Migalhas Quentes

HC não é cabível apenas em caso de ameaça direta ao direito de ir e vir

Para 2ª turma do STF, recurso é cabível também em ameaça reflexa ou remota a tal direito.

6/3/2013

2ª turma do STF reforça tendência jurisprudencial da Corte de que o HC não é cabível apenas em caso de ameaça direta ao direito de ir e vir, mas também nas hipóteses de ameaça reflexa ou até remota a esse direito fundamental. Com esse entendimento, o colegiado concedeu o HC, por unanimidade, para determinar ao STJ que decida, em um de seus colegiados, um HC lá impetrado que questionava decisão do TRF da 1ª região.

A Corte regional concedeu parcialmente a um homem o HC lá impetrado, no qual a defesa requeria a anulação dos efeitos de mandado de busca e apreensão determinado nas empresa de que ele é sócio, sob acusação de, entre outros, crime contra a ordem tributária (artigo 1º da lei 8.137/90) e sonegação de contribuições previdenciárias (artigo 337-A do CP).

O caso tem origem no mandado de busca e apreensão de equipamentos e documentos nas empresas mencionadas, expedido pelo juízo da 10ª vara Federal em Brasília. A defesa recorreu dessa decisão ao TRF, alegando falta de justa causa, já que o suposto débito fiscal ainda não fora oficialmente constituído. Além disso, a decisão teria ferido o princípio do juiz natural, uma vez que o juízo responsável pelo caso seria a 12ª vara Federal Criminal de Brasília, que já se teria pronunciado sobre a suposta sonegação fiscal, nos autos de outra ação. O TRF, no entanto, concedeu parcialmente a ordem, determinando a devolução apenas de documentos não compreendidos no período entre janeiro de 2006 e dezembro de 2008, objeto da investigação nas empresas.

A defesa, então, impetrou HC no STJ. O relator do processo, no entanto, decidiu que não caberia àquela Corte julgar seu mérito porquanto não haveria risco imediato à liberdade de locomoção do acusado, não conheceu do pedido. De acordo com a decisão, não havia mandado de prisão contra ele, tampouco haveria esse risco pela via oblíqua ou reflexa. Ademais, no caso, o HC estava sendo utilizado como sucedâneo de recurso ordinário. No mesmo sentido se manifestou a PGR.

Ao recorrer ao Supremo contra essa decisão, a defesa pediu que fosse determinado ao STJ julgar o mérito da questão. Alegou, em primeiro lugar, que o mandado de busca e apreensão determinado pelo juízo da 10ª vara Federal em Brasília poderá desaguar em ação penal, aí sim ameaçando o direito de ir e vir do autor do recurso. Além disso, reiterou o argumento de ofensa ao princípio do juiz natural e da ausência de justa causa para a busca e apreensão.

O relator do processo no STF, ministro Gilmar Mendes, pronunciou-se pela concessão do HC, determinando ao STJ que julgue, no mérito, o HC lá impetrado. Ele lembrou que a tendência pela ampliação do espectro do HC já começou a firmar-se no Supremo sob a égide da Constituição de 1891 e se consolidou posteriormente, mesmo com o advento do mandado de segurança, em 1934, destinado a proteger o indivíduo contra o abuso de poder.

"Incomoda-me restringir seu espectro (o do HC) de tutela", observou o ministro que entendeu ser cabível o recurso quando há ameaça a direito fundamental de feição judicial. Segundo ele, embora não haja, no caso, ameaça imediata à liberdade de ir e vir, essa ameaça ficou subjacente quando se validou um mandado de busca e apreensão sem justa causa e com violação do princípio do juiz natural. "Penso ser cabível, porque o paciente está sujeito a ato restritivo do Poder estatal", afirmou.

No mesmo sentido, se pronunciaram Celso de Mello e o presidente da turma, Ricardo Lewandowski. O primeiro deles apoiou os argumentos de Mendes, observando que o recurso do HC não pode ser comprometido com uma interpretação restritiva como a que lhe foi dada pelo ministro do STJ. Tal visão "compromete um dos instrumentos mais caros de amparo às liberdades individuais no país".

Ao endossar o voto dos dois ministros, Lewandowski fundamentou seu voto na falta de justa causa para o mandado de busca e apreensão, incompetência do juízo e ofensa ao princípio da colegialidade, pelo fato de um ministro do STJ ter decidido não julgar o mérito do HC lá impetrado. O ministro Teori Zavascki acompanhou a decisão da turma no mérito.

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