Migalhas Quentes

Esmigalhando a reportagem do Fantástico sobre honorários

Confira a história por trás da reportagem.

4/2/2015

Desde que foi exibida pelo Fantástico no domingo retrasado, a reportagem sobre a cobrança de honorários advocatícios em ações previdenciárias mudou a vida dos causídicos que atuam na área e, sobretudo, dos citados na matéria.

Um dos advogados apontados na reportagem, Altair Vinícius Pimentel Campos conversou com a redação de Migalhas. Ele relatou detalhadamente todos os fatos. E diz: " – Não foi uma reportagem, foi um capítulo de novela, no qual eu fui colocado como vilão."

"Ser advogado combativo e aguerrido no interior se tornou um péssimo negócio. Pagamos um preço alto, atraímos inimigos poderosos (com acesso à mídia e tudo mais) e, no fim, ficamos sob o julgamento antecipado da manipulação dos fatos e sem o apoio e a defesa da OAB, que dorme em berço esplêndido enquanto destroem nossa imagem, nossas prerrogativas e nossos ideais de Justiça."

Ao misturar exemplos, documentos e desabafos, ele afirma que a matéria foi tendenciosa, manipulada e encomendada.

“Só concedi a entrevista porque tive a boa-fé e o destemor de quem não deve e não teme. De cinquenta minutos da entrevista, colocaram no ar 15 segundos da minha fala, e descontextualizada. E ela não foi ao ar porque eu coloco o contraponto da acusação do Geraldo Balbino e da dona Catarina. Mais absurdamente ainda, na hora que eu entro no ar eles já entram zombando do hábito de eu ter me benzido, zombaram da minha fé. Eu me benzi de proteção, para eu ir bem na entrevista. Achei a matéria totalmente destrutiva em todos os sentidos."

Altair atua e reside na comarca de Manhuaçu, MG, onde a reportagem do Fantástico mostrou dois casos de aposentados por invalidez que, representados por ele, conseguiram o benefício na Justiça, mas alegaram ter recebido menos do que tinham direito, pois o advogado teria cobrado um valor alto de honorários.

O advogado nega veemente a alegação dos ex-clientes e afirma que possui comprovantes de depósitos bancários, contratos e procuração que demonstram que os clientes receberam o dinheiro pactuado.

"O advogado trabalha por honorários e não por atrasados. Eles fizeram muito essa confusão na reportagem. E acima de tudo há uma incompreensão muito grande da maioria de como funciona o Direito previdenciário."

No caso de Catarina Marques, exibido na reportagem, a aposentadoria foi concedida por invalidez, devido a problemas mentais. Segundo ele, a cliente foi considerada pela Justiça legalmente incapaz. Altair conta que ela recebeu R$ 15 mil e omitiu que lhe foram prestados três serviços contratados (representação na seara administrativa no INSS, ação de interdição e ação previdenciária com acompanhamento de assistente técnico particular). "O que me causa surpresa, pois a jornalista entrevistou ela como se ela fosse plenamente capaz de responder por suas palavras e gestos."


(Imagem: Reprodução/TV Globo)

O outro caso de um ex-cliente de Altair é o de Geraldo Balbino. O advogado afirma que tem como provar que o período entre as datas da sentença e da liberação do RPV, até data em que ele recebeu os atrasados, está dentro do prazo. "Foi um período curtíssimo de dois meses, e é natural. Desde 2011, ele está recebendo regularmente sua aposentadoria por força do bom trabalho prestado."

A matéria teve um tom sensacionalista de dar a entender que a culpa de ele ter ficado anos passando dificuldade foi do advogado. Ou seja, o tempo que demorou a ação e que ele ficou sofrendo e passando dificuldade a culpa foi do advogado. A matéria foi muito indicativa nesse sentido: a dar um tom emocional, indicando que o sofrimento que ele passou pela negativa do INSS, pela demora do Judiciário, é culpa do advogado.”

Altair enviou o comprovante de transferência dos valores pagos para Catarina Marques e Geraldo Balbino. De acordo com ele, o escritório adotou há muito tempo um sistema de pagamentos por transferência bancária.

"O cliente só recebe através de depósito bancário para evitar exatamente que amanhã fale que a assinatura do recibo não era dele, ou que assinou o recebido e não recebeu. Como temos um volume de clientes muito grande, adotamos essa sistemática por proteção."

O advogado também enviou uma cópia do contrato firmado com o ex-cliente. De acordo com ele, o contrato estabelece a forma como os serviços serão prestados e como o pagamento será feito.

"A reportagem foi tão elaborada no sentido de denegrir a imagem dos advogados que coloca como se tivesse sido uma surpresa para ele chegar ao banco e não ter dinheiro. Ora, houve a sentença determinando pagamento, eu tinha uma autorização feita em cartório por ele para fazer o levantamento dos valores. E isso é praxe do advogado, pois se eu deixar o próprio cliente levantar os valores eu tenho um grande risco de não receber os honorários."

Para o advogado, a reportagem também cometeu um erro gravíssimo ao falar que o dinheiro saiu diretamente do INSS para sua conta. "Mentira, isso não existe em lugar nenhum."

"Vão existir casos que a pessoa vai alegar que fiquei com 50%. São casos onde a pessoa recebeu cinco mil de atrasados e eu cobrei 2.500 reais, porque eu tive gastos com assistente técnico, eu tenho a tabela de honorários mínima da OAB que eu tenho que respeitar, e um contrato que me preservava o pagamento de um valor mínimo."

Cobrança de honorários

O corregedor-Geral da OAB, Cláudio Stábile Ribeiro, também foi entrevistado na reportagem do Fantástico. À redação do Migalhas ele ressaltou que, na entrevista concedida à equipe do programa, havia esclarecido que não há no Brasil tabelamento de honorários. Essa parte, segundo ele, "não foi incluída, infelizmente" na reportagem. "O que a OAB combate são honorários aviltantes, aquela remuneração que não dignifica o trabalho do advogado, e os honorários excessivos, abusivos, além do limite previsto na legislação da advocacia."

Stábile ressalta que este limite previsto está no Código de Ética e Disciplina, o qual prevê que o advogado não pode receber mais do que o cliente ao final da causa. "E esses 50%, que é o limite dos honorários, é a somatória dos honorários de sucumbência e os contratuais." Ele cita um exemplo: "se um advogado recebe 20% dos honorários de sucumbência, ele pode em tese cobrar até 30%. Se ele recebe 10% de sucumbência, em tese pode cobrar 40%. Esse é o limite."

"Não é que a OAB aconselhe essa espécie de cobrança, mas a OAB fixa um limite e acima disso são considerados honorários abusivos. Esse é o tratamento que a legislação da advocacia dá à questão dos honorários."

Quanto aos casos de aviltamento de honorários, o corregedor afirma que há uma campanha da OAB, que atuando nesses processos, pedindo ingresso, apresentando memoriais, realizando sustentação oral.

"Não é toda a magistratura, muitos valorizam os honorários, mas essa parte que não observa que aviltar honorários é prejudicar a cidadania, porque é através do advogado que o cidadão pode obter o reconhecimento do seu direito na Justiça. E o profissional que trabalha durantes longos anos no processo deve ser bem remunerado para que possa bem defender a cidadania brasileira."

Contexto local

O MPF ajuizou duas ações civis públicas contra a eventual cobrança abusiva de honorários por parte dos advogados da comarca de Manhuaçu. Uma das ações teve tutela antecipada parcialmente deferida em dezembro último. Na ocasião, o juiz Federal Marcelo Motta de Oliveira determinou que os honorários advocatícios dos réus fossem limitados, em ações em curso perante a Subseção Judiciária Federal de Manhuaçu, entre o mínimo de 20% e o máximo de 30% das parcelas vencidas. O magistrado também declarou incidentalmente a nulidade das cláusulas contratuais que inobservarem tais limites, "por violação aos preceitos legais consumeristas e éticos citados na fundamentação".

O advogado Altair Campos considera "uma arbitrariedade muito grande" o fato do MP estar interferindo no contrato particular do advogado. "Não entendo o MP com poderes para, através de uma ação civil pública, discutir questões que estão entre um contrato com particulares, isso não é direito difuso e coletivo para ser discutido em ACP. Acho que o MP está indo além de suas funções."

Na opinião do corregedor-geral da OAB, Cláudio Stábile Ribeiro, o MPF não tem atribuição para intervenção em contratos privados. "O contrato de honorários é estabelecido entre pessoas físicas, de natureza claro, privada. Este contrato deve, quando for o caso, ser julgado pela Justiça estadual".

"Temos precedentes de TRFs nesse sentido, de que não cabe à JF e ao MPF a intervenção em contratos privados, entre eles do advogado e do cliente. Qualquer reclamação de algum cliente em relação a honorários deve ser dirigida à OAB. Nós temos um tribunal de ética de disciplina que observado o devido processo legal, previsto na Constituição, fará o julgamento desse advogado. Nesse julgamento decidirá se o contrato está dentro do que prevê a legislação da advocacia. Então cabe ao Tribunal de Ética e Disciplina da OAB o julgamento desses contratos e da relação advogado-cliente."

Manhuaçu

Até 2011, não existia Justiça Federal em Manhuaçu. Os processos sobre matéria previdenciária eram ajuizados na Justiça Estadual, jurisdição delegada. Por conta disso, várias ações ficaram acumuladas. Meses após a criação da vara Federal, que ocorreu em junho de 2011, foram organizados dois mutirões nos quais foram julgados mais de 1.500 processos de uma só vez. De acordo com Altair Campos, só o escritório dele teve 300 ações julgadas nesses dois mutirões. "Foi um ato histórico, que gerou a concessão de benefícios para milhares de pessoas. Nosso escritório obteve êxito em 88% das ações que foram a julgamento."

Mas o advogado relata que, de todos estes clientes atendidos no mutirão, cinco clientes não satisfeitos resolveram fazer uma denúncia reclamando da qualidade dos serviços prestados. "Isso é normal, todo escritório de advocacia passa por isso. As vezes o cliente ao final da ação não quer pagar os honorários ou não entende o resultado do processo."

Destes cinco clientes, dois apareceram na reportagem exibida pelo Fantástico. "No nosso caso, fomos o escritório mais litigioso, contratamos um assistente técnico para acompanhar as perícias dos nossos clientes. O que, lógico, gerou mais custos. Tudo isso estava incluído nos contratos dos clientes e cada caso é um caso, como bem sabem os advogados.”

"Uma cliente recebe valores maiores, outros menores, às vezes eles começam a comparar entre si (‘mas meu vizinho tinha o mesmo processo que eu e ganhou muito mais’) e isso começa a gerar dúvida na cabeça do cliente. Por mais que você explique, ele fica ali sem entender que a Justiça é uma para cada caso e situação."

Para Campos, o "ponto grave desta situação" é o fato de que essas pessoas procuraram a OAB e foram orientadas pela subseção local a ir até o balcão da Justiça Federal e lá fazerem reclamações. Segundo ele, "tudo por questão política".

“O juiz da Federal da época, que já tinha mudado, não era mais o juiz que fez o mutirão, baixou algumas portarias, ao nosso entender totalmente ilegais, instituindo que qualquer pessoa que chegasse no balcão da Federal para proceder reclamação contra o advogado deveria a reclamação ser reduzida a termo e encaminhada para a Polícia Federal.”

O magistrado citado por Altair é o juiz Federal Aníbal Magalhães da Cruz Matos. Em outubro do ano passado, a OAB/MG realizou ato de desagravo público contra posicionamento adotado por ele em relação aos honorários advocatícios contratuais.

Na ocasião, a OAB mineira afirmou que o juiz teria "tabelado" os honorários, "submetendo os advogados que possuem contrato escrito de honorários advocatícios a verdadeiro constrangimento e humilhação" e colocando em dúvida a lisura da atuação da maioria dos causídicos que militam naquela especializada.

Em despacho em processo de aposentadoria, o magistrado determinou que a secretaria do JEF incluísse o advogado como segundo beneficiário da RPV, no percentual de 30%, observando “rigorosamente” as suas determinações.

Trecho do despacho: "Este Juízo está absolutamente convencido de que, no âmbito das ações previdenciárias que tramitam nos Juizados Especiais Federais, os honorários advocatícios contratuais não podem ultrapassar o percentual de 30% sobre o proveito econômico auferido com a demanda, uma vez que nesse tipo de ação a matéria discutida é de menor complexidade jurídica, muitas vezes repetitivas e decididas num breve espaço de tempo, obtendo-se um significativo percentual de acordo em audiência, não se justificando, pois, a cobrança de honorários advocatícios em patamares reconhecidamente abusivos."

Realidade

Pelo que acima se viu, a questão era bem mais complexa do que a apresentada na reportagem do Fantástico.

Isso para não falar no fato de que a questão de fundo ainda está olvidada. Com efeito, por que o INSS nega peremptoriamente os benefícios, obrigando o cidadão a ir à Justiça para ter o direito constitucionalmente garantido, e por que o governo Federal não aparelha a defensoria Pública para atender os hipossuficientes?

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