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No STF, vitória parcial. Na Câmara, cassação. Dia de derrotas para José Dirceu

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1/12/2005

 

No STF, vitória parcial. Na Câmara, cassação. Dia de derrotas para José Dirceu

 

Por seis votos a cinco, o Plenário do STF concedeu ontem liminar ao deputado José Dirceu no MS 25647 que questionava irregularidades no processo de cassação instaurado na Câmara. Na decisão, o Supremo determinou que seja suprimido da leitura do relatório, na sessão de votação da cassação do parlamentar, o depoimento da testemunha de acusação Kátia Rabello, presidente do Banco Rural, além de qualquer referência ao depoimento prestado.

 

Na proclamação do resultado, o ministro-presidente, Nelson Jobim, esclareceu que a concessão da liminar "significa pura e simplesmente" a supressão do depoimento da testemunha de acusação durante a leitura do relatório, o que não significa que "deva ser elaborado novo relatório", explicou.

 

No julgamento de ontem, retomado depois do empate ocorrido na semana passada, aguardava-se o voto do ministro Sepúlveda Pertence (clique aqui e veja a íntegra do voto), que entendeu ter havido "inequívoco" cerceamento de defesa quando o Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara inverteu a ordem de inquirição das testemunhas. "A nulidade é chapada", reconheceu Pertence.

 

Sepúlveda afirmou que a inversão da tomada dos depoimentos deveu-se "exclusiva e propositadamente" ao Conselho de Ética. Ele explicou que os convites a todas as testemunhas tinham a mesma data - 31 de agosto de 2005 - e que cada um dos convites sugeria uma ou mais datas para o comparecimento do convidado mas, na seqüência das sugestões, as endereçadas às testemunhas da defesa precediam as dirigidas às da acusação. "A conseqüente inversão se deveu, pois, por inteiro, ao órgão dirigente do processo, sem que nela tivesse influído o caráter de convite ou convocação dos chamamentos", ressaltou o ministro.

 

O ministro Pertence afirmou também que não seria o caso de se alegar a preclusão da nulidade (quando a defesa não a menciona dentro do prazo devido), já que a nulidade foi denunciada antes mesmo que ocorresse a audiência de inquirição das testemunhas, mas na ocasião o pedido da defesa não foi atendido.

 

O ministro também afastou o argumento de que se houvesse reinquirição das testemunhas nada teriam de útil a dizer sobre as declarações da banqueira. "O argumento, com todas as vênias, é inaceitável", observou Pertence, "pois ele pressupõe censura prévia sobre o que possa ou não dizer de útil a testemunha regularmente indicada pela parte".

 

Assim, o ministro concluiu seu voto sustentando ter havido cerceamento de defesa, que induz à declaração de nulidade parcial do processo. Nesse sentido, acompanhou a proposta sugerida pelo ministro Marco Aurélio, de suspensão do processo e reinquirição das testemunhas de defesa.

 

Pertence questionou a solução apresentada pelo ministro Cezar Peluso, na sessão anterior, que eliminaria o depoimento de Kátia Rabello da leitura do relatório. Para ele, a medida poderia ser tomada no caso de sentença motivada, no contexto da qual fosse possível controlar a verdadeira desconsideração da prova excluída. No parlamento, no entanto, disse ele, o voto é secreto, imotivado e não sujeito a controle. Dessa forma, considerou "inócua a determinação de que dele façam abstração mental os nobres senhores deputados".

 

Com o voto de Pertence, foi deferida, parcialmente, a liminar para José Dirceu. Em seguida, o plenário passou a votar a extensão da medida cautelar concedida.

 

O ministro Nelson Jobim, antes de ouvir a manifestação dos ministros, fez um esclarecimento quanto a críticas recebidas no procedimento da votação do MS pelo Supremo. Ele reiterou a manifestação anterior do ministro Sepúlveda Pertence e observou que as críticas foram de dupla natureza: "uma, de juristas que se arvoraram a jornalistas e outra, de jornalistas que se arvoraram a juristas". Jobim considerou que os jornalistas agiram de boa-fé, "mas aos juristas de ocasião, eu faria referência, exclusivamente, para mostrar a origem da sua má-fé". Assim, leu trechos do Regimento Interno do Supremo que prevê a obrigatoriedade do voto do presidente nos casos de matéria constitucional (artigo 146, inciso I).

 

Jobim ressaltou, ainda, que o parágrafo 3º do artigo 134 do regimento estabelece que em caso de empate ou falta de quórum na votação, se for necessário o voto de ministro ausente, serão renovados o relatório e a sustentação oral, computando-se os votos anteriormente proferidos. Já o artigo 205, parágrafo único, inciso I, determina que se aguarde o voto por motivo de ausência ou de licença de até três meses.

 

Extensão da liminar

 

A primeira tese sobre o deferimento parcial da liminar foi levantada pelo ministro Cezar Peluso e permite a continuidade do processo na Câmara dos Deputados, desde que no parecer levado pelo Conselho de Ética ao plenário haja a supressão das referências ao depoimento da presidente do Banco Rural, Kátia Rabello. Já a segunda tese foi a do ministro Marco Aurélio, que defendeu a suspensão do processo para que a matéria voltasse ao Conselho de Ética a fim de ouvir novamente as testemunhas da defesa.

 

Ao final, prevaleceu a tese do ministro Cezar Peluso, que recebeu os votos dos ministros Joaquim Barbosa, Carlos Ayres Britto, Gilmar Mendes, Ellen Gracie e Carlos Velloso.

 

O ministro Joaquim Barbosa contestou a extensão da liminar. "Nós nos metemos onde não deveríamos ter nos metido", protestou. Na avaliação do ministro Barbosa, o Supremo não deveria adentrar numa questão política, interna da Câmara.

 

O ministro Carlos Ayres Britto, por outro lado, elogiou a saída encontrada pela presidência para resolver o impasse em torno da liminar. "Embora a minha natureza seja a de um poeta, eu nunca deixo de fundamentar minhas decisões juridicamente, tecnicamente, e, por isso, rendendo minhas homenagens a Vossa Excelência que pra mim fixou muito bem o critério a ser seguido, eu cravo minha decisão no sentido do voto do ministro Cezar Peluso".

 

Ao se manifestar, o ministro Gilmar Mendes fez uma breve defesa de sua posição para seguir a solução apontada pelo ministro Cezar Peluso. "Diante dessa dificuldade já demonstrada de se solucionar o impasse pelo voto médio convencional, tendo em vista as diferenças qualitativas, também acompanho o nosso radical ministro Peluso", descontraiu-se Gilmar Mendes, fazendo referência à fala de Peluso, que se disse radical no sentido de ir à raiz do problema - o depoimento da testemunha de acusação após a oitiva das arroladas pela defesa.

 

A vice-presidente da Corte, ministra Ellen Gracie, em um voto sucinto, pediu vênia ao ministro Marco Aurélio para acompanhar o voto do ministro Cezar Peluso, assim como o ministro Carlos Velloso, que adotou o mesmo entendimento. "Inicialmente eu entendia que o voto intermediário seria o do ministro Marco Aurélio. Mas, meditando, chego à conclusão de que o voto intermediário é o do ministro Peluso", afirmou Velloso.

 

Votos que seguiram o ministro Marco Aurélio

 

O ministro Eros Grau manteve seu entendimento ao votar com o que considerou mais adequado à Constituição, no que diz respeito à garantia do contraditório e da ampla defesa. "O vício comprometendo o contraditório, para mim, hoje, após o voto do ministro Pertence com o exame dos autos, tornou-se evidente", afirmou Eros Grau.

 

O ministro Celso de Mello proferiu seu voto de forma didática, mas não menos enfática, ao considerar que o Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara transgrediu a Constituição. "A questão básica, essencial no caso, é esta: o Supremo Tribunal Federal conheceu desta matéria porque, ainda que impregnada de forte componente político, ela envolve a discussão e a denegação de garantias e prerrogativas constitucionais que não podem ser ignoradas por ninguém. Muito menos por um órgão da Câmara dos Deputados", ressaltou Celso de Mello.

 

Segundo o ministro, "a Constituição, sem qualquer esforço de interpretação, impõe às Casas Legislativas que compõem o Congresso Nacional, no processo de cassação de mandato (artigo 55 parágrafo 2º CF) e, até mesmo, no caso de mera extinção do mandato (parágrafo 3º), a necessária observância da ampla defesa, o que não aconteceu na espécie".

 

O ministro Sepúlveda Pertence, por sua vez, destacou a divergência qualitativa sobre o caso. "Também parece claro que tratando-se, não de uma divergência quantitativa entre os alvitres de provimento jurisdicional suscitados, mas de uma diferença qualitativa de soluções, é a proposta do ministro Marco Aurélio a que se adapta melhor à fundação do meu voto, como tentei demonstrar. Por isso acompanho o voto do ministro Marco Aurélio".

 

Último a proferir seu voto, o presidente da Corte, ministro Nelson Jobim, disse que o exercício de defesa deve dar-se em sua integralidade. "Não há que se pensar na tutela da defesa. Defesa se exerce com todos os seus mecanismos, mesmo porque não cabe à defesa anunciar suas estratégias no debate", afirmou Jobim.

 

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