Migalhas Quentes

Possível risco de exposição a campos eletromagnéticos impõe padrões da OMS

STF reverteu decisão que determinou redução de campo eletromagnético da Eletropaulo por potencial cancerígeno.

8/6/2016

O plenário do STF, por maioria, deu provimento a recurso interposto pela Eletropaulo para afastar decisão do TJ/SP que determinou a redução do campo eletromagnético em linhas de transmissão de energia elétrica próximas a dois bairros paulistanos, em razão de alegado potencial cancerígeno da radiação produzida.

No julgamento, foi fixada a seguinte tese de repercussão geral:

"Enquanto não houver certeza científica acerca dos efeitos nocivos da exposição ocupacional e da população em geral a campos elétricos, magnéticos, e eletromagnéticos, gerados por sistema de energia elétrica, devem ser adotados os parâmetros propostos pela Organização Mundial de Saúde, conforme estabelece a lei 11.934/09."

Acompanharam o relator, ministro Dias Toffoli, os ministros Luís Roberto Barroso, Teori Zavascki, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes. Ficaram vencidos os ministros Edson Fachin (que inaugurou a divergência), Rosa Weber, Marco Aurélio e Celso de Mello. O ministro Ricardo Lewandowski se se declarou impedido, pois como desembargador do TJ/SP participou de discussão do caso na Corte paulista.

Caso concreto

O TJ/SP aplicou princípio da precaução para determinar que a Eletropaulo implementasse obras para reduzir a radiação do campo eletromagnético da linha de transmissão Pirituba-Bandeirantes, instalada em 1931 na região Oeste da capital paulista. Para a concessionária, no entanto, o princípio da precaução teria sido equivocadamente aplicado, uma vez que este "pode e deve ser observado sempre que uma nova tecnologia esteja em vias de ser introduzida no meio ambiente", mas não se poderia aplicá-lo em face de tecnologias já há muito implantadas e mensuradas pelos órgãos competentes.

Argumentou ainda que respeita o limite de segurança internacional adotado pela Organização Mundial de Saúde – OMS (83,3 microteslas a 1,5 m do chão), que foi amplamente discutido antes de ser incluído na lei 11.934/09, que trata dos limites de exposição a campos elétricos, magnéticos e eletromagnéticos.

Por sua vez, as Sociedades Amigos do Bairro City Boaçava e Amigos do Alto de Pinheiros, autoras da ação civil pública, sustentaram que o dano é irreparável, uma vez que a exposição por longo prazo à radiação eletromagnética pode causar doenças. Segundo as entidades, estudos revelaram que pessoas que vivem próximo a linhas de transmissão estão mais propensas a desenvolverem doenças como leucemia, Mal de Alzheimer, câncer de mama e doenças cardiovasculares. Diante disso, pediam a aplicação do limite adotado pela legislação suíça para as cargas dos campos eletromagnéticos (1 microtesla).

Princípio da precaução

Em seu voto, o ministro Dias Toffoli considerou que o princípio da precaução "não consiste numa politização da ciência", mas se trata de "parâmetro para a atuação quando a ciência apontar para determinado nível de incerteza".

Ressaltou ainda que cabe ao Estado o controle da produção, da comercialização e do emprego de métodos que coloquem em risco a sociedade, não podendo este "permanecer imóvel pelo simples fato de que possam existir riscos temíveis, ou subtrair-se de agir em uma fuga vergonhosa".

"Na aplicação do princípio da precaução, portanto, é certo que a existência de certos riscos e incertezas cientificas não devem produzir uma paralisação estatal da sociedade. Por outro lado, a aplicação do princípio não pode gerar resultados temores infundados. Havendo relevantes elementos sobre os riscos, o Estado deve agir de forma proporcional."

No caso, explicou que não há dúvida de que os níveis colhidos pela prova pericial produzida nos autos se encontram dentro dos parâmetros exigidos pela OMS, que foram adotados pela legislação brasileira na forma da resolução 616/14, da Aneel, e da lei 11.934/09. Assim, o ministro considerou que não há razão para se manter a decisão atacada. Isso também porque ainda há incertezas científicas com relação ao nexo causal entre a exposição a campo eletromagnético e o desenvolvimento de doenças cancerígenas.

"Foram adotadas pelo Estado brasileiro, nos termos da norma constitucional, necessárias cautelas pautadas pelo princípio constitucional da precaução e, tendo em vista que nosso regime jurídico se encontra pautado de acordo com os parâmetros de segurança reconhecidos internacionalmente, não há razão suficiente que justifique a manutenção da decisão atacada."

Toffoli ressaltou, porém, que o futuro, caso surjam efetivas e reais razões científicas ou políticas para a revisão do que se deliberou no âmbito normativo, "o espaço para esses debates e a tomada de novas decisões há de ser respeitado". "A caracterização do que é seguro ou não depende do avanço do conhecimento."

Divergência

Entendimento contrário sustentou o ministro Edson Fachin, para o qual, há premissas e dados razoáveis que justificam a aplicação do princípio da precaução. No mesmo sentido, votou a ministro Rosa Weber considerando que a possibilidade de dano e a falta de certeza científica pressupõem a aplicação do princípio. "Não se trata de uma hipótese de prevenção ou reparação, essa sim a exigir a certeza científica."

Seguindo essa corrente, o ministro Marco Aurélio afirmou que não se deveria mudar a decisão do TJ/SP, órgão revisor, que decidiu com base em perícias, que não podem ser reexaminadas pelo Supremo. "Essas premissas para mim são inafastáveis e as conclusões não merecem críticas".

O ministro Celso de Mello também destacou que as pessoas devem ter em seu favor o benefício da dúvida. "Sempre que houver probabilidade de que o dano se concretize impor-se-á ao Estado, com apoio no postulado da precaução, a imposição de medidas destinadas a preservar a integridade do meio ambiente."

Veja a íntegra do voto do ministro Dias Toffoli.

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