O advogado Vitor de Paula Ramos, sócio do escritório Silveiro Advogados, afirma que o dever de prova previsto no CPC/15 aproxima-se do “discovery” estadunidense, mecanismo para apresentação de documentos ou outras provas, podendo ocorrer antes mesmo de um processo propriamente dito. Para ele, ao prever o dever de provas para as partes, com a permissão inclusive para a produção de provas antes de um processo de mérito, o legislador aproximou o sistema brasileiro, vigente desde março, de tal realidade.
O advogado destaca que o dispositivo legal é um grande avanço, mas que se deve ter cuidado na sua utilização, evitando-se excessos. “Para o sistema é um avanço indubitável: quem demanda, tem a possibilidade de conseguir documentos ou elementos de forma antecipada, podendo avaliar melhor suas chances de êxito, antes de se aventurar no Judiciário. Para quem é demandado, entretanto, se não for bem utilizado, tendo-se clareza sobre quais documentos devem ser produzidos, mantidos e exibidos, o sistema pode se tornar um mecanismo demasiadamente invasivo."
O dispositivo, segundo o especialista, é importante na contenção de litigiosidade: se, nesta fase de produção de provas qualquer uma das partes apurar que seu imaginado direito não tem amparo em provas ou que o direito da parte contrária parece comprovado, simplesmente tem a opção de não iniciar uma ação, evitando todos os custos inerentes a uma possível derrota judicial. De acordo com ele, é o caso, por exemplo, de um paciente fictício que, tendo suspeitas sobre uma provável responsabilidade médica em um procedimento cirúrgico, requer que o juiz ordene ao Hospital uma exibição forçada de documentos concernentes ao atendimento, inclusive sob pena de multa ou outras medidas coercitivas. Com acesso aos documentos, será possível avaliar os riscos de cada lado.
Ramos destaca, entretanto, que o procedimento, da forma como previsto na lei, contém alguns problemas, que podem complicar a vida das partes. Em primeiro lugar, o especialista cita as dúvidas quanto aos limites do que deve ser exibido. “Quando o processo é entre duas empresas, por exemplo, uma delas pode exigir e ter acesso a documentos estratégicos da outra, que não deveriam ser revelados. Nos primeiros 3 a 5 anos de aplicação desse mecanismo pode haver abusos no procedimento, que podem culminar em uma indesejável inutilização desse. Os tribunais vão ter que delinear, o mais rápido possível, os limites mediante precedentes com guias claras sobre o que é exigível: isso é, o que deve ser produzido, exibido e mantido e o que não deve.”
O especialista pontua, ainda, que a diminuição de litígios pretendida com tal procedimento não será possível se não houver por parte do Judiciário igual tratamento para demandas iguais, de modo que o resultado do litígio seja mais previsível. “Para um mesmo tipo de caso – por exemplo, de uma perícia que comprova que um dano X ocorreu em uma cirurgia, por responsabilidade do médico – o mesmo Judiciário concede, em um caso, indenização de R$ 15 mil, em outro, de R$ 60 mil e, em outro, de zero! O que a realidade mostra é que, se não há parâmetros claros para avaliação de riscos, para as duas partes, infelizmente, vai sempre valer a pena arriscar seguir com a ação.”
De acordo com o advogado, seja como for, é melhor estar atento, pois a previsão é de que o procedimento afete a realidade forense de maneira muito incisiva nos próximos anos. “Esse procedimento de dever de prova já é uma realidade e chega como uma evolução muito salutar, mas precisa haver uma mudança de cultura, especialmente dos advogados. As formas de autocomposição têm custo menor, são mais eficientes e mais duradouras; entretanto, muitos profissionais preferem optar pelo litígio. Temos que ter uma ação conjunta para mudar isso; e ‘temos’ inclui advogados, partes e Judiciário, pois a litigiosidade é muito prejudicial.”
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