Lava Jato. Desde 2014, não há um dia em que os jornais não estampem desdobramentos desta que é a maior iniciativa de combate à corrupção e lavagem de dinheiro da história do país.
Iniciada na Justiça Federal de Curitiba, a Lava Jato apontou irregularidades na Petrobras e acabou chegando no RJ e DF, inclusive resultando em dezenas de inquéritos criminais junto ao STF e STJ por alcançar pessoas com foro privilegiado. Os desvios apurados chegam na casa dos bilhões de reais. Some-se a esta cifra a importância política e econômica dos envolvidos nos complexos esquemas de corrupção investigados.
A Lava Jato caiu no colo de Sérgio Moro, então juiz Federal à frente do berço da operação - Curitiba. Incumbido de conduzir os trabalhos, o ex-juiz tornou-se herói nacional.
Prestes a assumir a pasta do Ministério da Justiça, Sérgio Moro já tem status de superministro no governo do presidente eleito Jair Bolsonaro. Mas, nem tudo são flores. É o tempo de lembrar suas ações mais controversas à frente da operação.
Soltem-se os presos
Em maio de 2014, o saudoso ministro Teori Zavascki, então responsável pelas ações da Lava Jato no STF, determinou a libertação de todos aqueles que Sérgio Moro mandou prender. Teori também solicitou que a Justiça Federal do Paraná enviasse ao STF os inquéritos e processos relativos ao caso. Isto porque havia indícios, já naquele momento, de participação de parlamentares no suposto esquema de lavagem de dinheiro e evasão de divisas. Os deputados eram André Vargas e Luiz Argôlo.
Apontando ilegalidade nos atos de Moro, a ordem de Zavascki foi concedida após pedido da defesa do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, um dos presos. Costa questionou ao Supremo se, em razão do envolvimento de deputados no caso, a Justiça Federal do Paraná tinha competência para determinar a prisão dele e tomar decisões no processo. A resposta era não.
Após Moro questionar a decisão, o ministro reconsiderou e manteve algumas prisões, mas garantiu a soltura de Paulo Roberto Costa.
Vazamento do áudio
O episódio mais conhecido entre os erros apontados na Lava Jato foi a divulgação do grampo telefônico entre Lula e Dilma. Em 16 de março de 2016, Sérgio Moro proferiu despacho em que derrubou sigilo de grampo e permitiu a divulgação de ligação telefônica entre Dilma Rousseff, então presidente da República, e o ex-presidente Lula.
Lula estava nos holofotes porque, dias antes, passou a compor a lista de investigados na operação. Na ocasião, ele foi conduzido coercitivamente para depor na PF. A suspeita envolvia benfeitorias feitas pela construtora OAS em um tripléx no Guarujá e em um sítio em Atibaia. Nas gravações, além de tecer críticas à Justiça, Lula chamava o STF e o STJ de "acovardados".
Mas o ponto polêmico da divulgação não foram as bravatas: no diálogo, Dilma diz que o termo de posse de Lula na Casa Civil já estava pronto, para que usassem “em caso de necessidade”. A intenção era evitar eventual prisão de Lula pela PF. Se nomeado ministro, ele teria direito a foro privilegiado, ficando impedido de ser preso pelo juízo de 1º grau.
O diálogo, por sua vez, aconteceu horas depois do fim do grampo determinado pelo juiz. De maneira que, juridicamente falando, tratava-se de prova ilícita – o que posteriormente seria confirmado pelo ministro Teori Zavascki.
Após a quebra de sigilo permitida por Sérgio Moro, ministro Teori determinou que o juiz remetesse a investigação sobre Lula ao STF, não sem antes dar uma reprimenda no juiz de piso:
"Embora a interceptação telefônica tenha sido aparentemente voltada a pessoas que não ostentavam prerrogativa de foro por função, o conteúdo das conversas – cujo sigilo, ao que consta, foi levantado incontinenti, sem nenhuma das cautelas exigidas em lei – passou por análise que evidentemente não competia ao juízo reclamado."
O caso acabou em pedido de “escusas” de Sérgio Moro para o Supremo, afirmando que a divulgação dos áudios não teve intenção político-partidária. “Jamais foi a intenção desse julgador, ao proferir a aludida decisão de 16/03, provocar tais efeitos e, por eles, solicito desde logo respeitosas escusas a este Egrégio Supremo Tribunal Federal."
Moro destacou que o foco da investigação era Lula, que não tinha direito ao foro por prerrogativa de função, e que o fato de a gravação envolver Dilma foi “caso fortuito”. Ele admitiu que pode ter "se equivocado em seu entendimento jurídico".
Tornozeleira de Dirceu
Após o ex-ministro José Dirceu se entregar à PF, em maio, para cumprir pena em condenação em segunda instância, pelo TRF da 4ª região, ele conseguiu, por decisão da 2ª turma do STF o direito de aguardar julgamento de recursos em liberdade.
Ato contínuo à soltura, Sérgio Moro despachou determinando o uso de tornozeleira eletrônica por Dirceu, a fim de “proteger a aplicação da lei penal”, entendendo que a reativação das medidas cautelares se impunha diante da suspensão da execução provisória.
Mas a decisão foi prontamente cassada por Dias Toffoli - de ofício, sem que houvesse pedido das partes. Para o ministro, mais uma vez a decisão de Moro extravasou suas competências, já que restabeleceu as cautelares "à míngua de qualquer autorização" por parte do Supremo. “Constato, de plano, afronta à decisão proferida por esta Suprema Corte no julgamento da reclamação em questão."
Após mais uma reprimenda vinda da mais alta Corte do país, Moro retirou as cautelares impostas e lamentou que sua determinação tivesse sido interpretada como descumprimento. O magistrado disse acreditar que a consequência natural da decisão que suspendeu a execução provisória da pena seria o restabelecimento da situação anterior à prisão, com as medidas cautelares antes impostas. "Entretanto, este juízo estava aparentemente equivocado."
Prisão de Mantega
Em setembro de 2016, Sérgio Moro mandou prender Guido Mantega na 34ª fase da operação Lava Jato. O mandado foi de prisão temporária, após Eike Batista dizer em depoimento que pagou mais de 2 milhões de dólares ao PT a pedido do ex-ministro da Fazenda.
A prisão ocorreu no hospital Albert Einstein, no Morumbi, Zona Sul de São Paulo, onde Mantega acompanhava a esposa, que ia passar por cirurgia devido a um câncer – ela faleceu em 2017. À época, a prisão foi tida como arbitrária e desumana.
No mesmo dia, Moro disse que não sabia que Mantega acompanhava o cônjuge acometido de doença grave. De ofício, por urgência, revogou a prisão.
Em 2017, Mantega fez acordo de compromisso com o MPF, no qual se comprometeu a fornecer informações sobre o BNDS. Diferentemente de delação premiada, neste caso não há confissão de crime. Em troca, o MP não pedirá sua prisão.
Em agosto de 2018, o ex-ministro se tornou réu por corrupção e lavagem após Sérgio Moro aceitar denúncia. Mas, em setembro, Dias Toffoli deferiu liminar para suspender o andamento de ação penal. Em análise preliminar de reclamação ajuizada no Supremo, o relator verificou que os crimes objeto do processo naquele juízo dizem respeito aos mesmos fatos que o STF sinalizou serem crime de caixa 2 eleitoral, de competência da Justiça Eleitoral.
O caso tratava da suposta solicitação de recursos ao empresário Marcelo Odebrecht e uso dos valores para custeio de despesas da campanha de Dilma Rousseff à presidência da República. Na reclamação, a defesa alegou que o juízo da 13ª vara, ao receber a denúncia, desrespeitou a decisão da 2ª turma do STF quando assentou que doações eleitorais por meio de Caixa 2 podem constituir o crime de falsidade ideológica eleitoral, o que justifica a competência da Justiça Eleitoral para processar e julgar os fatos.
Para Toffoli, houve tentativa de burlar o entendimento do Supremo. "Entendo, neste juízo de cognição sumária, que a decisão do juízo da 13ª vara Federal de Curitiba tentou burlar o entendimento fixado no acórdão invocado como paradigma ao receber a denúncia do MPF", disse o presidente do STF.
Os autos foram remetidos à Justiça Eleitoral do Distrito Federal.
Mantega voltou ao banco dos réus no mês passado, quando foi recebida pelo juízo Federal do DF denúncia contra ele, Lula, Dilma, Palocci e Vaccari.