Migalhas Quentes

Lei Maria da Penha completa 10 anos

Após uma década, a norma também passou a ser aplicada para proteger outras pessoas em situação vulnerável.

3/8/2016

Prestes a completar 10 anos de existência no próximo dia 7, a lei Maria da Penha (11.340/06) é considerada uma das mais avançadas do mundo com relação à proteção da mulher, de acordo com o Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher – Unifem. Para chegar nesse patamar, no entanto, um longo caminho teve que ser percorrido.

A criação de uma lei que coibisse a violência doméstica e familiar contra a mulher só se tornou projeto após a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos – OEA, em abril de 2001, condenar o Brasil, por negligência e omissão em relação à violência doméstica.

A condenação se deu em razão de denúncia da cearense Maria da Penha Maia Fernandes, que passou quase 20 anos, sem sucesso, lutando pela punição de seu ex-marido. À época, mesmo tendo sido condenado por tentar matá-la com um tiro enquanto dormia e de tê-la deixado paraplégica, Marco Antônio Heredia Viveiros continuava em liberdade.

Do projeto à lei

Entre as recomendações da OEA, estava a de alterar a legislação brasileira, para que proporcionasse mecanismos para coibir a violência contra a mulher. Assim, o governo Federal apresentou à Câmara, em 3/12/04, o PL 4.559/04.

O anteprojeto foi elaborado por um grupo de trabalho interministerial, composto por representantes da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres; Casa Civil; AGU; Ministério da Saúde; Secretaria Especial dos Direitos Humanos; Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial; Ministério da Justiça e Secretaria Nacional de Segurança Pública.

Na Câmara, o projeto inicial ficou prejudicado, sendo aprovado na forma de substitutivo da CCJ, após tramitar por pouco mais de um ano e três meses. Já no Senado, a tramitação foi mais rápida. Cinco meses após sua chegada na Casa, a proposta (PLC 37/06) foi aprovada com alterações redacionais. O texto foi sancionado sem vetos em 7/7/06 pelo então presidente Luís Inácio Lula da Silva, e entrou em vigor 45 dias após a sua publicação.

Constitucionalidade

Mesmo alguns anos após entrar em vigor, a aplicação da lei Maria da Penha sofreu resistência por parte de alguns magistrados, por considerá-la inconstitucional e violadora da igualdade entre homens e mulheres.

É o caso do juiz da 1ª vara Criminal de Sete Lagoas/MG Edílson Rumbelsperger Rodrigues, que se negou a aplicar a norma, e foi posto em disponibilidade pelo CNJ pelo período de dois anos. Outro exemplo é o juiz Marcelo Colombelli Mezzomo, da 2ª vara Criminal de Erechim/RS, que negou mais de 60 pedidos de medidas preventivas com base na lei.

Em razão dessa resistência, que também foi verificada no TJ/MS, TJ/RJ, TJ/MG e TJ/RS, a União ajuizou no STF a ADC 19 com o objetivo de confirmar a constitucionalidade da lei Maria da Penha. Tempos depois, a PGR propôs a ADIn 4.424.

Em fevereiro de 2012, o plenário do Supremo julgou procedentes as ações. Na ADC, foi declarada a constitucionalidade dos arts. 1º, 33 e 41, da lei 11.340/06. O relator, ministro Marco Aurélio, afirmou, à época, que a lei Maria da Penha "retirou da invisibilidade e do silêncio a vítima de hostilidades ocorridas na privacidade do lar e representou um movimento legislativo claro no sentido de assegurar às mulheres agredidas o acesso efetivo a reparação, a proteção e a justiça".

Já no julgamento da ADIn, a Corte conferiu interpretação conforme aos arts. 12, inciso I, e 16 da norma, para estabelecer a possibilidade de o Ministério Público dar início a ação penal sem necessidade de representação da vítima. Segundo Marco Aurélio, relator também desta ação, essa atuação visa à proteção da mulher.

Avanço

Com o passar dos anos após sua entrada em vigor, a lei Maria da Penha passou a ser aplicada não só a casos de mulheres agredidas por seus maridos, mas por outros homens de seu convívio, a relações homoafetivas e outros tipos de relação onde haja violência.

Em 2008, a 6ª turma do STJ entendeu que a norma pode ser aplicada em casos de violência cometida por ex-namorado. O mesmo colegiado decidiu que se enquadra na lei caso de ameaça feita contra mulher por irmão, ainda que não residam mais juntos. Ainda no STJ, a 3ª seção afirmou que a lei pode ser aplicada a relações de namoro, independentemente de coabitação. Já a 5ª turma enquadrou na lei Maria da Penha filho que agrediu pai.

A lei 11.340/06 também já foi utilizada para proteger mulheres de agressão de outras mulheres. Em SC, o TJ confirmou a aplicação da lei em processo que resultou na condenação de uma mulher, por ter agredido sua ex-sogra.

A lei Maria da Penha ainda vem sendo aplicada em relacionamentos homoafetivos. Decisões de vários Estados do país (RS, RJ, SP, GO, MT, e outros) foram proferidas no sentido de garantir proteção a homossexuais e transexuais. Nesses casos, entendeu-se, em geral, que apesar de a norma visar à proteção das mulheres pode ser aplicada a todo aquele em situação vulnerável.

Recentemente, o Conselho Nacional de Procuradores-Gerais decidiu que todas as promotorias do país podem aplicar a lei Maria da Penha, em caso de agressões a mulheres transexuais e travestis que não fizeram cirurgia de mudança de sexo e não alteraram o nome ou sexo no documento civil.

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