Projeto de regulamentação é apresentado ao Congresso
O ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, encaminhou ao presidente do Congresso, senador José Sarney uma proposta de legislação que regulamenta a escuta telefônica no país. O anteprojeto servirá de subsídio para o Congresso discutir e votar uma nova legislação.
Veja abaixo, a versão final do anteprojeto elaborada por uma comissão de juristas, presidida pela advogada Ada Pellegrini Grinover.
Anteprojeto de lei
Comissão Ministerial
Versão final II
Disciplina o inciso XII, in fine, do artigo 5º da Constituição Federal e dá outras providências
O Congresso Nacional decreta:
Capítulo I
Da admissibilidade
Art. 1º. A interceptação, o impedimento, a interrupção, a escuta e a gravação das comunicações telefônicas somente são admissíveis para fins de investigação criminal ou instrução processual penal relativamente aos seguintes crimes:
I – tráfico de substâncias entorpecentes e drogas afins;
II – tráfico de seres humanos e subtração de incapazes;
III – tráfico de armas, munições e explosivos;
IV - tráfico de espécimes da fauna silvestre;
V – lavagem de dinheiro;
VI – contra o sistema financeiro nacional;
VII- contra a ordem econômica e tributária;
VIII – contra a administração pública, desde que punidos com pena de reclusão;
IX – falsificação de moeda ou a ela assimilados;
X – roubo, extorsão simples, extorsão mediante seqüestro, seqüestro e cárcere privado;
XI – homicídio doloso;
XII – ameaça quando cometida por telefone;
XIII – decorrente de ações praticadas por organização criminosa;
XIV – decorrente de ações de terrorismo.
Parágrafo único. Equiparam-se às comunicações telefônicas, para efeito desta lei, todas as formas de telecomunicação (artigo 60, par.1º, da Lei nº 4.972/97).
Art. 2º. As gravações clandestinas de conversas entre presentes, bem como a captação e a interceptação ambiental de sinais eletromagnéticos, óticos ou acústicos, e o seu registro, análise e utilização, sujeitam-se às mesmas regras previstas nesta lei, no que forem cabíveis.
Art. 3º. As operações referidas nos artigos anteriores não serão permitidas, em qualquer hipótese, quando se tratar de comunicações entre o suspeito ou acusado e seu defensor.
Art. 4º. Não se sujeita a esta lei a gravação de conversa própria, sem conhecimento do interlocutor, por telefone ou por outros meios, mas sua divulgação só será permitida para o exercício regular de um direito.
Capítulo II
Do pedido e da autorização judicial
Art. 5º. O pedido será formulado por escrito ao juiz competente, mediante requerimento do Ministério Público ou representação da autoridade policial, ouvido, neste caso, o Ministério Público, e deverá conter:
I. a clara descrição da situação objeto da investigação;
II. a qualificação do investigado ou esclarecimento pelos quais se possa identifica-lo, salvo impossibilidade manifesta devidamente justificada;
III. a indicação da existência de indícios suficientes da prática de qualquer dos crimes previstos no artigo 1º;
IV. a demonstração de ser a operação técnica estritamente necessária e da impossibilidade de ser a prova obtida por outros meios.
§ 1º. O requerimento ou a representação deverá indicar o número da linha telefônica (código de acesso), com seu código de área, podendo o Ministério Público e a autoridade policial requisitar das prestadoras dos serviços de telefonia, exclusivamente para os fins da formulação do pedido, o cadastro relativo ao nome, número de telefone e endereço do titular da linha ou do local onde o aparelho estiver instalado.
§ 2º. O suspeito ou acusado e, no caso do inciso XII do artigo 1º, o ofendido ou seu representante legal, poderá formular o pedido mediante requerimento dirigido ao juiz competente.
Artigo 6º. O requerimento ou a representação será distribuído e autuado em separado, sob segredo de justiça, devendo o juiz competente, no prazo máximo de 24 horas, proferir decisão fundamentada, que consignará de forma expressa, quando deferida a autorização:
a) a indicação de indícios suficientes da prática de qualquer dos crimes previstos no artigo 1º;
b) a indicação de indícios suficientes de autoria ou participação do investigado em qualquer dos crimes referidos no artigo 1º, salvo impossibilidade manifesta devidamente justificada;
c) a demonstração de ser a providência estritamente necessária, não podendo a prova do crime e de suas circunstâncias ser obtida por outros meios disponíveis;
d) a indicação do número da linha telefônica (código de acesso), incluindo seu código de área, objeto da operação técnica, justificada a sua relação com os fatos investigados.
Art. 7º. Da decisão que deferir ou indeferir o pedido cabe recurso em sentido estrito, sem efeito suspensivo, devendo o tribunal, se for o caso, determinar a inutilização da prova eventualmente obtida, bem como a sua forma, de modo a preservar a intimidade dos envolvidos.
Parágrafo único. O recurso em sentido estrito tramitará em segredo de justiça e, na hipótese de indeferimento do pedido, será processado sem a oitiva do suspeito ou acusado, a fim de resguardar a eficácia da investigação.
Art. 8º. A ordem que determinar a realização da operação técnica, da qual constará por extenso o número da linha telefônica (código de acesso) e o código de área, será assinada pessoalmente pelo juiz e expedida em duas vias, uma para a prestadora de serviços de telefonia e outra para a autoridade policial.
Art. 9º. O juiz fixará a duração das operações até o prazo de 15 (quinze) dias, renovável por igual período, desde que continuem presentes os pressupostos autorizadores da medida.
§ 1º. Após a primeira renovação, as demais, por igual período, dependerão da verificação da excepcionalidade do caso concreto, baseada na apresentação ao juiz competente de relatório circunstanciado a respeito do resultado das operações já desenvolvidas, não podendo, contudo, o prazo máximo das operações técnicas exceder a 60 (sessenta) dias, exceto quando se tratar de investigação relativa a crime permanente, enquanto não cessar a permanência.
§ 2º. Para cada prorrogação, será necessária nova ordem judicial, devidamente motivada, observado o disposto no artigo 6º.
Art. 10. Os prazos previstos no artigo 9º e seus parágrafos correrão de forma contínua e ininterrupta, a partir da data em que a prestadora do serviço de telefonia proporcionar a realização da operação autorizada, comunicando o fato, por escrito. imediatamente ao juiz.
Parágrafo único. A prestadora do serviço de telefonia deverá implementar a realização da operação autorizada no prazo máximo de 24 (vinte e quatro) horas, contadas a partir da comunicação da decisão judicial.
Art.11. A solicitação de um juiz a outro, para efeito da realização das operações técnicas fora da área de sua competência, será feita por qualquer meio rápido de comunicação, distribuído e autuado sob segredo de justiça, devendo ser confirmada em 48 (quarenta e oito) horas por documento oficial, sem prejuízo do imediato início das operações.
Parágrafo único – Não sendo feita no prazo a comunicação oficial, as operações serão
imediatamente suspensas, com inutilização da prova porventura colhida, na forma a ser determinada pelo juiz, de modo a preservar a intimidade dos envolvidos.
Capítulo III
Das operações técnicas
Art. 12. A execução das operações técnicas de que trata esta lei será efetuada somente pela autoridade policial, em órgão próprio, centralizado e exclusivo, sob a responsabilidade direta da Chefia de Polícia e ficará sujeita à fiscalização do Ministério Público.
Parágrafo único. Findas as operações técnicas, a autoridade policial encaminhará imediatamente, em duas cópias, todo o material obtido ao juiz competente, acompanhado de autos circunstanciados com o resumo das operações realizadas, proibida a permanência de qualquer registro a elas relativo no sistema.
Art. 13. O Ministério da Justiça definirá, no prazo de 90 dias, o padrão de sistema de gerenciamento centralizado, de forma a atender às especificidades das polícias federal e estadual.
§ 1o – Definido o sistema descrito neste artigo, a ANATEL regulamentará, no prazo de 90 (noventa) dias, o padrão de protocolo a ser utilizado por todas as prestadoras de serviços de telecomunicações.
§ 2º. Sem prejuízo da aplicabilidade imediata do disposto neste artigo, a União, os Estados e o Distrito Federal poderão celebrar convênios para a disciplina do sistema de gerenciamento centralizado, com vistas a assegurar a máxima eficiência, a preservação do sigilo e a inviolabilidade das informações obtidas.
Art. 14. Caberá à ANATEL, no prazo de 90 (noventa) dias, regulamentar as formas e as condições em que as empresas de telecomunicações prestarão serviços técnicos especializados, quando requisitados pela autoridade policial.
Art. 15. O ressarcimento das empresas pelos serviços prestados e pelo uso da rede de telecomunicações será sempre posterior à realização do serviço e suas formas e condições serão estabelecidas pela ANATEL.
Parágrafo único. A prestadora de serviços de telecomunicações não poderá alegar como óbice à implementação das medidas previstas nesta lei qualquer questão ligada ao ressarcimento pelos serviços.
Capítulo IV
Do incidente probatório
Art.16. Recebido o material obtido nas operações técnicas, e não havendo necessidade de diligências complementares previstas nesta lei, o juiz competente dele dará ciência ao Ministério Público, ao suspeito ou acusado e seu defensor.
§ 1º. A partir desse momento e em prazo não inferior a 10 (dez) dias poderão as partes examinar os autos circunstanciados e escutar as gravações, indicando, em 48 (quarenta e oito) horas, os trechos cuja transcrição pretendem.
§ 2º. O juiz determinará a transcrição dos trechos indicados pelas partes e pela autoridade policial, bem como de outros que entenda pertinentes e relevantes.
§ 3º. As dúvidas a respeito da autenticidade da gravação ou da voz serão decididas pelo juiz, aplicando-se, no que couber, o disposto nos arts. 145 a 148 do Código de Processo Penal.
§ 4º. Das decisões previstas nos parágrafos 2º e 3º deste artigo cabe recurso em sentido estrito, com efeito suspensivo restrito ao incidente probatório.
Art.17. A transcrição dos trechos indicados instruirá os autos, conservando-se em cartório, em absoluto segredo de justiça, as fitas magnéticas ou elementos análogos, até o trânsito em julgado da sentença, quando serão destruídos na forma a ser indicada pelo juiz, de modo a preservar a intimidade dos envolvidos.
Parágrafo único. É permitido às partes, a qualquer tempo, extraírem cópias das transcrições, através da cópia disponibilizada para esse fim (artigo 12, parágrafo único) e escutarem, em juízo, as gravações, cabendo ao juiz zelar pela preservação da inviolabilidade e privacidade da prova.
Capítulo V
Da utilização da prova resultante das operações
Art. 18. Os resultados da interceptação, impedimento, interrupção, escuta e gravação, realizados fora dos casos, modalidades e formas estabelecidos nesta lei, não poderão ser utilizados como prova em qualquer investigação, processo ou procedimento, seja qual for sua natureza.
Art. 19. Os resultados das operações técnicas realizadas nos termos desta lei não poderão ser utilizados para a instrução de processos ou investigações relativos a crimes diversos daqueles para os quais a autorização foi dada, salvo quando se tratar de crime conexo ou de outro crime constante do artigo 1º desta lei, hipótese em que se observará o disposto nos artigos 16 e 17.
Capítulo VI
Das sanções penais
Art. 20 . Interceptar, impedir, interromper, fazer escuta ou gravação de comunicação telefônica e das telecomunicações a ela equiparadas, conforme disposto no artigo 1o, § 1°, fora dos casos, modalidades e formas previstas nesta lei:
Pena — reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos e multa.
§ 1º. Incorre nas mesmas penas quem divulga ou utiliza o resultado das operações ilegais descritas no caput deste artigo.
§ 2º. A pena é aumentada de um terço se o agente for funcionário público, prevalecendo-se de seu cargo ou função.
Art. 21 . Gravar clandestinamente conversa entre presentes ou fazer a captação ou a interceptação ambiental de sinais eletromagnéticos, óticos ou acústicos, ou o seu registro, análise ou utilização, fora dos casos, modalidades e formas previstas nesta lei:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos e multa.
$ 1° - Incorre nas mesmas penas quem divulga, decodifica, transcreve ou utiliza o resultados das operações ilegais descritas no caput deste artigo.
$ 2° - A pena é aumentada de um terço se o agente for funcionário público, prevalecendo-se de seu cargo ou função.
Art. 22. Divulgar ou utilizar, por quaisquer meios, o resultado das operações técnicas, protegidas por segredo de justiça e realizadas nos casos, modalidades e formas previstas nesta lei:
Pena — reclusão, de 1 (hum) a 3 (três) anos e multa.
Art.23 . Divulgar gravação de conversa própria, por telefone ou por outro meio, gravada sem o conhecimento do interlocutor, salvo para o exercício regular de um direito:
Pena – reclusão, de 1 (hum) a 3 (três) anos e multa.
Art. 24 . No caso dos crimes previstos no parágrafo 1o do artigo 20, no parágrafo 1o do artigo 21 e nos artigos 22 e 23, a pena é aumentada de um terço se a divulgação se der por meio de jornais e outras publicações periódicas, serviços de radiodifusão e serviços noticiosos, bem como pela internet.
Parágrafo único – A responsabilidade penal, nesses casos, será determinada na forma dos artigos 37 a 39 da Lei n. 5.250, de 9 de fevereiro de 1967.
Art. 25 . Fazer afirmação falsa ou induzir a erro a autoridade judicial, com o propósito de obter autorização para as operações previstas nos artigos 1° e 2° desta lei:
Pena – reclusão, de 1 (hum) a 3 (três) anos e multa.
Parágrafo único. A pena é aumentada de metade, se o agente for funcionário público.
Art.26. Autorizar as operações previstas nos artigos 1° e 2° para finalidade diversa da que trata esta lei:
Pena – reclusão, de 1 (hum) a 3 (três) anos e multa.
Art.27. Desobedecer, sem justa causa, à ordem judicial que determina a realização das operações técnicas previstas nesta lei:
Pena – detenção, de 1 (hum) a 3 (três) anos e multa.
Capítulo VII
Disposições finais e transitórias
Art. 28. Ressalvadas as prerrogativas das partes e do defensor, correrão em segredo de justiça os inquéritos e processos que contiverem elementos informativos ou provas obtidos na forma desta lei.
Art. 29 – Enquanto o Ministério da Justiça não definir e a ANATEL não regulamentar o sistema de gerenciamento a ser utilizado para os operações técnicas descritas nesta lei, a Chefia de Polícia estabelecerá a forma de sua execução, de modo a possibilitar o controle do Ministério Público e a garantir a regularidade, inviolabilidade e privacidade do sistema utilizado.
Parágrafo único. As prestadoras de serviços de telefonia deverão manter arquivados, pelo prazo de 5 (cinco) anos, as informações relativas à origem, destino e duração de todas as conversas telefônicas.
Art. 30. Esta lei entrará em vigor 60 (sessenta) dias após sua publicação, aplicando-se, no que forem compatíveis, as normas do Código de Processo Penal e do Código de Processo Penal Militar.
Art. 31. Ficam revogadas as disposições em contrário e especialmente a Lei nº 9.296, de 24 de julho de 1996.
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