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STJ redimensiona pena-base fixada no quádruplo do mínimo legal

Ministra considerou desproporcional fixar pena-base no quádruplo do mínimo legal com valoração negativa de apenas duas circunstâncias judiciais.

17/4/2019

A ministra Laurita Vaz, do STJ, concedeu ordem em HC para redimensionar a pena de uma mulher condenada por estelionato, tornando-a definitiva em 3 anos e 4 meses de reclusão, e 33 dias-multa e declarando extinta a punibilidade, pela prescrição da pretensão punitiva. 

“Evidente a desproporcionalidade de se fixar a pena-base no quádruplo do mínimo legal com valoração negativa de apenas duas circunstâncias judiciais.”

De acordo com os autos, em primeiro grau, ela foi absolvida da imputação dos crimes previstos nos arts. 288 e 171 (por vinte e sete vezes), c.c. o art. 29 e 69, todos do CP, com fundamento no art. 386, inciso VII, do CPP

O TJ/SP, contudo, deu provimento ao recurso de apelação acusatório para condená-la como incursa no art. 171, caput (por vinte e sete vezes, em continuidade  delitiva), às penas de 6 anos e 8 meses de reclusão, em regime semiaberto, mais pagamento de 66 dias-multa, e pelo art. 288, caput, do CP, à pena de 2 dois de reclusão. Foi declarada extinta a punibilidade pela prescrição intercorrente da pretensão punitiva, especificamente com relação ao crime de quadrilha. 

Os embargos de declaração opostos pela defesa do corréu foram rejeitados. A defesa ajuizou o agravo em recurso especial, que foi conhecido e não provido no STJ. 

Esgotadas as vias impugnativas, ocorreu o trânsito em julgado da condenação. No HC ao STJ, os impetrantes defendem que a sanção penal aplicada à paciente é exorbitante, tendo em vista a fixação da pena-base quatro vezes acima do mínimo legal, bem como o aumento em 2/3 pela continuidade delitiva.

Sustentam que o agravamento da sanção penal não possui fundamentação idônea, pois lastreado em elementares do tipo e na gravidade abstrata do delito.  Buscam, assim, liminarmente, a possibilidade de aguardar o julgamento do presente writ em regime aberto. No mérito, buscam a concessão da ordem para fixar a pena-base da paciente no mínimo legal, fixando-se o regime inicial mais favorável e substituindo a pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos.

A ministra Laurita Vaz destacou ser certo que o julgador deve, ao individualizar a pena, examinar com acuidade os elementos que dizem respeito ao fato, obedecidos e sopesados todos os critérios estabelecidos no art. 59 do CP, para aplicar, de forma justa e fundamentada, a reprimenda que seja, proporcionalmente, necessária e suficiente para reprovação do crime, além das próprias elementares comuns ao tipo. 

Ainda de acordo com a ministra, quando considerar desfavoráveis as circunstâncias judiciais, deve o magistrado declinar, motivadamente, as suas razões, pois a inobservância dessa regra implica ofensa ao preceito contido no art. 93, inciso IX, da CF/88. 

No caso, a exasperação da pena-base foi justificada nas circunstâncias concretas do crime, tendo em vista que a ré utilizava-se de sua posição de chefia para efetuar as fraudes, obrigando seus funcionários a agirem em desacordo com suas funções por meio de ameaças. "agravamento da reprimenda se justifica nas consequências do delito, diante do elevado prejuízo financeiro experimentado pela vítima com o esquema criminoso. A paciente seria responsável pelo desvio de mais de dois milhões de reais."

De acordo com Laurita Vaz, tal entendimento encontra amparo na jurisprudência do STJ, que considera válido o acréscimo na pena em razão do elevado prejuízo nos crimes contra o patrimônio.

A ministra pontuou que o legislador não delimitou parâmetros para a fixação da pena-base, de forma que as circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do CP, cotejadas com o juízo de valor a ser feito caso a caso na delimitação da gravidade concreta do crime, conduzem a algum grau de discricionariedade na aplicação da pena-base.

Todavia, para ela, “convém não confundir o conceito de discricionariedade com o conceito de arbitrariedade. Este refere-se a uma liberalidade decisória não permitida pelo Direito, advinda de meros impulsos emotivos ou caprichos pessoais que não se apoiam em regras ou princípios  institucionais. Aquele, ao revés, envolve o reconhecimento de que a vagueza de certas normas  jurídicas implica a necessidade de apelo ao juízo subjetivo de Magistrados que interpretam o  Direito à luz de diferentes concepções de justiça e de diferentes parâmetros de relevância, bem  como de que a decisão tomada dentro dessa zona de incerteza deverá ser considerada  juridicamente adequada caso seja informada por princípios jurídicos e esteja amparada em  critérios como razoabilidade, proporcionalidade, igualdade e sensatez.”

A ministra frisou que, com o propósito de estabelecer uma distinção jurídica entre os diferentes graus de gravidade concreta que um mesmo crime abstratamente previsto pode implicar, a análise da proporcionalidade da valoração da primeira etapa da dosimetria da pena deve guardar correlação com o número total de circunstâncias judiciais do art. 59 do CP reconhecidas como desfavoráveis ao réu, salvo em hipóteses excepcionais, nas quais a gravidade do delito justifique exasperação diferenciada numa ou noutra circunstância judicial particular.

“Sendo assim, embora não haja vinculação a critérios puramente matemáticos – como, por exemplo, os de 1/8 (um oitavo) ou 1/6 (um sexto) por vezes sugeridos pela doutrina –, os princípios da individualização da pena, da proporcionalidade, do dever de motivação das decisões judiciais, da prestação de contas e da isonomia exigem que o julgador, a fim de balizar os limites de sua discricionariedade, realize um juízo de coerência entre (a) o número de circunstâncias judiciais concretamente avaliadas como negativas; (b) o intervalo de pena abstratamente previsto para o crime; e (c) o quantum de pena que costuma ser aplicado pela jurisprudência em casos parecidos.”

No caso concreto, para a ministra, considerando-se o intervalo da pena abstrata cominada ao crime de estelionato (1 a 5 anos de reclusão), mostra-se desarrazoado o aumento de 3 anos da pena-base. 

“Malgrado a evidente gravidade da conduta e a devida exasperação na pena-base, o Julgador deve sempre respeitar o critério da proporcionalidade entre o aumento implementado e as circunstâncias judiciais consideradas desfavoráveis.”

Os advogados Sergei Cobra Arbex, Fernando Lacerda e Giovanna Garrido, do escritório Zulaiê Cobra Ribeiro - Sociedade de Advogados, impetraram o HC em favor da paciente.  

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