O plenário do STF concluiu nesta quinta-feira, 14, o julgamento de RExt, com repercussão geral, que questionava se ofende a constituição o recebimento de denúncia cujo procedimento investigatório criminal foi realizado pelo MP. Por maioria dos votos, os ministros entenderam que o MP tem competência constitucional para promover investigação de natureza penal, ressalvadas as hipóteses de reserva constitucional de jurisdição e respeitados os direitos e garantias que assistem a qualquer pessoa sob investigação do Estado.
Os ministros acataram sugestão do ministro Celso de Mello e fixaram a seguinte tese em repercussão geral:
"O MP dispõe de competência para promover, por autoridade própria, e por prazo razoável, investigações de natureza penal, desde que respeitados os direitos e garantias que assistem a qualquer indiciado e qualquer pessoa sob investigação do Estado, observadas, sempre, por seus agentes, as hipóteses de reserva constitucional de jurisdição e, também, as prerrogativas profissionais de que se acham investidos, em nosso país, os advogados (lei 8906/94, artigo 7º, incisos I, II, III, XI, XIII, XIV e XIX), sem prejuízo da possibilidade – sempre presente no Estado Democrático de Direito - do permanente controle jurisdicional dos atos, necessariamente documentados (súmula vinculante 14), praticados pelos membros dessa instituição."
O RExt foi interposto contra decisão do TJ/MG que recebeu a denúncia contra o recorrente, ao fundamento de estarem preenchidos os requisitos legais. No recurso, o ex-prefeito de Ipanema/MG afirma que o Tribunal mineiro recebeu denúncia contra ele subsidiada, unicamente, por procedimento administrativo investigatório realizado pelo MP, sem participação da polícia. O ex-prefeito responde por crime de responsabilidade, por suposto descumprimento de ordem judicial referente a pagamento de precatórios.
A questão começou a ser julgada em junho de 2012, quando o então ministro Cezar Peluso conheceu e deu provimento ao RExt, reconhecendo, entretanto, a competência do MP para realizar diretamente atividades de investigação da prática de delitos, para fins de preparação e eventual instauração de ação penal apenas em hipóteses excepcionais e taxativas. No caso específico, Peluso decretou a nulidade, desde o início, do processo-crime em curso contra o ex-prefeito no TJ/MG. Ele foi acompanhado pelo ministro Lewandowski.
Na ocasião, os ministros Gilmar Mendes, Celso de Mello, Ayres Britto e Joaquim Barbosa negaram provimento ao recurso, reconhecendo base constitucional para os poderes de investigação do MP. Então, pediu vista o ministro Fux.
Em dezembro seguinte, Fux trouxe seu voto vista na sessão plenária e considerou perfeitamente compatível com a carta a possibilidade de investigação direta pelo MP. Segundo ele, "não há motivo racional para alijar (o MP) da condução dos trabalhos que precedem o exercício da ação penal de que é titular". O julgamento foi então interrompido por pedido de vista do ministro Marco Aurélio e retomado nesta quinta-feira, 14.
Ao apresentar seu voto-vista, o ministro Marco Aurélio ressaltou entender que o MP não possui amparo legal para atuar nesse campo. Para ele, "as exceções quanto à investigação criminal, para estarem dentro dos parâmetros constitucionais, necessitam de previsões expressas e balizas bem definidas de como serão realizadas as atividades". O ministro deu provimento ao RExt para, no caso, anular desde a origem o processo crime.
Segundo o ministro, o fato de estar impossibilitado de investigar de forma autônoma não conduz ao desconhecimento do que for apurado. "O Ministério Público, como destinatário das investigações, deve acompanhar o desenrolar dos inquéritos policiais, requisitando diligências, acessando os boletins de ocorrências e exercendo o controle externo. O que se mostra inconcebível é um membro do Ministério Público colocar uma estrela no peito, armar-se e investigar. Sendo o titular da ação penal, terá a tendência de utilizar apenas as provas que lhe servem, desprezando as demais e, por óbvio, prejudicando o contraditório e inobservando o princípio da paridade de armas."
Votaram também na sessão de hoje os ministros Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Rosa Weber. A ministra Rosa filiou-se à corrente que negou provimento ao RExt (majoritária). Para ela, a colheita de provas não é atividade exclusiva da polícia, contudo o poder de investigação do MP deve ter limites, "que têm sido apontados em fartas manifestações de precedentes da Corte". De acordo com a ministra, "as melhores investigações decorrem da atuação conjunta do MP com a polícia".
Do mesmo modo votou a ministra Cármen Lúcia, que reconheceu a competência do MP para promover investigações de natureza penal. "As competências da polícia e do Ministério Público não são diferentes, mas complementares", ressaltou ao acrescentar que "quanto mais as instituições atuarem em conjunto, tanto melhor".
O ministro Dias Toffoli acompanhou o voto do relator, ministro Cezar Peluso, pelo provimento parcial do recurso, reconhecendo a atuação do MP em hipóteses excepcionais. Os ministros Teori Zavascki e Roberto Barroso não votaram porque seus antecessores na Corte já tinham proferido voto no processo.
-
Processo relacionado: RExt 593.727