se na competência privativa da União.

 

“De fato, há dois fundamentos que comprovam a tese da proponente da ação, no sentido de que o Município não tem competência para legislar sobre o feriado em referência.

 

“Como primeiro fundamento, pode-se dizer que se trata de um feriado de natureza civil, sendo inviável que se faça uso de uma lei municipal para tal instituição, eis que uma lei municipal só tem legitimidade, de acordo com a Lei Federal nº 9.093/95, para declarar feriados religiosos, e em número não superior a quatro.

 

“Nessa perspectiva, cumpre reproduzir a redação da Lei Federal nº 9.093, de 12 de setembro de 1995:

 

‘Art. 1º - São feriados civis:

 

I – os declarados em lei federal;

II – a data magna do Estado fixada em lei estadual.

 

Art. 2º São feriados religiosos os dias de guarda, declarados em lei municipal, de acordo com a tradição local e em número não superior a quatro, neste incluída a Sexta-Feira da Paixão.

 

Art. 3º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

 

Art. 4º - Revogam-se as disposições em contrário, especialmente o art. 11 da Lei nº 605, de 5 de janeiro de <_st13a_metricconverter w:st="on" productid="1949.’">1949.’

“Sobre a aplicação dessa lei federal aos municípios, transcreve-se parte do brilhante voto proferido pelo Exmo. Des. ARMÍNIO JOSÉ A. LIMA DA ROSA, no julgamento do pedido liminar intentado na ação direta de inconstitucionalidade nº 70007609308, em sessão do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado realizada no dia 17/11/2003:

‘Não parece, como muito bem destacou o Des. Araken, que haja algum extrapolamento, pela Lei nº 9.093/95, da competência da União ao legislar sobre feriados, já que isto teria que ser legislado de alguma forma, e não poderia ser caoticamente esparramado pelos mais de cinco mil Municípios da Nação. (...) Há mais. Levando às últimas conseqüências o raciocínio, teríamos, também, que afastar o limite de quatro feriados municipais à base de um crivo religioso estabelecido já na Lei nº 605/ 49 e continuado na Lei nº 9.093/95. Ficariam os Municípios livres para instituírem quantos feriados quisessem, já que nem este limite de quatro feriados religiosos a cargo do município atenderíamos, por que teríamos que levar às últimas conseqüências a concepção de que a Lei nº 9.093/95 não impediria os municípios de ajustarem feriados que desejassem. Em síntese, a vingar o raciocínio, os Municípios estariam inteiramente livres, criando ‘ad nauseam’ feriados municipais”.

“No mais, como segundo fundamento, pode-se dizer que o assunto travado pela lei municipal impugnada diz respeito a questões que envolvem o Direito do trabalho e, segundo alguns entendimentos, até mesmo o Direito Civil, tendo o ato normativo municipal invadido, assim, a competência privativa da União, em manifesta violação ao artigo 22, inciso I, da Constituição Federal de 1988, que disciplina:

‘Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

 

‘I – direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho.’

“Sobre a natureza trabalhista dos feriados civis e religiosos, é de grande valia citar o entendimento de Arnaldo Süssekind, Ministro aposentado e considerado o ‘pai’ da CLT:

‘No que tange aos feriados civis e religiosos, certo é que a respectiva interrupção do trabalho possibilita o atendimento de todas as finalidades visadas pelo repouso hebdomadário; contudo, os fundamento e objetivos dessa paralização continuam a ser de caráter cívico ou religioso, uma vez que têm em mira permitir ao trabalhador e sua família participar das comemorações de acontecimentos e datas de grande significação universal, nacional ou religiosa.’ (Arnaldo Süssekind, Instituições, 20ª ed., vol. 2, p. 832)

“Assim, tendo a lei municipal em debate infringido o artigo 22, inciso I, da Constituição Federal, eis que invadiu a competência da União, percebe-se que restaram malferidos, também, os artigos 8º e 13 da constituição Estadual.

 

“O artigo 8º da Constituição Estadual estabelece que o Município deve observar os princípios estabelecidos na Constituição Federal. Ora, como a norma sub judice regula matéria de Direito do Trabalho, a qual compete privativamente à União legislar, fica evidente a afronta ao dispositivo constitucional referido.

 

“No que se refere ao artigo 13 da Constituição Estadual, por sua vez, este disciplina sobre as competências do Município, não outorgado competência para se legislar sobre direito do trabalho e, conseqüentemente, instituir feriado civil.

 

“Portanto, conclui-se que não está prevista na Constituição Federal autorização para que os Municípios legislem a respeito da criação de feriados civis, sendo tal matéria relacionada como de competência privativa da União.

 

“Observa-se, ainda, decisão desde Egrégio Tribunal de Justiça que, julgado, liminarmente, ação direta de inconstitucionalidade de conteúdo similar à presente demanda, restou assim ementada:

‘Ação Direta de Inconstitucionalidade – Município de Porto Alegre – feriado de 20 de novembro em homenagem ao dia da consciência negra – apreciação do pedido de liminar de suspensão dos efeitos da lei nº 9.252, de 03.11.2003, pelo colegiado e não pelo relator monocraticamente, aplicando-se a norma do art. 213 do regimento interno ante a presença de relevante interesse de ordem pública – a competência do município para instruir feriados se restringe aos religiosos em número não superior a quatro, ai incluída a sexta-feira santa, de acordo com a tradição local – interpretação da lei nº 9.093/95 – inconstitucionalidade que se ostenta ante os artigos 8º e 13 da constituição estadual e 22, i e 30, i, da constituição federal – precedente sobre o mesmo feriado decretado no município de pelotas que não se aplica ao caso concreto no qual se discute diretamente o tema da constitucionalidade. liminar concedida, por maioria. voto vencido.’ (TJRS – ADIN 70007611650 – Tribunal Pleno – Rel. Des. JOÃO CARLOS BRANCO CARDOSO, j. em 17-11-2003)

“Por oportuno, cabe observar a manifestação feita pelo relator Des. João Carlos Branco Cardoso naquela ocasião:

‘Assim, se o feriado é civil e não religioso, e sobre isso não tenho dúvida, só pode ser declarado por lei federal, daí a conclusão inexorável de que a sua decretação não se insere na competência do Município, elencada nas hipóteses a que alude o art. 13 da Constituição do Estado.’”(fls. 147/151)

Em julgamentos recentes o Tribunal de Justiça tem enfrentado esta matéria:

“ADIN. ‘Dia da Consciência Negra’. Feriado Municipal. Invasão de competência privativa da União. Ofensa aos arts. 8º e 13 da CE, que estabelecem o dever do Município observar os princípios contidos na Lei Magna, reservando à União legislar sobre o tema, afastando-se, pois, das abrangências municipais. Ação julgada procedente.(ADIN nº 70007645369, Rel. Des. PAULO AUGUSTO MONTE LOPES, j. em 19.04.2004, oriunda de Alvorada).

No seu contexto se diz:

“Por evidente, trata-se o ‘Dia da Consciência Negra” de um feriado civil, não podendo ser instituído por lei municipal, que só tem legitimidade, consoante a Lei Federal nº 9093/95, para declarar feriados religiosos e em número não superior a 4 (quatro), neste incluído a sexta-feira da Paixão (art. 2º). Portanto, inseriu-se a norma municipal em competência privativa da União por abranger o tema questão de Direito do Trabalho(interrupção do trabalho, repouso, etc.) e de Direito Civil (relações interpessoais), reservada a União(art. 22,I CF), acarretando ferimento aos arts. 8º e 13 da Carta Provincial, que estabelecem dever o Município observar os princípios estabelecidos na Constituição Federal e disciplinam as competências do Município não ensejando instituir feriado civil, orientação adotada no julgamento das ADINs nºs. 70007611650, 70007609407 e 70007609308, em 17.11.03, Rel. o Des. João Carlos Branco Cardoso”.

Por tais fundamentos julgo procedente a ADIN, aos fins de declarar a inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 4718/01 do município de Pelotas, por violação aos arts. 8º e 13 da Carta Estadual, arts. 22, I e 30,I, da Constituição Federal, tendo em vista, ainda, a Lei nº 9093/95. É o voto.

DES. ANTONIO J. DALL'AGNOL JUNIOR – Acompanho o eminente Relator.

 

DESA. MARIA BERENICE DIAS – Com o Relator.

 

DES. DANÚBIO EDON FRANCO – Com o Relator.

 

DES. WELLINGTON PACHECO BARROS – Eminente Presidente, fui o Relator da Apelação Cível <_st13a_personname w:st="on" productid="em Reexame Necessário">em Reexame Necessário nº 70004452066, julgada na 4ª Câmara Cível. Evocando as razões ali explanadas, as quais integrarei a esta manifestação, voto pela improcedência da ação. E o faço por entender que não existe conflito de inconstitucionalidade. O que pode haver é conflito de legalidade, ou seja, em nenhum momento na Constituição Estadual ou mesmo na Constituição Federal, encontra-se competência exclusiva da União para legislar sobre esta matéria.

 

E mais: isso remonta a um equívoco de longa data, desde 1937, quando se começou a consolidar uma legislação trabalhista, estabelecendo-se datas em que haveria remuneração aos feriados e finais de semana. Portanto, não se trata, em nenhum momento, repito, de um conflito de constitucionalidade ou inconstitucionalidade. Em verdade, o que pode haver - e aí a esfera é outra - é um conflito de legalidade. A União, legislando sobre determinada matéria, e o Município, por entender que Zumbi foi um dos maiores integrantes para o crescimento da sua história, homenageando-o.

 

Quero deixar claro que, embora entenda presente este conflito de legalidade, não o elevo à categoria de inconstitucionalidade.

 

Assim, reproduzo a decisão antes referida a fim de evitar inócua tautologia, in verbis:

“Prospera a inconformidade vertida no agravo de instrumento.

 

Efetivamente, assiste razão ao agravante na medida que a Constituição Federal alcança autonomia aos municípios para legislarem em assuntos que digam sobre o interesse local, consoante já antevira no despacho inicial que, por isso mesmo merece reprodução, verbis:

“(...) (1) – Tempestivos (fl. 145-02), sem preparo por isenção legal, como no recurso antecedente, sobre a mesma matéria, de todo pertinente a insurgência vertida no agravo de instrumento.

 

(2) – Efetivamente, pois o MUNICÍPIO DE PELOTAS agrava de instrumento da decisão proferida em mandado de segurança ajuizado pelo ASSOCIAÇÃO COMERCIAL DE PELOTAS E OUTROS, que concedeu liminar suspendendo os efeitos da Lei Municipal nº 4.718/2001 e Lei 4.736/2001, que instituiu o dia 20 de novembro como feriado municipal, data do aniversário da morte de Zumbi dos Palmares.

 

A Constituição Federal estrutura os direitos do indivíduo, da sociedade e do Estado, traduzindo expressamente em dispositivos legais o que vem a se chamado “Estado de Direito”. E quanto a este, a Lei Maior taxativamente dimensiona a competência de cada uma das pessoas jurídicas públicas que integram o conceito do “Estado Brasileiro”

 

E não existe de forma expressa competência para a União legislar sobre feriados no campo externo de sua própria estrutura, como o fez através da Lei n° 9.093, de 12 de setembro de 1995, o que significa concluir que a lei em questão disse mais do que poderia dizer, especialmente quanto aos Municípios.

 

De outro lado, o artigo 30, inciso I, da Constituição Federal, estabelece que o Município tem competência para legislar sobre assuntos de interesse local e já o inciso IX, desse mesmo artigo, diz que ele é também competente para promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local. Ora, grande parte da história política e econômica do Município de Pelotas foi edificada nos tempos áureos das charqueadas, toda ela tocada por trabalho escravo, na qual a figura de ZUMBI representa um ícone.

 

Portanto, na ausência expressa de disposição que autorize a União a legislar sobre feriados no âmbito geral, e existindo disposição expressa outorgando competência ao Município para legislar sobre assunto de interesse local e promoção de proteção do patrimônio histórico-cultural local, ficando caracterizado este interesse, surge o bom direito do agravante para ser protegido.

 

Não fora isso, data vênia, a decisão proferida não se coaduna com o pedido, já que este foi limitado ao efeito da lei perante os associados do impetrante, enquanto aquela suspendeu de forma genérica os efeitos da lei municipal, competência só possível através de ação direta de inconstitucionalidade.

 

De outra banda, não fosse isso e na esteira de entendimento desta Quarta Câmara Cível, a decisão foi proferida pela Dra. Pretora, matéria de cuja competência deveria conhecer o juiz de direito.

 

(3) - Por tais fundamentos, concedo o efeito suspensivo à decisão hostilizada.

 

Oficie-se e solicite-se informações. Intime-se o agravado.

 

Após, ao MP.

 

Intime-se.

 

Porto Alegre, 19 de novembro de 2001.(...)”

Nesse sentido como referido pelo agravante, o Supremo Tribunal Federal se pronunciou no RE nº 251.470-5-RJ, onde o insigne Ministro MARCO AURÉLIO abordou a questão, sendo pertinente transcrever parte do seu voto, in verbis:

“(...) Atuou o Município em via na qual surge a autonomia maior norteada por conceitos ligados à conveniência e à oportunidade. Os textos dos incisos I e II do artigo 358 da Constituição do Estado não brecam a competência legislativa dos municípios para instituírem, à luz do critério da razoabilidade, feriados. Se o fizessem, aí, sim, seriam inconstitucionais ante a autonomia municipal assegurada pela Constituição da república. Eis o teor desses preceitos:

 

Art. 358. Compete aos Municípios, além do exercício de sua competência tributária e da competência comum com a União e o Estado, previstas nos artigos 23, 145, 156 da Carta da República:

 

I – legislar sobre assunto de interesse local;

 

II – suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

 

O Município do Rio de Janeiro legislou sobre assunto que pode ser tido como de interesse local, muito embora não se mostre peculiar, específico, exclusivo ao campo de atuação. Esse predicado é dispensável, porquanto não há antinomia entre a noção de interesses locais e interesses gerais. Quanto ao inciso II, já foi dito que a suplementação diz respeito à legitimação concorrente. (...)”.

Portanto, estou votando pela improcedência da ação.

 

DES. LUIZ ARI AZAMBUJA RAMOS – Acompanho o eminente Relator.

 

DES. ROQUE MIGUEL FANK – Da mesma forma.

 

DES. LEO LIMA – Também.

 

DES. ARMINIO JOSÉ ABREU LIMA DA ROSA – Com o Relator.

 

DES. ARNO WERLANG – Também.

 

DES. ALFREDO FOERSTER – Com o Relator.

 

DES. SILVESTRE JASSON AYRES TORRES – Com o Relator.

 

DES. MARCO ANTÔNIO R. DE OLIVEIRA – Com o Relator.

 

DES. JOSÉ FRANCISCO PELLEGRINI – Com a vênia do eminente Relator, acompanho o Des. Wellington.

 

DES. OSVALDO STEFANELLO (PRESIDENTE) – Voto com o eminente Relator.

 

DES. CACILDO DE ANDRADE XAVIER – Com o Relator.

 

DES. ALFREDO GUILHERME ENGLERT – Também.

 

DES. ANTONIO CARLOS NETTO MANGABEIRA – Com o eminente Relator.

 

DES. JOSÉ EUGÊNIO TEDESCO – Da mesma forma.

 

DES. ANTONIO CARLOS STANGLER PEREIRA – Da mesma forma.

 

DES. PAULO A. MONTE LOPES – Também.

 

DES. RANOLFO VIEIRA - Respeitosa vênia para discordar dos eminentes Relator e Revisor.

 

O fundamento dos votos manifestados centra-se na contrariedade do Diploma Municipal em causa à Lei Federal nº 9.093/95, que estabelece, em seu artigo 2º, competir ao Município a declaração dos feriados religiosos, em número não superior a quatro, neste incluída a Sexta-Feira da Paixão.

 

Tenho que se cuida de confronto entre a lei municipal impugnada e lei federal, situação que não comporta o manejo de ação direta de inconstitucionalidade para seu deslinde.

 

Foi o que decidiu o plenário do Supremo Tribunal Federal, à unanimidade, em hipótese idêntica à dos autos.

 

O Município do Rio de Janeiro também declarou feriado municipal, em 1995, o dia 20 de novembro, aniversário da morte de Zumbi dos Palmares. Contra a Lei Municipal foi ajuizada, perante o Tribunal de Justiça do Estado, ação direta de inconstitucionalidade, que foi julgada procedente em acórdão assim ementado:

“Representação de inconstitucionalidade de Lei do Município do Rio de Janeiro, que institui o dia 20 de novembro, data de aniversário da morte de ‘Zumbi dos Palmares’, como feriado municipal – Nos assuntos atinentes a feriados cabe a suplementação da legislação federal pelos Municípios, no que respeita aos religiosos, em número não superior a quatro, neles incluídos a Sexta-Feira da Paixão – Contraiedade com o que dispõe o artigo 358, I, da Constituição Estadual – Lei que, extrapolando o princípio federativo referente à distribuição de competência, que o art. 6º, da Constituição do Estado manda observar, afrontando, também o artigo 355, I, da Carta Estadual, por versar matéria não pertinente a interesse local – Procedência.”

Interposto recurso extraordinário, que tomou o nº 251.470-5, Relator o Min. Marco Aurélio, o Plenário do STF, em decisão unânime, como dito, proveu-o, em 24 de maio de 2000, para assentar a impossibilidade jurídica do pedido formulado na inicial da ação. Participaram do julgamento, além do Relator os Ministros Moreira Alves, Néri da Silveira, Sydnei Sanches, Octavio Galotti, Sepúlveda Pertencente, Celso de Mello, Ilmar Galvão, Maurício Corrêa e Nelson Jobim.

 

O acórdão recebeu esta ementa:

“REPRESENTAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE – ESTADOS-MEMBROS – ADEQUAÇÃO – A autorização constitucional – artigo 125, § 12º, da Constituição Federal – está jungida ao confronto de lei estadual ou municipal com a Constituição do Estado, surgindo a impossibilidade jurídica do pedido no que verificado o conflito da norma atacada com a lei federal.”

Com apoio em tal antecedente voto pela improcedência desta ADIN por impossibilidade jurídica do pedido.

 

Não desconheço o posicionamento deste órgão julgador, e eu mesmo já tenho votado em tal sentido, da ocorrência de bloqueio da competência do Município para legislar de modo contrário à Lei Federal, quando a competência, na hipótese, é privativa da União.

 

No caso dos autos, conforme tal posicionamento, partindo do pressuposto de que a instituição de feriados implica em legislar sobre Direito Civil, Direito Comercial e Direito do Trabalho, matérias cuja competência para legislar é privativa da União, conforme o art. 22, I da Constituição Federal, ao Município só resta obedecer ao disposto na Lei Federal nº 9.093/95, instituindo feriados religiosos, nos dias de guarda, limitados ao número de quatro. Sendo-lhe, pois, vedado criar feriados que não tenham tal natureza ou exceder o número fixado.

 

Não creio, entretanto, que a declaração de feriados, embora as implicações em vários campos do Direito, seja matéria específica de Direito Civil ou de Direito Comercial ou de Direito do Trabalho. Em verdade, nem a Constituição Federal nem a do Estado do Rio Grande do Sul dispõem sobre a competência legislativa para declarar feriados.

 

A instituição de feriados com o propósito de marcar, de celebrar datas significativas para a comunidade ou de “promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local”, conforme os termos do inciso IX do art. 30 da Constituição Federal, insere-se na competência legislativa do Município; está compreendida nos “assuntos de interesse local”, como escrito no inciso I do mesmo artigo da Carta da República.

 

Invoco, a propósito, estas passagens do voto condutor do acórdão do STF antes mencionado:

 

“Em primeiro lugar consigna-se que a previsão contida no artigo 358 da Carta Estadual (referindo-se a Constituição do Rio de Janeiro) sobre a competência dos municípios na suplementação da legislação federal ou estadual há de ser compreendida dentro de um contexto de que cogita o artigo 23 da Carta da República. Entre os incisos nele insertos não se tem, em si, o referente à decretação de feriado. A atividade em tal campo faz-se à luz da autonomia municipal consagrada no artigo 30, inciso I, nela contido. Compete aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local. Ora, na espécie dos autos, os representantes do povo do município do Estado do Rio de Janeiro concluíram no sentido de homenagear a Zumbi e o fizeram a partir da atuação cívica revelada pelo personagem que acabou por integrar a História no panteão que a Pátria deve cultuar.”

 

Abro um parêntesis para lembrar aqui trecho do livro “20 de Novembro. Dia Nacional da Consciência Negra. Injustiça e Discriminação. Até Quando?”, de Alfredo Bulus Júnior, mencionado pelo Des. Araken de Assis, em voto proferido na ADIN 70007609308 (Liminar), onde discutido mesmo feriado instituído pelo Município de Porto Alegre:

 

“Como se sabe, 20-11-1695 é a data da morte histórica de Zumbi, principal líder do Quilombo dos Palmares, a maior de toda a nossa história. Lutando pela liberdade, os palmarinos resistiram durante quase 100 anos. Com isso, ameaçaram, enfraqueceram e desgastaram a escravidão. Hoje, o negro Zumbi é o principal símbolo da luta contra todas as formas de opressão e exclusão que continuaram a castigar os descendentes de africanos no Brasil. Após a Lei Áurea, a comunidade negra iniciou uma outra luta para mudar essa situação. Durante essa longa caminhada, percebeu que o 13 de maio é uma data postiça, pois lembra a liberdade doada por uma Princesa, que não participou das lutas pela abolição, enquanto que 20 de novembro é um marco da história do negro, pois lembra a liberdade conquistada pelos quilombadas na luta desesperada contra a escravidão.

 

“A idéia de se marcar este dia nasceu <_st13a_personname w:st="on" productid="em Porto Alegre">em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. A iniciativa foi do poeta Oliveira Silveira, membro do Grupo Palmares, uma associação cultural de negros.

 

“Lendo com atenção o livro ‘O Quilombo dos Palmares’, do baiano Edson Carneiro, os membros dessa associação concluíram que Palmares foi a maior manifestação de resistência negra ocorrida na nossa história, por isso, no dia 20-11-1971, um sábado, no Clube Náutico Marcílio Dias, fez-se a primeira grande homenagem a Zumbi dos Palmares. Pela primeira vez na história do Brasil, pessoas das camadas populares marcavam uma data cívica, escolhendo quando, o que e como comemorar. Desde então, os movimentos negros começaram a promover o enterro simbólico do 13 de maio e a valorização do 20 de novembro, até que, em Salvador, no dia 07-07-1978, o Movimento Negro Unificado propôs o 20 de novembro como dia nacional da consciência negra. A proposta foi aceita por grupos, associações e movimentos negros de todo o País. A consciência nascia da luta.

 

“Com isso, o negro, que sempre agiu transformando a nossa história, começava agora também a construir a memória nacional.”

 

Como se vê, a iniciativa de comemorar o dia da morte de Zumbi dos Palmares, a primeira comemoração, nasceu no Rio Grande do Sul, mais precisamente <_st13a_personname w:st="on" productid="em Porto Alegre">em Porto Alegre, Capital do Estado.

 

E aqui, no Rio Grande do Sul, inúmeros municípios, como o de Pelotas, cuja legislação agora se examina, tiveram sua história marcada profundamente pela atuação dos escravos, como sustentáculo de sua economia. Sua população, hoje, é composta por significativo contingente de descendentes de africanos, que marcaram e marcam sua cultura.

 

Feitas essas observações, continuo a citar o Min. Marco Aurélio, no voto que estava a ler:

 

“O Município do Rio de Janeiro legislou sobre assunto que pode ser tido como de interesse local, muito embora não se mostre peculiar, específico, exclusivo ao campo de atuação. Esse predicado é dispensável, porquanto não há antinomia entre a noção de interesses locais e interesses gerais.”

 

Ainda que se tenha por privativa da União a competência para legislar sobre feriados, como posto nos voto do eminente Relator desta ADIN, prevalecendo a lei federal, à qual os Municípios devem obediência, ainda assim voto pela improcedência da presente ação.

 

Partindo-se desse entendimento, verifico que a União desincumbiu-se de sua competência para legislar, delegando aos Municípios a possibilidade de instituir quatro feriados municipais, conforme o interesse local. Ao fazê-lo, declarou esses feriados como religiosos, dias de guarda.

 

Ocorre que o Estado Brasileiro é laico.

 

Nessas condições, a referência a feriados religiosos, a dias de guarda, não tem sentido. Não encontra guarida nos princípios fundamentais insculpidos na Constituição. Há de se ter que a Lei Federal atribuiu aos Municípios a instituição de quatro feriados anuais, a serem declarados na conformidade com as tradições locais, ainda que estas não se enquadrem, estritamente, no conceito corrente e tradicional de dia de guarda.

 

Assim, em resumo, voto, por primeiro, pela improcedência desta ADIN por impossibilidade jurídica do pedido. Se vencido neste ponto, insisto na improcedência da ação porque não afrontado qualquer dispositivo da Constituição Estadual ou algum princípio imposto pela Constituição da República à obrigatória observância de Estados e Municípios.

 

É como voto.

 

DES. VLADIMIR GIACOMUZZI – Acompanho o Relator.

 

DES. ARAKEN DE ASSIS – Com o Des. Vasco.

 

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 70007645443, DE PORTO ALEGRE: “POR MAIORIA, JULGARAM PROCEDENTE A AÇÃO, VENCIDOS OS DESEMBARGADORES WELLINGTON, PELLEGRINI E RANOLFO”. IMPEDIDO O DES. MARCELO BANDEIRA PEREIRA.

 

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