Migalhas Quentes

PL da terceirização divide opiniões

Para sindicalistas, é o fim dos direitos trabalhistas; para empresários, grande solução

13/5/2014

O PL 4.330/04, conhecido como PL da terceirização, pertence àquele tipo de matéria capaz de tocar fogo em uma discussão. Em trâmite na Câmara dos Deputados, o objetivo dos 19 artigos que compõem o projeto é ampliar as hipóteses de terceirização, impedindo-a apenas para o trabalhador empregado doméstico.

Em breve síntese, o coração da matéria:

"Art. 1º Esta Lei regula o contrato de prestação de serviço e as relações de trabalho dele decorrentes, quando o prestador for sociedade empresária que contrate empregados ou subcontrate outra empresa para a execução do serviço.

Parágrafo único. Aplica-se subsidiariamente ao contrato de que trata esta Lei o disposto no Código Civil, em especial os arts. 421 a 480 e 593 a 609.

Art. 2° (...)

§ 2º Não se configura vínculo empregatício entre a empresa contratante e os trabalhadores ou sócios das empresas prestadoras de serviços, qualquer que seja o seu ramo.

(...)

Art. 16. O disposto nesta Lei não se aplica:

I – à prestação de serviços de natureza doméstica, assim entendida aquela fornecida à pessoa física ou à família no âmbito residencial destas;

II – às empresas de vigilância e transporte de valores, permanecendo as respectivas relações de trabalho reguladas por legislação especial."

Evolução

Atualmente, o tema da terceirização de serviços é tratado pela súmula 331 do TST, cuja configuração autoriza a terceirização apenas de serviços de vigilância, conservação e limpeza, as chamadas “atividades meio”; a interpretação corrente nos tribunais trabalhistas são pautadas por essa mesma baliza: é ilegal a terceirização da atividade-fim.

"Súmula 331 do TST

CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI à redação) - Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27,30 e 31.05.2011

I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal,formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974)

II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).

III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.

IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.

V - Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.

VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral."

Ocorre que a própria súmula 331 não nasceu com a configuração que tem hoje, a qual foi sendo construída aos poucos, à medida que as relações sociais e econômicas se alteravam e produziam efeitos no direito e em sua interpretação.

A princípio, para os tribunais trabalhistas de todo o país a contratação de trabalhadores por empresa interposta era simplesmente ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo apenas o caso de trabalho temporário (lei 6.019/74). A partir do início da década de 1980, as Cortes trabalhistas renderam-se às primeiras exceções, passando a admitir a terceirização para as atividades de vigilância, conservação e limpeza, serviços não relacionados com a atividade-fim do tomador.

Mais tarde, veio a lei de licitações, lei 8.666/93, cujo art. 71, §1°, passou a permitir a terceirização na administração pública, interpretação questionada por muitos, mas corroborada pelo julgamento da ADC 16 pelo STF, em 2010.

Esse breve exame permite a afirmação de que a estrutura tridimensional do Direito, que concilia fato, valor e norma, na esteira do clássico esquema proposto por Miguel Reale, foi forçando a Justiça do Trabalho a reconhecer e admitir, gradualmente, outras formas de terceirização.

Nessa esteira, a ideia do PL 4.330/04 é radical: no contexto atual, toda e qualquer prestação de serviço deveria ser passível de terceirização.

Polarização

A proposta arrepia o cabelo de líderes sindicais, cujas palavras de ordem sobre o tema seguem sempre o mesmo mote: precarização das relações de trabalho. Os líderes empresariais, contudo, vão ao outro extremo: a terceirização seria a modernização que falta, seria capaz de resolver todos os problemas de mão de obra.

Em análises menos apaixonadas, especialistas conseguem apontar exageros em ambos os lados, mostrando que se não há riscos de direitos trabalhistas serem perdidos, embora reduza-se, sim, a capacidade de negociação em alguns casos, tampouco a terceirização é a panaceia para os problemas empresariais – é comum consultores alertarem inclusive para o prejuízo da própria empresa com a contratação de pessoal que “não veste acamisa”, ou que não cria vínculos com a organização. Como vantagem inequívoca, arrolam a possibilidade de corte de custos rápido, em um momento de necessidade.

TST

A dimensão histórica do Direito do Trabalho é vislumbrada pelo atual presidente do TST, ministro Antonio José de Barros Levenhagen, para quem é chegada a hora da Corte revisitar o tema. Se no momento da elaboração da súmula 331 lidava-se com o perigo de “empresas aventureiras”, que “não tinham recursos para o pagamento dos direitos trabalhistas”, o que justificou a edição da súmula, hoje o momento é outro, e a profissionalização do mercado de empresas fornecedoras de mão de obra já permitiria uma ampliação das hipóteses de terceirização.

Assim, embora ainda fale em “não precarizar demais as relações de trabalho”, o ministro defendeu, em recente entrevista, ser “hora de permitir alguma flexibilização na nossa jurisprudência”, permitindo terceirização de atividade-fim. E citou como exemplo a área de tecnologia da informação, em que a rapidez da evolução tecnológica privilegiaria a terceirização.

Outras disposições que merecem atenção

É inegável que os tempos mudaram: se a CLT serviu a uma economia que passaria a ser sustentada pela indústria e suas linhas de produção, não é esse o cenário atual, em que os serviços são responsáveis pela absorção de grandes contingentes de mão de obra.

Por envolver tema de indiscutível relevância – verbas trabalhistas têm natureza alimentar e como tal são regidas por princípios de ordem pública – a proposição não pode ser tratada sob o espírito do “ame ou odeie”. Ao jurista impõe analisá-la e melhorá-la, se for o caso. Com esse fim, destacam-se alguns pontos:

- Em seu art. 3° o PL 4.330/04 procura cercar-se de cuidados com a higidez econômica das empresas fornecedoras de mão de obra, arrolando dentre os requisitos para o seu funcionamento a exigência de“capital social compatível com o número de empregados”, escalonado dentro de limites que partem do capital mínimo de R$ 10.000,00 (dez mil reais) para dez empregados e chega a R$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais), para empresas com mais de 100 empregados; o cuidado é suficiente? Outras exigências deveriam constar da proposição?

- No art. 5° do PL lê-se: “São permitidas sucessivas contratações do trabalhador por diferentes empresas prestadoras de serviços a terceiros, que prestem serviços à mesma contratante de forma consecutiva.” Em espécie de excesso de cautela, o legislador busca antecipar-se a eventual interpretação da lei que porventura venha enxergar na continuidade da relação entre empresa tomadora e pessoa física prestadora da mão de obra, uma pessoalidade capaz de descaracterizar a terceirização. O tema também parece merecer atenção do jurista: a nota distintiva do vínculo trabalhista é a pessoalidade; convém ao sistema perder a coesão, em nome simplesmente de evitar-se o tratamento da exceção como exceção?

- Conforme aludido no início da matéria, o cerne do PL 4.330/04 é a remissão da prestação de serviços aos arts. 421 a 480 e 593 a 609 do CC, exatamente o contrato de prestação de serviços. Cabe chamar a atenção, pois, ao caput do art. 598 do CC, segundo o qual “A prestação de serviço não se poderá convencionar por mais de 4 (quatro) anos.” É do interesse do PL que o contrato de prestação de serviços tenha essa limitação?

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