Migalhas Quentes

Entrevista – Dr. Ovídio Rocha Barros Sandoval esclarece alguns pontos a respeito do recurso de agravo de instrumento no Processo Civil

9/11/2005


A questão do agravo


Entrevista - Ovídio Rocha Barros Sandoval

 

No dia 19/10/05, foi sancionado pelo presidente Lula o Projeto de Lei nº 72/2005, dando origem à Lei nº 11.187/05, que dá nova redação aos artigos 522, 523 e 527 da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil, relativos ao agravo de instrumento e ao agravo retido.

 

Para esclarecer alguns pontos da questão do agravo, Migalhas ouviu o ilustre jurista Dr. Ovídio Rocha Barros Sandoval, da Advocacia Rocha Barros Sandoval & Ronaldo Marzagão. Na entrevista, o causídico diz "a modificação mais significativa da Lei 11.187/2005 foi a de restringir o cabimento do Agravo de Instrumento, deixando como regra o Agravo retido."

 

Leia abaixo a íntegra da entrevista.

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Migalhas - Nos últimos dias, o tão usado recurso de agravo de instrumento no Processo Civil foi parar nos jornais por conta da publicação da Lei 11.187/2005. O senhor acredita que as alterações eram necessárias?

 

Ovídio Rocha Barros Sandoval - Para responder à questão posta, é necessário refletir sobre a natureza do Agravo de Instrumento. Desde sua origem no Direito luso, passando pelo Regulamento 737, de 1850, pelo Código de Processo Civil de 1939 até chegar-se ao Estatuto processual vigente, o Agravo de Instrumento sempre foi o recurso eleito contra as decisões ou despachos interlocutórios.

 

Despachos interlocutórios existem que reclamam a utilização do Agravo de Instrumento com presteza para evitar, até mesmo, o prosseguimento do feito, com dispêndio de tempo e dinheiro. Basta exemplificar com despachos interlocutórios que afastam defesa concernente à ausência das condições da ação, ou defiram tutela antecipada. Numa e noutra hipótese, o Agravo retido não teria utilidade alguma, uma vez que o julgamento ocorrerá, quase sempre, em 2º. grau de jurisdição, após proferida a sentença e contra ela interposta a apelação.

 

A Lei 11.187/2005 torna o Agravo de Instrumento a exceção, sendo a regra o Agravo retido.

 

Não se pode olvidar que havia uma pletora enorme de Agravos de Instrumento nos tribunais. Todavia, entendo que criar dificuldades para a utilização do recurso não é a melhor solução. Ainda mais que a nova lei oferece a possibilidade de Agravos de Instrumento nos casos de dano grave e de difícil reparação. Casos estes que permanecem na apreciação subjetiva do intérprete, não possuindo critérios objetivos de aferição.

 

Migalhas - Aos olhos do senhor, qual foi a modificação mais significativa trazida pela novel Lei 11.187/2005?

 

Ovídio - A modificação mais significativa da Lei 11.187/2005 foi a de restringir o cabimento do Agravo de Instrumento, deixando como regra o Agravo retido.

 

Migalhas - Foi, no fundo, uma espécie de positivação daquilo que já vinha sendo aplicado pelos Tribunais?

 

Ovídio - Não me parece que a nova lei tenha legislado com base na jurisprudência predominante nos tribunais. Para tanto basta analisar-se o próprio item procedimental do Agravo de Instrumento, no regime anterior.

 

A possibilidade, no regime anterior, do Agravo de Instrumento ser convertido, por despacho monocrático do relator no Tribunal, em agravo retido existia, mas o Agravante podia se utilizar do chamado Agravo Regimental a ser apreciado pelo órgão colegiado competente. Em conseqüência respeitava o princípio da colegialidade dos julgamentos, compatibilizando, assim, à regra constitucional que exige a conferência, por parte do órgão colegiado, da atuação isolada de um dos seus integrantes. A redação atual do inciso II do art. 527 do CPC não mais prevê essa possibilidade.

 

Em tais condições, resta ao Agravante, uma vez suprimida conferência da decisão monocrática pelo órgão colegiado, pedir ao relator a reconsideração do despacho, que poderá ser acolhida diante da nova redação do parágrafo único do art. 527 do CPC. Na prática, como a experiência demonstra, difícil será o êxito.

 

Assim sendo, poderá o Agravante, para restabelecer o princípio da colegialidade, impetrar Mandado de Segurança contra decisão do relator, uma vez que não mais cabe recurso dessa decisão (art. 5º., II, da Lei n. 1.533/51 e Súmula 267 do STF).

 

Portanto, não se pode dizer tenha a Lei 11.187/2005 consagrado jurisprudência de nossos Tribunais, porquanto o regime procedimental anterior era diferente do atual.

 

Migalhas - Tornar o agravo retido a regra e o agravo de instrumento a exceção pode configurar alguma hipótese de atentado ao direito de defesa?

 

Ovídio - Tornar o Agravo retido como regra e o Agravo de Instrumento como exceção, poderá, no meu entender, criar embaraços sérios ao princípio constitucional na ampla defesa. Pelo menos na quadra atual de nosso Direito Processual a exigir pronunciamento judicial pronto a respeito de importantes questões que, acaso não decididas no momento processual oportuno, trarão inevitável prejuízo jurisdicional, de forma plena e equânime e com isso criar embaraços sérios ao direito de defesa.

 

Migalhas - A extinção dos Recursos Especial e Extraordinário em Agravo de Instrumento viola o princípio constitucional do duplo grau de jurisdição?

 

Ovídio - Não houve a extinção dos Recursos Especial e Extraordinário em Agravo de Instrumento. Apenas houve, por força do § 3º. do art. 542 do CPC introduzido pela Lei n. 9.576/98, a disciplina legal no sentido de que tais recursos fiquem sobrestados para, posteriormente à decisão do Tribunal, serem apreciados. Quer dizer: funcionam como recursos retidos.

 

Migalhas - Havia um abuso das partes em agravar, com intuito apenas protelatório?

 

Ovídio - É possível que tal abuso possa ter ocorrido. No entanto, não se justificaria a solução radical realizada pela Lei 11.187/2005, porquanto no regime anterior já existia o remédio para coibir tal abuso: converter o Agravo de Instrumento em Agravo retido. Logo, o feito continuaria o seu curso normal, sem quaisquer procrastinações.

 

Migalhas - Seria o caso de fazermos uma verdadeira revisão na lei adjetiva civil, sob pena de criarmos uma colcha de retalhos e prejudicarmos o procedimento processual?

 

Ovídio - Sou de opinião que se deva fazer uma reforma ampla do Código de Processo Civil nas partes que estejam a exigir inovações importantes. O eminente e extraordinário Ministro Franciulli Netto, após anotar a existência, desde que veio a lume o CPC até os dias de hoje, de mais de 50 leis supervenientes que alteraram o estatuto processual civil, observa que, apesar da melhor das intenções do mundo, o legislador, assessorado por juristas da melhor qualidade, "desprezam as circunstâncias em que as inovações irão operar", esquecidos da advertência de Mauro Cappelletti e Bryant Garth de que "as reformas destinadas a eliminar uma ou outra barreira ao acesso (à Justiça) podem, ao mesmo tempo, fazer surgir outras".

 

Logo, é possível que inovações isoladas surjam que acabem, até mesmo, por atingir o próprio sistema legal consagrado no Código de Processo Civil e cairmos, como está na indagação, numa colcha de retalhos com prejuízo da unidade e sistematização do processo.

 

Migalhas - Nos projetos que modificam o CPC, nos quais o senhor já teve conhecimento, há algum em que se verifica flagrante atentado ao direito de defesa?

 

Ovídio - A grande maioria dos projetos tendentes a modificar o CPC tem, por gênese, diminuir o elenco de recursos ou introduzir dificuldades para a sua utilização, com o propósito de prestigiar a Magistratura de 1º. grau. Muito embora se tratam de medidas de política legislativa que, por si, não atinjam a garantia constitucional do direito de defesa, poderão atingir outros princípios constitucionais como o do acesso à Justiça e do Juiz Natural.

 

Há quarenta e três anos, o eminente professor E. D. Moniz de Aragão fazia importante constatação: "... o remédio evidentemente não está no simples aumento ou diminuição do número de recursos, mas em, paralelamente, melhorar o tirocínio dos magistrados. É ao conhecimento profissional, à cultura jurídica, às condições pessoais dos juízes que o Estado deve endereçar o seu cuidado e não simplistamente à quantidade de meios de recorrer que a parte possa usar para defender-se de um mal cuja continuidade é assegurada através da absoluta falta de precauções para evitá-lo" (in "Formação e Aperfeiçoamento de Juízes", Revista de Dir. Processual Civil, Ed. Saraiva, vol. 3º., 1962, p. 93).

 

Cumpre observar, ainda, que a tendência da "valorização dos juízes de primeiro grau e dos tribunais locais" deve ter presente a realidade continental de nosso país com as diversidades próprias de estrutura e de necessidade das justiças locais.

 

De outra parte, a valorização dos Juízes de 1º. grau passa, necessariamente, pelo melhor preparo dos magistrados de primeira instância. Há a certeza de que a grande maioria de nossos Juízes de 1º. grau carecem de uma melhor preparação jurídica e humanística. Logo, a valorização do seu trabalho está relacionada com uma seleção e um preparo de melhor qualidade.

 

Portanto, referida valorização está relacionada ao estudo e à análise do preparo e da seleção de magistrados.

 

Não se há de esquecer, em primeiro lugar: o que vale é o homem, cargo é atributo. Mais do que nunca essa verdade se impõe, de modo particular, ao magistrado, pois este está, a todo instante, no cumprimento de sua missão, recordando que o homem é uma pessoa. Deve, assim, ter presente a postura do homem-juiz dentro e fora da Magistratura. Bem por isso, possível dizer-se que Catão, o pretor romano, se foi justo em sua curul de magistrado, não o foi com a própria família. Logo, não pode ser elevado a exemplo, pois se transformou num símbolo de elevação moral para um mundo de hipócritas, mundo privado de bondade e de respeito aos valores essenciais da pessoa humana.

 

Migalhas - O Professor Enrico Tullio Liebman foi um dos grandes influenciadores dos nossos processualistas. Amadurecemos e alcançamos autonomia nessa área, ou o senhor identifica alguém ocupando lugar semelhante na cultura jurídica nacional?

 

Ovídio – O professor Enrico Tullio Liebman, discípulo dileto de Chiovenda, de cuja Escola deriva, em larga medida, o Código de Processo Civil de 1939 que modernizou nosso sistema de processo civil, dando-lhe o sentido publicístico já sedimentado na Europa, com a vitória do Fascismo na Itália, veio para o Brasil, passando a lecionar na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Depois de alguns anos de ensino reuniu seus vários discípulos, tais como, Alfredo Buzaid, Luiz Eulálio Bueno Vidigal, José Frederico Marques, Bruno Afonso de André, Benvindo Aires e, mais tarde, Moacyr Amaral Santos. Tinha início a chamada Escola de Processo Civil de São Paulo, que ganhou renome nacional e internacional.

 

Terminada a Segunda Grande Guerra Mundial, Liebman teve de regressar à Itália e reassumir a Cátedra na Universidade de Pavia. Passaram-se os anos e no período de 1953-1958 a maior parte dos discípulos diletos de Liebman acende à cátedra de Direito Processual Civil: Luís Eulálio Bueno Vidigal, em 1953, na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, sucedendo ao professor Sebastião Soares de Faria; no mesmo ano, na Faculdade Paulista de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, José Frederico Marques e Alfredo Buzaid; em 1958, Alfredo Buzaid e Moacyr Amaral Santos, sucedendo os professores Siqueira Ferreira e Gabriel de Rezede Filho, na Faculdade de Direito de São Paulo; Bruno Afonso de André é contratado para reger a cátedra na Faculdade Paulista de Direito; Benvindo Aires é designado professor da Faculdade de Direito de Campinas.

 

Como se vê, Liebman formou uma esplendorosa e fantástica geração de notáveis juristas. Foram eles, sem favor algum, os artífices do nosso processo civil.

 

Na elaboração do nosso Código de Processo Civil de 1973, o seu anteprojeto é de autoria do saudoso professor Alfredo Buzaid.

 

Lançou-se a "Revista de Direito Processual Civil" no ano de 1962, com a concretização do sonho acalentado por Liebman que, inclusive, chegou a escrever, de próprio punho, a folha de capa, cujo "fac símile" se acha publicado no 1º. volume da Revista.

 

Com o lançamento da Revista, outros notáveis processualistas se juntaram aos discípulos de Liebman, entre eles, Galeno Lacerda, Luís Machado Guimarães, Celso Neves, José Joaquim Calmon de Passos, Celso Agrícola Barbi, Luís Antonio de Andrade, Lopes da Costa e Alcides de Mendonça Lima.

 

Portanto, podemos dizer que, diante de tal realidade, alcançamos a autonomia em nosso Direito Processual Civil. A processualística brasileira se encontra, hoje em dia, entre as melhores do mundo ocidental.

 

Por fim temos, hoje, processualistas que honram a tradição iniciada e deixada pelos discípulos de Liebman. Entre eles não poderemos deixar de mencionar, entre tantos outros, o professor José Carlos Barbosa Moreira, ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, professor Cândido Dinamarco, professor José Ignácio Botelho de Mesquita, professor Sérgio Bermudes e professor Arruda Alvim.

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Ovídio Rocha Barros Sandoval – Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Mackenzie (1962), foi professor regente de Ciência Política, na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Marília (1965-1966) e professor titular de Introdução à Ciência do Direito da Faculdade de Direito de Marília, bom como, professor assistente de Direito Civil na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (1967-1968). Antes de ingressar na Magistratura paulista, foi companheiro de escritório de advocacia dos professores José Frederico Marques e Vicente Ráo, e dos Doutores Saulo Ramos e Manuel Alceu Affonso Ferreira, atuando também como conselheiro da Associação dos Advogados de São Paulo. Foi juiz de Direito no Estado de São Paulo por quase vinte anos, exercendo a jurisdição em diversas comarcas especialmente em Barretos e Ribeirão Preto, tendo se aposentado como Juiz titular da comarca da Capital. Foi juiz corregedor da Corregedoria Geral da Justiça (1986) e Juiz,Auxiliar da Presidência do Tribunal de Justiça de São Paulo (1987 e 1988). É sócio da Advocacia Rocha Barros Sandoval & Ronaldo Marzagão.

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