Acerca de decisão em que o juiz Federal da 17ª vara do RJ, Eugênio Rosa de Araujo, havia afirmado que as manifestações religiosas afro-brasileiras não se constituem em religiões, o presidente do Conselho Executivo da AJUFERJES - Associação dos Juízes Federais do Rio de Janeiro e do Espírito, Eduardo André Brandão de Brito Fernandes, emitiu nota afirmando que "se tem notícia, de representação disciplinar ao Conselho Nacional de Justiça para investigação do Magistrado pela decisão proferida", o que para ele "é vil tentativa de intimidação da independência judicial".
O próprio magistrado, revendo os fundamentos de sua decisão, voltou atrás e disse que "o forte apoio dado pela mídia e pela sociedade civil, demonstra, por si só, e de forma inquestionável, a crença no culto de tais religiões, daí porque faço a devida adequação argumentativa para registrar a percepção deste Juízo de se tratarem os cultos afro-brasileiros de religiões, eis que suas liturgias, deidade e texto base são elementos que podem se cristalizar, de forma nem sempre homogênea".
Confira a íntegra da nota da AJUFERJES.
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NOTA PÚBLICA
Em vista dos ataques públicos lançados ao Juiz Federal Titular da 17ª Vara Federal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, por decisão proferida em ação que alega intolerância religiosa, a AJUFERJES – Associação dos Juízes Federais do Rio de Janeiro e do Espírito Santo faz público seu apoio ao Magistrado nos seguintes termos.
2. Já em seu preâmbulo, a Constituição do Brasil institui nosso Estado Democrático tendo a justiça como um dos valores supremos ao alcance de uma “sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos”. Em seguida cuidando, no seu artigo 5°, dentre os direitos e garantias fundamentais, da liberdade de manifestação do pensamento (inciso IV) ao lado da liberdade de consciência e de crença e do livre exercício dos cultos religiosos e proteção aos seus locais e liturgias (inciso VI).
3. Numa sociedade pretensamente plural e tolerante, cada vez mais situações de conflitos entre tais liberdades têm desaguado no Judiciário, a quem incumbe decidi-las para a recomposição da paz social.
4. O Juiz, como qualquer cidadão, também tem direito à livre manifestação do pensamento. Sendo certo que, quando no desempenho da judicatura, mais que um seu direito, cumpre o dever de atuar de forma independente de afetos externos na formação de sua convicção de qual a solução justa para o caso. Com efeito, o artigo 5° do Código de Ética da Magistratura impõe “ao magistrado pautar-se no desempenho de suas atividades sem receber indevidas influências externas e estranhas à justa convicção que deve formar para a solução dos casos que lhe sejam submetidos”, estabelecendo mais o seguinte artigo 6° que deve “denunciar qualquer interferência que vise a limitar sua independência”.
5. Assim bem cumpre seu mister o Juiz que, atuando de forma independente, expõe, expressa e motivadamente, as convicções orientadoras de sua decisão, como exige o artigo 93, inciso IX, da Constituição e como o fez o eminente Magistrado neste caso.
6. No Estado de Direito concebido pela mesma Constituição, a insatisfação contra a decisão judicial se dá por meio dos recursos próprios às instâncias posteriores, as quais podem rever tanto os fundamentos como o dispositivo do julgado.
7. Cogitar-se, todavia, como se tem notícia, de representação disciplinar ao Conselho Nacional de Justiça para investigação do Magistrado pela decisão proferida é vil tentativa de intimidação da independência judicial.
8. Equivale a cogitar de crime de hermenêutica, há tempos bem qualificado como “hipérbole do absurdo”, porque, como de forma sempre atual já expunha Rui Barbosa: “se o julgador, cuja opinião não condiga com a dos seus julgadores na análise do direito escrito, incorrer, por essa dissidência, em sanção criminal, a hierarquia judiciária, em vez de ser a garantia da justiça contra os erros individuais dos juízes, pelo sistema de recursos, ter-se-á convertido, a benefício dos interesses poderosos, em mecanismo de pressão, para substituir a consciência pessoal do magistrado, base de toda a confiança na judicatura, pela ação cominatória do terror, que dissolve o homem em escravo”.
9. Deveras, a independência dos Juízes é conquista da cidadania, garantia do Estado de Direito e essencial à proteção dos direitos fundamentais do cidadão e à efetivação dos direitos humanos. É garantia institucional que existe para assegurar julgamentos imparciais, isentos de pressões de grupos sociais, econômicos, políticos ou religiosos; garantia esta que se conforma pela independência intelectual, manifestada conforme sua livre persuasão racional, somada à imunidade pelas convicções expressas em suas decisões.
10. Mesmo por isso, mais lamentável quando se tem notícia de que representação disciplinar da espécie contaria com apoio de membro do Ministério Público, a quem a independência na formação de suas convicções é igualmente garantia necessária para o bom desempenho de suas atribuições constitucionais de defender as leis, ignorando que, dentre elas, há o Estatuto da Magistratura, que, no seu artigo 41, expressamente resguarda que “salvo os casos de impropriedade ou excesso de linguagem o magistrado não pode ser punido ou prejudicado pelas opiniões que manifestar ou pelo teor das decisões que proferir”.
11. Inda mais emblemático que tal reação à decisão judicial tenha origem em ação judicial promovida por quem alega pretender combater a intolerância.
12. Desde sua criação, o Conselho Nacional de Justiça tem sabido repelir as ilegítimas tentativas de partes e Advogados de correicionar as decisões judiciais que lhes desagradam, como por certo também fará neste caso, sequer admitindo trânsito a eventual absurda representação que lhe chegue a respeito.
Eduardo André Brandão de Brito Fernandes
Presidente do Conselho Executivo da AJUFERJES