O ministro do TSE Carlos Horbach indeferiu liminar interposta pela coligação “O Povo Feliz de Novo” (PT/PCdoB/PROS), na qual se pedia que a emissora de televisão Record se abstivesse de veicular toda e qualquer entrevista do candidato Jair Bolsonaro antes do primeiro turno das eleições. Para o ministro, impedir a veiculação da entrevista seria manifesto ato de censura prévia.
No pedido, a coligação alega que a veiculação da entrevista exclusiva de Bolsonaro aconteceria exatamente no mesmo horário do debate promovido pela Rede Globo entre presidenciáveis. Para as legendas, a divulgação, em rede nacional, de entrevista de um único candidato a poucos dias das eleições caracterizaria tratamento privilegiado vedado em lei.
Ao analisar o pedido de tutela, o ministro Carlos Horbach afirmou que deferir a liminar afrontaria de modo direto disposto da Constituição, que proíbe "toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística".
Para Carlos Horbach, "impedir, por meio de decisão judicial, que uma emissora de televisão veicule ‘toda e qualquer entrevista do candidato Jair Bolsonaro antes do primeiro turno das eleições, por quaisquer dos meios de comunicação (televisão aberta, televisão fechada, rádio e internet)’ seria manifesto ato de censura prévia, contrária à liberdade de imprensa, pressuposto fulcral do regime democrático".
- Processo: 060160071.2018.6.00.0000
Veja a íntegra da decisão.
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REPRESENTAÇÃO Nº 060160071.2018.6.00.0000
CLASSE 11541 BRASÍLIA DISTRITO FEDERAL
Relator: Ministro Carlos Horbach
Representante: Coligação O Povo Feliz de Novo (PT/PC DO B/PROS)
Advogados: Eugênio José Guilherme de Aragão e outros
Representados: Televisão Record do Rio de Janeiro Ltda., Coligação Brasil Acima de Tudo, Deus Acima de Todos (PSL/PRTB) e Jair Messias Bolsonaro
DECISÃO
Trata-se de representação, com pedido de tutela de urgência, formalizada pela Coligação O Povo Feliz de Novo contra Televisão Record do Rio de Janeiro Ltda., a Coligação Brasil Acima de Tudo, Deus Acima de Todos e seu candidato à Presidência da República, Jair Messias Bolsonaro, na qual se alega iminente violação ao inciso IV do art. 45 da Lei das Eleições, consubstanciada na veiculação, pela primeira representada, de entrevista exclusiva do referido candidato, exatamente no mesmo horário em que será transmitido, pela Rede Globo de Televisão, o debate entre os demais postulantes ao cargo de presidente da República, ou seja, às 22h do dia de hoje, 4.10.2018.
Aduz a representante, em síntese, que a divulgação, em rede nacional, de entrevista de um único candidato a poucos dias das eleições caracterizaria tratamento privilegiado vedado em lei, bem como evidenciaria a prática de abuso do poder econômico e de abuso do poder religioso, tendo em vista a notória vinculação da emissora representada com uma denominação evangélica.
Requer medida liminar para o fim específico de determinar que os “representados se abstenham de veicular toda e qualquer entrevista do candidato Jair Bolsonaro antes do primeiro turno das eleições, por quaisquer dos meios de comunicação (televisão aberta, televisão fechada, rádio e internet)”. No mérito, pugna pela confirmação do provimento cautelar e pela aplicação da multa prevista no § 2º do art. 45 da Lei nº 9.504/1997.
Registrese, desde logo, que o deferimento da liminar, nos termos requeridos pela representante, afrontaria de modo direto o disposto no § 2º do art. 220 da Constituição, que proíbe “toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”. Com efeito, impedir, por meio de decisão judicial, que uma emissora de televisão veicule “toda e qualquer entrevista do candidato Jair Bolsonaro antes do primeiro turno das eleições, por quaisquer dos meios de comunicação (televisão aberta, televisão fechada, rádio e internet)” seria manifesto ato de censura prévia, contrária à liberdade de imprensa, pressuposto fulcral do regime democrático.
A impossibilidade de censura prévia decorre, além do explícito comando constitucional, da própria lógica normativa que exsurge da Lei das Eleições, que prevê medidas repressivas a serem aplicadas ante o tratamento privilegiado a candidatos. É o que se tem no § 2º do seu art. 45, com a previsão de multa a ser paga pela emissora, ou mesmo com a possibilidade de suspensão, por vinte e quatro horas, da programação normal da emissora, nos termos do art. 56 da Lei nº 9.504/1997.
Tais disposições tutelam a livre manifestação sem relativizála por meio de instrumentos censórios, em estrita observância ao § 1º do já referido art. 220 da Constituição, segundo o qual “nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social”.
Nenhuma norma do direito eleitoral brasileiro, disciplina jurídica materialmente constitucional responsável pela higidez da democracia, autoriza, portanto, o controle prévio de conteúdos jornalísticos, tal como requerido pela representante.
Esse, aliás, é o entendimento da jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, como se pode verificar, entre outros precedentes, no julgamento do AgRRp nº 803, rel. Min. Marcelo Ribeiro, PSESS em 11.10.2005. Nesse feito, buscavase impedir a transmissão de capítulo de telenovela no qual seria veiculada propaganda eleitoral, o que foi indeferido exatamente ante a vedação à censura prévia. É o que se depreende do judicioso voto do relator, in verbis:
Finalmente, Sr. Presidente, creio que a representação, como formulada, importaria, se acatada, censura prévia. Relembrese que foi ela ajuizada antes de a novela ir ao ar, pretendendo fosse suspensa, liminarmente, a veiculação de obra de teledramaturgia. No mérito, pediuse fosse determinada a proibição de que a representada, “na novela referida ou em qualquer outro programa que venha a veicular, promova a divulgação da Frente Representada”.
O controle judicial, em casos como o presente, só se pode dar a posteriori.
Nesse mesmo sentido, rechaçando pretensões que importariam na realização de censura prévia, o decidido no MS nº 060435687, rel. Min. Admar Gonzaga, DJe de 28.5.2018, e no AgRAI nº 43786, rel. Min. Luciana Lóssio, DJe de 18.11.2015.
Por outro lado, como registrado no julgamento da Rp nº 060023227, de minha relatoria, PSESS 15.8.2018, “não se pode caracterizar eventual tratamento antiisonômico” – ou privilegiado – “a partir de notícias veiculadas em um único dia e com base em um único telejornal da programação da emissora. Devem ser considerados referenciais mais extensos no tempo – um período considerável de eventos a serem cobertos pela mídia – e no espaço – os diversos programas jornalísticos da grade da recorrida”, o que evidencia a natureza repressiva, e não preventiva, do controle feito dessa matéria pela Justiça Eleitoral.
Desse modo, indefiro a liminar pleiteada, determinando a citação dos representados para apresentação de defesa e a posterior intimação do Ministério Público Eleitoral.
Publique-se.
Brasília, 4 de outubro de 2018.
Ministro CARLOS HORBACH
Relator