Migalhas Quentes

Google não pagará multa por mostrar resultado de pesquisa impedido judicialmente

A 2ª seção do STJ considerou a obrigação “impossível de ser efetivada”.

23/12/2013

O Google não terá de pagar multa por descumprir decisão judicial que o obrigava a suprimir de seu site de pesquisa qualquer resultado que vinculasse o nome de um juiz à pedofilia. Por maioria, seguindo voto da ministra Nancy Andrighi, a 2ª seção do STJ considerou a obrigação “impossível de ser efetivada”.

A ministra observou que a liminar que determinava a exclusão dos resultados de busca não fez referência explícita à retirada do conteúdo em cache, ainda que isso constasse do pedido formulado pelo autor da ação. A permanência em cache do conteúdo ofensivo pode ter feito com que o resultado indesejado ainda aparecesse na busca, mesmo após a retirada do ar da página original.

O cache é uma espécie de memória temporária que armazena uma cópia do conteúdo da página original indicada no resultado da pesquisa, para agilizar os resultados de busca. “Não há como precisar por quanto tempo cada página fica na memória cache, variando caso a caso com base em diversos fatores, como a quantidade de acessos à página, a taxa de atualização do site, sua estabilidade e a largura da banda”, explicou a ministra Andrighi.

Efeito danoso

A ministra reconhece que a manutenção em cache “prolonga os efeitos danosos à honra e à imagem da vítima”. Assim, estando uma cópia do texto ofensivo em cache, deve o provedor de pesquisa, uma vez ciente do fato, providenciar a exclusão preventiva, desde que seja oferecido o URL da página original, bem como comprovado que esta já foi removida da internet.

Para tanto, deve haver não só um pedido individualizado da parte, mas um comando judicial determinado e expresso no sentido de que a cópia em cache seja removida. Nancy Andrighi considera isso essencial, sob pena de se prejudicar o direito à informação.

No caso dos provedores de pesquisa virtual, a imposição de deveres subjetivos ou implícitos implicará, potencialmente, restrição dos resultados de busca, o que viria em detrimento de todos os usuários, que dependem desse serviço para conhecer todo o diversificado conteúdo das incontáveis páginas que formam a web”, ponderou.

Publicação indevida

A questão teve origem com a publicação, em 22 de novembro de 2009, de uma matéria na revista Istoé relacionando magistrados à pedofilia. O nome de um juiz era citado. Tratando diretamente com a revista, ele conseguiu a retirada da matéria digital do site da Istoé. No entanto, ao fazer busca com seu nome e o termo ”pedofilia”, o site da Google ainda trazia a versão completa da reportagem.

Em 3 de dezembro de 2009, o juiz ingressou com ação no juizado especial, pedindo que o Google retirasse de seus registros públicos a página original da reportagem, ainda que em cache, bem como de todas as reproduções, ainda que albergadas em outros sites. Pediu também que o Google impedisse em seus mecanismos de busca a associação do seu nome com a matéria ou seu tema.

Valor exorbitante

No dia 4 de dezembro, o juiz obteve uma liminar obrigando o Google, em 24 horas, a retirar das páginas de resultado da pesquisa qualquer referência ao magistrado autor da ação, sob pena de multa diária de R$ 500. No dia 24 de fevereiro de 2010, a multa foi aumentada para R$ 5.000/dia.

O Google ingressou com reclamação perante a 2ª seção, sustentando que a liminar era teratológica, pois determinava uma ordem impossível de cumprir. Pediu a exclusão da multa total ou sua redução.

Segundo cálculo do relator no STJ, ministro Marco Buzzi, a astreinte alcançaria, quando do ajuizamento da reclamação pelo Google, a quantia de R$ 1,4 mi.

O ministro entendeu que o valor da multa era exorbitante e deveria ser reduzido para 40 salários mínimos, teto para as ações no juizado especial. Mas ele manteve a incidência da multa, por considerar que era possível à Google o controle do conteúdo disponibilizado aos usuários.

“A Google possui ferramentas aptas a remover informações de conteúdo no resultado de busca”, afirmou. “Pode ser uma ação de difícil cumprimento, mas não de impossível cumprimento, como alega”, acrescentou.

Divergência

Divergindo do relator, a ministra Andrighi votou no sentido de afastar por completo a multa. Ela entendeu que a obrigação imposta ao Google na condição de site de pesquisa se mostra impossível de ser efetivada, daí decorrendo a teratologia da decisão. Ela chamou a atenção para a diferença entre provedores de conteúdo (que têm controle editorial) e provedores de pesquisa (que não o têm).

A ministra explicou que os provedores de conteúdo têm facilidade para excluir material a pedido dos usuários, mas os provedores de pesquisa, não. É preciso a indicação do URL para que este possa eliminar o aparecimento de resultado indesejado em pesquisa. Com o URL, identifica-se o site, e daí o IP, que localiza o computador de onde saiu o conteúdo. Assim, é possível agir diretamente contra o autor.

Os ministros João Otávio de Noronha, Sidnei Beneti, Paulo de Tarso Sanseverino e Villas Bôas Cueva acompanharam esse entendimento.

Em seu voto-vista, a ministra Isabel Gallotti ressaltou que concordava com a posição da ministra Andrighi, no sentido de que os provedores de pesquisa não podem ser obrigados a eliminar do resultado de busca palavras ou combinações de palavras, fotos ou textos, sem que tenha sido especificado pelo lesado o URL da página em questão.

A ordem judicial, na extensão em que foi dada no caso, não foi corretamente dirigida ao responsável pelo dano, afirmou a ministra Gallotti: “A Google, apesar de ser uma gigante do setor, não é a dona da internet. O que se poderia exigir era retirar do resultado da pesquisa aquela página.” Se, após a retirada da página pelo site responsável pelo conteúdo, ele ainda continuar aparecendo no resultado da busca, é cabível voltar-se contra o Google, disse.

A ministra repeliu a argumentação do Google de que a liminar pediria uma ação impossível. Conforme os autos, no dia 21 de janeiro de 2010 já não havia mais referência na busca do Google nem mesmo à página em cache. Assim, a ministra entende que a astreinte no valor de R$ 500 deve ser calculada de 5 de dezembro de 2009 (data em que terminou o prazo de 24 horas concedido pela decisão liminar) até aquela data.

Acompanharam esse entendimento os ministros Raul Araújo e Antonio Carlos Ferreira.

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