O ano de 2014 começou, mas o Campeonato Brasileiro de 2013 continua em discussão. Sobre o recente imbróglio envolvendo as demandas desportivas na Justiça comum, como nos casos de torcedores que ingressaram com ações contra o rebaixamento da Portuguesa e o Flamengo para a série B do Campeonato Brasileiro, o advogado Felipe Legrazie Ezabella (Goffi Scartezzini Advogados Associados) afirma que se as equipes entenderem que foram prejudicadas pela decisão do STJD, elas devem ingressar com demandas na Justiça comum, independentemente dos demais processos e investigações já em trâmite.
Para o causídico, a "CBF é desorganizada porque ela faz questão de não resolver o problema dos chamados atletas irregulares. Ela quer, ao mesmo tempo, organizar a competição e se eximir de qualquer responsabilidade! Só em 2013 foram 13 casos de clubes que perderam pontos".
Sim, não só times de futebol, mas qualquer entidade desportiva, atleta, dirigente, árbitros, de qualquer modalidade, podem questionar na Justiça comum uma decisão da Justiça Desportiva.
A previsão e as condições para o exercício desse direito estão nos parágrafos 1º e 2º do art. 217 da CF que diz expressamente que "O Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições desportivas após esgotarem-se as instâncias da justiça desportiva, regulada em lei" e que "A justiça desportiva terá o prazo máximo de sessenta dias, contados da instauração do processo, para proferir decisão final".
É óbvio que o congestionamento, a morosidade, o alto custo e a falta de especialidade são características que desaconselham o uso da Justiça comum. Porém, em casos extremos, onde o direito da parte foi flagrantemente violado, não se pode proibir que ela exerça seu também direito constitucional de ver a questão apreciada pelo Poder Judiciário (art. 5º, XXXV).
Tem se falado recentemente que seria necessário esgotar-se antes eventual recurso a Tribunal Arbitral internacional, porém, a novel tese não encontra respaldo na Constituição Federal que determina o esgotamento da Justiça Desportiva regulada em lei ou o prazo de 60 dias, o que ocorrer primeiro.
A Constituição é clara em matéria temporal, ou seja, a propositura de demanda é possível após o esgotamento das instâncias da Justiça Desportiva ou 60 dias, porém deixa dúvidas quanto ao conteúdo do reexame judicial. Ou seja, o juiz togado pode ingressar no mérito da decisão da Justiça Desportiva ou deve apenas analisar a legalidade/legitimidade do ato? A tendência da doutrina e da jurisprudência, inclusive do STF, é possibilitar o reexame total da matéria.
A CBF, que é uma associação civil com sede no Rio de Janeiro, deve aplicar as decisões tomadas pelo seu STJD. Caso haja qualquer decisão judicial reformando o entendimento do STJD, por óbvio, deverá cumpri-la, sob as penas da lei.
Não há como a CBF punir equipes sem que haja decisão de seu tribunal ou da Justiça. O CBJD - Código Brasileiro de Justiça Desportiva, em seu art. 231, prevê punição apenas ao clube que pleitear perante a Justiça Comum antes de esgotadas as instâncias esportivas ou ao clube que se beneficiar de medidas obtidas por meio de terceiros. As instâncias já foram esgotadas e não há como um clube se beneficiar de nenhuma medida de terceiro: todos são vítimas e não beneficiários.
Não podem e nem devem, a princípio, serem consideradas manobras. São muitos os torcedores que se indignaram com o resultado final e estão buscando na Justiça eventual reparação.
A tendência da jurisprudência é rechaçar o pedido de torcedor individual que queira reformar a decisão de Tribunal esportivo, por entender, em síntese, que não há legitimidade ativa. Porém, nesse caso específico da Portuguesa e Flamengo, incluindo também na pergunta o Fluminense e a CBF, temos uma situação um pouco diferente. Isso porque a CBF, que é a ré nos processos judiciais, alegou a ilegitimidade dos torcedores do Flamengo e da Portuguesa e reconheceu, expressamente via petição, a legitimidade dos torcedores do Fluminense. Ora, apesar das defesas terem sido apresentadas por patronos diversos, numa futura e provável reunião de processos soará no mínimo estranho tal dicotomia de tratamento e entendimento.
Por outro lado, entende-se que esse torcedor, mesmo não tendo, em tese, legitimidade para pleitear a reforma de um julgado na Justiça Desportiva, tem legitimidade para pleitear danos morais e materiais.
Quem teria legitimidade para questionar a decisão de tribunal esportivo é o próprio clube, ou então as entidades e instituições competentes para a defesa dos direitos dos consumidores, sejam eles torcedores ou vítimas do evento danoso (art. 5º da lei 7.347/85).
Penso que o julgamento no STJD, pelo momento e importância no resultado final do campeonato, causou enorme debate e repercutiu muito entre os torcedores. Pelo momento atual que passa o Brasil de cobranças públicas, de manifestações, de redescobrimento dos direitos de cada um dos cidadãos, é normal que o direito de petição e o de acesso à Justiça sejam fartamente utilizados.
Acredito que em breve a situação se normalizará, com a concentração dos atos em um único juízo, dando-nos um pouco mais de clareza de como será conduzida a questão e quais serão as soluções jurídicas e/ou políticas para o campeonato de 2014.
Difícil fazer essa previsão. Se eles entenderem que foram prejudicados pela decisão do STJD, minha opinião é que devem sim ingressar com as demandas, independentemente dos demais processos e investigações já em trâmite.
Atuei na defesa da Portuguesa perante a Justiça Desportiva e as teses por ela defendidas e já publicadas aqui nesse portal, na minha opinião, são passíveis de fácil reconhecimento pela Justiça Comum, não só pelo não cumprimento de ato formal pelo STJD, como também, no mérito, pelo defeito e pelo desserviço prestado pela entidade (des)organizadora da competição.
São relativamente comuns casos esportivos chegarem à Justiça Comum. Não é novidade o campeonato brasileiro de 2013 estar ainda em discussão em 2014. Isso mostra como é frágil o sistema e como é desorganizada a CBF.
O sistema é frágil porque não é um sistema arbitral, como o utilizado pelas entidades internacionais, onde a Justiça Comum apenas poderá ser chamada a anular um laudo, e nunca analisar o mérito, em questões específicas e previamente definidas na lei 9.307/96.
A CBF é desorganizada porque ela faz questão de não resolver o problema dos chamados atletas irregulares. Ela quer, ao mesmo tempo, organizar a competição e se eximir de qualquer responsabilidade! Só em 2013 foram 13 casos de clubes que perderam pontos. O sistema que ela mesma criou para controlar cartões e suspensões não vale; o fiscal da CBF que comparece a todos os jogos e assina a súmula também não vale; a súmula eletrônica e outros recursos que poderiam evitar esse tipo de dissabor ela faz questão de não implementar. Estranho ainda é que de todos os casos que foram julgados em 2013, apenas um teve a pena revertida, justamente quando a CBF se manifestou e assumiu a culpa pela irregularidade do atleta. Ora, nos casos de Flamengo e Portuguesa, cujos atletas estavam aptos em seu sistema, por que a CBF não se manifestou?
Enfim, voltando à pergunta, e os comentários servem para mostrar ao leitor que o caso Portuguesa não é único, é apenas o mais conhecido, acredito que o mais emblemático seja o "caso Gama".
Em 1999, muito antes da edição do atual Estatuto do Torcedor, não contente com um julgamento do STJD que atribuiu pontos, de forma ilegal, ao Botafogo e por consequência rebaixou o Gama, entidades ingressaram com ação civil pública, com base no CDC, pleiteando a manutenção do clube do Distrito Federal na série A do campeonato brasileiro. A decisão favorável ao clube não foi cassada e a CBF não teve outra alternativa senão cumpri-la, organizando um outro campeonato, que se denominou Copa João Havelange. Não houve punição alguma ao clube, nem à CBF.