Nesta quinta-feira, 13, o plenário do STF decidiu que deve ser aplicada a lei do racismo para atos de homofobia e transfobia, enquanto não houver edição de lei por parte do Congresso. Os ministros reconheceram que há omissão e mora do Legislativo em editar lei que criminalize atos homotransfóbicos.
Ações
Os ministros se debruçaram sobre duas ações: a ADO 26 e o MI 4.733. A primeira foi ajuizada pelo PPS - Partido Popular Socialista, pedindo que o STF declarasse a omissão do Congresso Nacional por não ter elaborado legislação criminal para punir todas as formas de homofobia e de transfobia. Segundo o partido, a conduta pode ser enquadrada como racismo, pois implica inferiorização da população LGBT, ou como discriminação atentatória a direitos e a liberdades fundamentais.
O mandado de injunção foi ajuizado pela ABGLT - Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros. Assim como na ADO 26, a entidade pede o reconhecimento de que a homofobia e a transfobia se enquadram no conceito de racismo ou, subsidiariamente, que sejam entendidas como discriminações atentatórias a direitos e liberdades fundamentais. A entidade sustenta que a demora do Congresso Nacional é inconstitucional, tendo em vista o dever de editar legislação criminal sobre a matéria.
Relatores
O decano Celso de Mello é o relator da ADO 26. Em um extenso voto, o ministro reconheceu o estado de mora inconstitucional do Congresso Nacional por não editar lei de proteção penal aos integrantes do grupo LGBTQ+.
Celso de Mello afirmou que as práticas homotransfóbicas representam uma forma contemporânea de racismo e avaliou a importância do julgamento no processo de ampliação e de consolidação dos direitos fundamentais das pessoas. “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade de direitos”, destacou o relator, ressaltando que a orientação sexual e a identidade de gênero são essenciais à dignidade e à humanidade de cada pessoa, “não devendo constituir motivo de discriminação ou abuso”.
- Veja a íntegra do voto do decano.
Edson Fachin, relator do MI 4.733, também teve conclusão no mesmo sentido. O ministro votou pela aplicação da lei do racismo à homofobia e à transfobia até edição de lei específica. O relator reconheceu a mora legislativa e afirmou que ela é ainda mais grave em razão das recorrentes notícias de violações dos direitos da comunidade LGBTQ+ no país. Ressaltou que vários relatórios de organismos internacionais apontam o Brasil como um dos países onde mais ocorreram mortes e agressões contra essa população.
- Veja a íntegra do voto de Fachin.
Seguiram o mesmo entendimento os ministros Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes.
Divergência
O ministro Ricardo Lewandowski abriu a divergência no ponto da aplicação da lei de racismo para atos homotransfóbicos. Para ele, apenas o poder Legislativo pode criminalizar a conduta, destacando que só o parlamento pode aprovar crimes e penas. Tal tipificação, segundo ele, atentaria contra o princípio da reserva legal. Assim, votou no sentido de apenas reconhecer a mora legislativa e determinar que se dê ciência ao Congresso Nacional para as providências necessárias, sem fixar prazo. Presidente Dias Toffoli acompanhou entendimento.
- Veja a íntegra do voto do ministro Ricardo Lewandowski.
O ministro Marco Aurélio inadmitiu o MI por entender que a via é inadequada e que não há segmento que tenha direito à criminalização. O ministro também deixou de reconhecer a omissão do Legislativo quanto à criminalização e afirmou que "não há crime sem lei, e quando a Constituição se refere a lei, é lei no sentido formal, emanada do Congresso Nacional".
Para o ministro, a lei do racismo não pode ser ampliada em razão da taxatividade dos delitos expressamente nela previstos. Ele considerou que a sinalização do STF para a necessária proteção das minorias e dos grupos socialmente vulneráveis, por si só, contribui para uma cultura livre de todo e qualquer preconceito e discriminação, preservados os limites da separação dos Poderes e da reserva legal em termos penais.
Resultado
Portanto, ficou assim definido o resultado:
- Até que sobrevenha lei emanada do Congresso Nacional, destinada a implementar os mandados de criminalização, as condutas homofóbicas e transfóbicas reais ou supostas, que envolvem a aversão odiosa à orientação sexual ou à identidade de gênero de alguém, por traduzirem expressões de racismo, compreendido este em sua dimensão social, ajustam-se por identidade de razão e mediante adequação típica aos preceitos primários de incriminação, constituindo também na hipótese de homicídio doloso, circunstância que o qualifica por considerar motivo torpe.
- A repressão penal à prática da homotransfobia não alcança e nem restringe ou limita o exercício da liberdade religiosa, qualquer que seja a orientação confessional professada, a cujos fiéis e ministros (....) é assegurado o direito de pregar e de divulgar livremente pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio o seu pensamento.
- O conceito de racismo ultrapassa aspectos estritamente biológicos ou fenotípicos e alcança a negação da dignidade e da humanidade de grupos vulneráveis.
Situação da comunidade LGBTQ+
Ao longo dos votos dos ministros, ficou clara a triste realidade de preconceito e discriminação que a comunidade LGBTQ+ vive. A FGV DAPP - Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas divulgou dados sobre o tema. Confira: